José Ricardo Carvalheiro

A integração, Portugal e os média


Sempre que há modelos sociais a revelarem-se desadequados na Europa central, Portugal fica na curiosa posição de poder tirar benefícios do seu próprio atraso. É o que se passa hoje com o cenário pós-migratório. O nosso país está perante o desafio de ser capaz, ou não, de criar um formato à medida da sua realidade e que constitua uma terceira via entre o assimilacionismo à francesa e o comunitarismo à britânica. Ao contrário do que as ideologias oficiais costumam dizer, estes modelos nunca integraram os filhos da imigração extra-europeia.
Na Grã-Bretanha ou na Holanda não se apostou em integrar as pessoas, mas os grupos, atribuindo-lhes medidas específicas que melhoram as suas oportunidades socio-económicas mas reproduzem comunidades separadas. Um neto de paquistaneses não é um inglês, mas sim um british asian . Persiste, até, a classificação oficial segundo a cor da pele.
Em França, o estado tentou assimilar os indivíduos, mas foi traído por uma sociedade que nunca eliminou os preconceitos. É assim que as empresas “mandam os currículos para o cesto dos papéis por causa de um simples apelido árabe” (palavras de Chirac). E que as dinâmicas sociais transformaram em guetos etnicizados as cités concebidas para a miscigenação entre famílias nacionais e migrantes de várias origens. O estado instituiu a igualdade e pensou que a sociedade era capaz de fazer o mesmo.
Apesar dos problemas, fez-se infinitamente mais lá do que cá. Em Portugal, os primeiros vinte anos foram de simples deixa-andar. E desde os anos 90 tem-se ido muito devagar em direcção ao que os motins de Paris confirmam ser prioritário: desarmadilhar o autêntico paiol que, nas sociedades europeias, constitui a sobreposição de inferioridade social com diferença “racial”.
Basta falar com filhos de africanos em Portugal para ver como os de classe média relativizam a existência de racismo, enquanto os do “gueto” percebem qualquer inêxito como discriminação e fazem dela uma bandeira. Quando a inferioridade social é quase generalizada, a mensagem percebida é que a sociedade portuguesa os rejeita em bloco e por causa da pele.
Na discussão das últimas semanas, o aspecto simbólico tem estado pouco presente. Mas sem a reconfiguração da própria identidade nacional não há integração possível. Enquanto a demografia se alterou, a auto-representação das sociedades europeias tem-se mostrado demasiado rígida. Continua a simbolizar-se nas figuras clássicas e a quase não incluir os aparentemente diferentes, reproduzindo assim a ideia destes como outros .
Também aqui, no terreno da cultura e dos média, a França falhou. Os estudos sobre televisão mostram que demorou imenso a redesenhar-se, como quem teima em conceber o francês só com baguette e acórdeão. Ora, embora as “raças” não existam nem se deva instituí-las oficialmente, também é perigoso fazer de conta que a sociedade não as cria como marcadores simbólicos.
Portugal tem, por isso, a ganhar com uma imagem mais cosmopolita de si mesmo. Mas também ganha em evitar as tentações de um multiculturalismo do tipo quotas para personagens “negras”. Porque a questão é precisamente relativizar o sentido das identidades raciais.
Assim como os outros portugueses são mulheres ou homens, estudantes ou mecânicos, adultos ou jovens, também os descendentes de africanos existem para além da cor. Representá-los nas suas identidades multifacetadas seria não lhes recusar a integração a nível simbólico e dar um sinal de um país mais inclusivo.
Mas a realidade é o que é. Ao humor televisivo ainda não dá para troçar das pseudo-fronteiras e dos esteriótipos raciais, mas sim para fazer piadas que reforçam o próprio esteriótipo (o negro tem sempre sotaque africano...). E no pólo oposto, as telenovelas “branqueiam” as poucas personagens negras de tal maneira que não fica vestígio dos significados da cor na sociedade portuguesa. Como se a dimensão racial estivesse completamente ausente na vida de um português de origem africana, alimentando assim o tabu que é o debate sobre essa questão em Portugal.
A verdade é que os cenários pós-coloniais estão excessivamente carregados de sentidos para as “raças”. Precisam de um trabalho cultural de combate ao essencialismo das pertenças, que – a par de políticas educativas, laborais, urbanas – possa contribuir para países inclusivos.