Jangada Teatro
Perdida nos Apalaches

Ter a certeza do espaço ou do tempo em que se vive é uma questão que o autor coloca nesta peça. Agora, é tempo de teatro.

Por Filipa Maio

O conhecimento de si próprio é uma das preocupações reveladas pelo personagem central desta peça

Cabelo lambido e roupa fora de moda caracterizam a personagem que mais fez rir o público no dia 24 de Novembro, no auditório do Teatro das Beiras. “Perdida nos Apalaches” de José Sanchis Sinisterra, esteve em cena substituindo “Os Zingareios de Serafina e Malacueca”. Devido a um imprevisto, os actores não puderam comparecer. Aflito entrou o homem no palco. Já estava atrasado. Apontou para o “feio vício nacional da falta de pontualidade”. Seguiu-se a Doutora Greñuela, inteligência nacional fugida para os Estados Unidos, também atrasada para a sua conferência sobre o Paradoxo do Espaço e do Tempo. Isto decorreu no Centro Cultural de Divulgação Amadeu Pimentel, no qual a primeira personagem desempenha “injustamente” o papel de Segundo Vice-secretário.
O cenário era simples: uma mesa, duas cadeiras e um jarro de flores foi o bastante para recriar tempos e espaços que se cruzam e a enorme confusão que daí resulta. O intruso, que aparecia de vez em quando, mostrava já sinais de que nada tinha ver com a conferência nem com o Centro Cultural. De pijama ou enrolado numa toalha, reclamava da sua insaciável esposa, num hotel em Praga. Depois das gargalhadas do público em volta dos discursos do Segundo Vice-secretário e dos copos de bagaço da Dra. Greñuela, deu-se o encontro. O intruso e a Dra., ele em Praga, em lua-de-mel, e ela, perdida nos Montes Apalaches, esbarraram-se. Entre discussões e momentos de maior proximidade e sedução, a confusão estava instalada. Tentaram resistir mas foram engolidos e separados pelo tempo.
As críticas sociais foram uma constante na peça, a falta de segurança citadina, a decadência dos clubes e a ambição desenfreada são alguns exemplos. A peça interpretada por Miguel Telmo, Eva Fernandes e António Saraiva, encenada por Gil Salgueiro, é já a 59ª produção do Teatro das Beiras. Menos de metade dos lugares do auditório foram ocupados, neste que foi o décimo dia do Festival de Teatro da Covilhã.