Na UBI, os alunos de Erasmus têm aulas de português
Programa Sócrates-Erasmus
O intercâmbio do Ensino Superior

Viajar, conhecer novas culturas, abrir portas ao conhecimento e ampliar os horizontes são objectivos dos muitos alunos que vêm para Portugal através do Programa Sócrates-Erasmus. Os estudantes do Ensino Superior podem conciliar os seus estudos com uma aprendizagem que lhes permite, ao mesmo tempo, contactar com outras civilizações.


Por Ana Almeida


Seis horas da tarde. Na sala 2.5 do pólo do Ernesto Cruz começa mais uma aula de segundo nível de Português para os alunos de Erasmus. Os seis alunos entram de forma ordenada, em silêncio. A professora Ana Carrilho começa a sétima lição com a correcção dos trabalhos de casa. De uma forma vagarosa, mas com uma dicção perfeita, um dos alunos cita uma frase daquilo que foi o seu fim-de-semana: “O Pedro foi no Porto na semana passada”. Por vezes, os artigos femininos são confundidos com os masculinos, assim como o plural e o singular. Esta é uma das principais dificuldades que os alunos polacos enfrentam “na aprendizagem da elaborada língua de Camões”, refere a docente. Por isso mesmo, hoje a aula foi totalmente dedicada aos artigos que precedem os vocábulos no feminino ou masculino.
A vontade de aprender, estampada no olhar vidrado para os contornos que o giz branco vai desenhando no fundo preto do quadro, são reveladores de um espírito sempre aberto para saber mais e mais. As frases simples, mas com uma extensa variedade de vocabulário enriquecem as suas composições e provam o seu esforço, dedicação e capacidade de trabalho. “São pessoas bastante interessadas e que se aplicam em tudo o que fazem. Estão sempre preocupadas em resolver as suas dúvidas”, salienta Ana Carrilho.
Na sala ao lado, o professor André Costa está a dar uma aula de iniciação aos estudantes que apenas vieram no segundo semestre para a UBI. Aqui, a muleta de comunicação é o inglês, pois o português dos alunos é ainda muito rudimentar. Com a ajuda de fichas de apoio, o docente ensina a diferença entre o verbo ser e estar. Tarefa algo complicada, pois nas línguas de origem destes estudantes não existe essa diferença.
Neste nível, apenas se dão os princípios básicos da língua portuguesa, como por exemplo, cumprimentar as pessoas ou saber pedir o prato do dia no restaurante. Nesta fase, a evolução dos alunos é notória “até certo ponto”. A produção de sons e a utilização de algumas frases-chave, como por exemplo “Bom dia” ou “Adeus” é algo que se adquire rapidamente. No entanto, quando se aumenta o grau de complexidade, “os alunos não conseguem acompanhar essa mesma evolução”. André Costa refere que “as situações de laboratório dadas na aula são facilmente acompanhadas, mas no quotidiano é mais difícil para eles”. As três horas semanais não chegam para aprofundar em demasia a língua de chegada. Ana Carrilho revela que o curso de Língua Portuguesa “consiste em dar as ferramentas suficientes aos alunos estrangeiros para poderem estabelecer comunicação em português”.
Os sons nasais, a distinção entre vogais abertas e fechadas, e as palavras com ‘J’ são as principais «dores de cabeça» para os alunos de Erasmus, visto serem características típicas do português que as suas línguas nativas não possuem. Após muito treino e exercícios específicos, lá conseguem, com algum custo, pronunciar aquilo que parece tão simples, como por exemplo “cão”.
Este tipo de ensino exige aos docentes muita paciência e persistência. Falar devagar e soletrar todas as sílabas são os principais trunfos para o sucesso na aprendizagem de uma língua totalmente desconhecida.
Ana Carrilho é professora de alunos de Erasmus há três anos. Domina as línguas inglesa, francesa e espanhola, mas também vai adquirindo algum conhecimento com os alunos polacos. “Aprendi a dizer bacalhau – “dorsha” – e quiosque – “kioska”. Para a docente “é um trabalho muito interessante e aliciante que, de alguma forma, nos preenche, dá força para continuar e querer fazer ainda melhor”.



Funcionamento do curso

"A UBI tem óptimas condições para estudar", diz a jovem polaca

O curso de português para alunos estrangeiros é dirigido pelo Departamento de Letras da UBI, de forma a facilitar “o intercâmbio universitário e a aprendizagem das disciplinas na sua área de especialidade”, salienta Malaca Casteleiro, um dos professores responsáveis pela fundação do Departamento de Letras.
Mais do que ensinar a língua portuguesa, este curso pretende ainda revelar aos visitantes a cultura do “nobre povo” lusitano. Visitas de estudo guiadas às aldeias históricas da região também fazem parte do “roteiro” do curso, “de modo a que os alunos fiquem com uma visão mais completa deste País, para mais tarde cá voltarem”, refere Malaca Casteleiro.
Para não sobrecarregar em demasia o currículo dos estudantes estrangeiros, a aprendizagem da língua portuguesa é feita apenas em dois níveis. O tempo de que dispõem entre as disciplinas para as quais se inscreveram na UBI e as suas tarefas particulares não permite uma extensão alargada do curso.
O Departamento de Letras auxilia ainda os alunos no contacto com os serviços académicos, sociais e até no próprio Departamento onde estão inscritos. Malaca Casteleiro garante que a maior preocupação é conduzir da melhor forma a vida académica e lúdica dos alunos, procurando “contribuir para que se sintam integrados”.
As relações sociais dos alunos de Erasmus acabam por ser afectadas, no bom sentido da palavra, pela instrução da língua portuguesa. A preocupação sobre como devem abordar as pessoas é uma característica que Ana Carrilho considera ser reveladora de um carácter empreendedor. “Os alunos polacos são pessoas bastante preocupadas em não serem agressivas, nem mal-educadas. Querem sempre saber qual é a melhor forma de começar uma conversa”. No entanto, a tão característica “falta de paciência” do cidadão português obriga à utilização de uma língua universal. “Como falam bastante devagar, procurando as palavras, os alunos portugueses acabam por lhes pedir para falar em inglês. É uma forma de praticar o seu inglês e tornar a compreensão mais rápida”.
O frio e a adaptação a uma cidade desconhecida são as principais dificuldades dos alunos de Erasmus quando chegam à Covilhã. Contudo, Malaca Casteleiro garante que “ao fim de duas semanas já estão perfeitamente integrados, pois consideram a cidade bastante acolhedora e com uma qualidade de vida muito boa”.
O número de estudantes que escolhem a UBI para participar no Programa Sócrates Erasmus não pára de aumentar. Para conseguir acolher todos os participantes foi necessária a criação, em 2002, de um curso intensivo de Português no Verão. Ao longo do mês de Agosto, Ana Carrilho e André Costa recebem na Covilhã alunos de vários cantos da Europa, para, em cerca de 100 horas lectivas, oferecerem uma iniciação à língua portuguesa. No último inscreveram-se 60 alunos neste curso. Contudo, para uma melhor qualidade do ensino, apenas puderam participar 40. “Muitos destes alunos nem sequer vinham para a UBI, mas escolheram a Covilhã para frequentar este curso”, refere Malaca Casteleiro. Na opinião do docente, este aspecto demonstra “a projecção que a Universidade tem nos países europeus”. Este docente considera que os estudantes que vêm do estrangeiro estudar para a UBI, acabam por se transformar “numa espécie de embaixadores da nossa língua e cultura no respectivo país, visto divulgarem a imagem que colheram de Portugal”.




O que é o Programa Sócrates-Erasmus?

O programa Sócrates nasceu de um projecto de acção comunitária no desenvolvimento da cooperação transnacional a nível da educação.
Numa esfera mundial onde, cada vez mais, se assiste a constantes transformações e mutações, eleva-se a necessidade de aquisição de conhecimentos e competências, não só para a obtenção de emprego, como também para o crescimento pessoal. O velho continente europeu caracteriza-se essencialmente pela sua diversidade de culturas. Também os sistemas educacionais europeus variam de país para país.
A Europa é uma fonte de conhecimento. Com ela podemos enriquecer, inovar e fomentar o nosso espírito de aprendizagem. O programa Sócrates vem então proporcionar, aos 32 países que nele participam, um maior desenvolvimento educacional. A aprendizagem ao longo da vida, a facilidade no acesso de todos à educação, a instrução de novas línguas e ainda o incentivo à mobilidade e à inovação são os principais objectivos deste programa.
Desde o pré-escolar ao universitário, o programa Sócrates abrange todos os domínios da educação, estabelecendo a cooperação europeia. Isto pode ser observado mediante a realização de projectos conjuntos e na constituição de redes europeias de ensino. Com a difusão de ideias e o incremento de práticas sociais, o Programa Sócrates proporciona a elaboração de estudos, através do intercâmbio de experiências. A secção dedicada ao Ensino Superior designa-se por Erasmus, daí designarem os alunos universitários que frequentam este programa como “estudantes de Erasmus”.
Para os estudantes se poderem candidatar a este programa, basta preencherem as seguintes condições:

Ter a nacionalidade de um Estado-Membro da União Europeia,
Ter a nacionalidade de um outro país, mas residir de forma permanente em Portugal,
Apenas se podem inscrever no segundo ano de licenciatura
Antes de partir, devem realizar a sua inscrição no curso de licenciatura que frequentam na sua universidade de origem.

Para poderem suportar o diferencial de custo de vida entre o país de origem e o de chegada, os alunos que participam no Programa têm direito a uma bolsa. Luís Carrilho, Vice-Reitor da UBI e dirigente do Gabinete das Relações Internacionais, explica que “não é uma bolsa de estudo. Apenas vai custear a despesa suplementar que poderá encontrar no país para onde vai”. Estas bolsas serão posteriormente distribuídas pelos países aderentes, os quais farão a distribuição pelo número de alunos inscritos.
Caso um aluno queira participar no Programa, mesmo sem ter conseguido a bolsa, poderá fazê-lo, desde que seja aceite pela Universidade à qual se candidatou. A este tipo de candidatura independente, o aluno é chamado de Free-Mover.

A UBI e o Programa Sócrates:

“Com o Programa Sócrates-Erasmus é possível quebrar o receio do intercâmbio universitário.” O medo inicial de ir para uma nação completamente desconhecida e a insegurança de não conseguirem fazer as disciplinas às quais se candidataram são alguns dos receios que os alunos levam nas suas bagagens. No entanto, Luís Carrilho, defende que isso acaba por ser indiferente face à satisfação daquilo que foi experimentado. “Os alunos vêm sempre motivados e com uma ideia comparativa daquilo que se faz em Portugal e do que se faz na Universidade para onde foram estudar”. O docente acrescenta que, “a maioria das vezes, vêm com a sensação de que a UBI tem melhores condições de estudo e trabalho do que a instituição seleccionada para fazer o Programa Sócrates”.
A oferta dos recursos de ensino e aprendizagem e o cultivo da língua portuguesa são as regalias que a UBI tem para oferecer aos estudantes de Erasmus. “Mais do que fazer disciplinas, que concerteza são diferentes da sua universidade, num ambiente internacional onde existem colegas portugueses, têm a oportunidade de conhecer um país com muito sol.”
Luís Carrilho afirma que este Programa poderá abrir mais portas a futuros empregos. “Uma empresa com um ramo, por exemplo, em França, ao olhar para um plano curricular onde o aluno tenha participado nesse país, concerteza que terá uma garantia que o aluno não receia ir para lá”.
Espanha, França e Polónia são os países que mais procuram a UBI e que mais são procurados pelos estudantes deste estabelecimento de Ensino Superior. Bulgária, Grécia, Finlândia, Holanda, Noruega, Reino Unido, República Checa, Suiça e Suécia são outras das variantes de intercâmbio universitário.
A riqueza interior, o conhecimento de novas culturas, a aprendizagem de novos métodos de trabalho, a construção de novas amizades, são as mais-valias deste intercâmbio internacional. “Algumas destas amizades já se converteram em casamentos!”

Experiência enriquecedora

Urszula Bleszynska veio estudar para a UBI no início do segundo semestre deste ano lectivo. Embora a sua preferência recaísse no país vizinho, Urszula confessa que “Portugal é verdadeiramente um país fantástico, não só para visitar, mas também por ser quente”.
Decidiu concorrer ao Programa Sócrates pois o seu principal sonho sempre foi “explorar e conhecer outros lugares”, onde pudesse conviver com outras culturas e pessoas. Para a jovem, estudar fora “enriquece a vida. È também uma maneira de conhecer os hábitos de outros povos “.
Conheceu a UBI precisamente através de alunos portugueses que fizeram Erasmus na Polónia, a sua terra-natal. “Foram eles que me disseram que a Covilhã é uma óptima cidade para se estudar, por isso a escolhi”. As infra-estruturas daquela Universidade e a simpatia típica do povo português são as qualidades que Urszula mais preza ter encontrado na cidade-neve. “Todos os pólos têm excelentes condições de estudo, a biblioteca é enorme e temos facilidades no acesso aos computadores. E depois os funcionários e os professores são muito simpáticos, sempre prontos a ajudar!” Da Covilhã apenas tem a apontar, em tom de brincadeira, as “subidas íngremes da maioria das ruas”. Apesar de estar em Portugal somente há três meses, Urszula desabafa que as saudades que sente do seu país já são algumas… “Sinto falta dos meus amigos, família e… da comida!” No entanto, os laços de amizade que já construiu em Portugal ajudam-na a superar os milhares de quilómetros que a separam da sua terra. A maioria dos seus amigos são polacos portanto, não existe uma barreira linguística para falar com eles. Com os colegas portugueses e espanhóis, Urszula fala em inglês. “È uma boa forma de praticar essa língua, já que a língua portuguesa é difícil de pronunciar e muito complicada!”