Por Catarina Rodrigues e Eduardo Alves




Urbi @ Orbi – Referiu durante as Jornadas Internacionais de Arte e Moda que “design é fazer arte com a tecnologia”. Que relação é essa?
Rui Miguel –
O design pretende conceber produtos estética e funcionalmente dirigidos a grupos de consumidores aproveitando as tecnologias e os materiais existentes ao menor custo. Procura-se uma optimização das novas tecnologias. Fazer produtos com uma mais-valia que surpreenda os consumidores, pela positiva, é a delícia de qualquer designer.

U@O – Alguns dos licenciados em Design Têxtil e do Vestuário, pela UBI, começam a ver o seu trabalho reconhecido no mercado. Vencedores de concursos, colaborações com grandes estilistas, entre outras acções. De que forma esses aspectos são benéficos para a instituição?
R.M. –
Numa primeira análise ficamos tranquilos porque concebemos um curso que é bom. Nestas duas primeiras levas de licenciados temos a grata satisfação de constatar que a maior parte dos antigos alunos estão a trabalhar no ramo e a fazer aquilo de que gostam. Um sentimento de satisfação e de tranquilidade interior que aumenta quando registamos casos como os de alunos que vencem primeiros prémios em concursos como o Mod’tissimo. Sabemos que o que estamos a fazer está bem feito, mas não nos contentamos com isso. O curso precisa de melhorar. Não nos queremos ficar por sermos bons, queremos ser muito bons, um objectivo que para ser alcançado precisa de trabalho contínuo. Já identificámos áreas em que queremos melhorar o nosso curso de Design Têxtil e do Vestuário aproveitando a reestruturação prevista no Processo de Bolonha.

U@O – Mudanças que passam por?
R.M –
Inserir os alunos de forma mais continuada na área do projecto. Queremos que eles, ao longo de todo o seu percurso académico, tenham mais contacto com disciplinas de Projecto. Teremos também de reavaliar os conteúdos de algumas disciplinas e apercebermo-nos do real interesse para a formação de base dos alunos dos conteúdos e metodologias pedagógicas que estão a ser dados aos estudantes. Todas estas medidas levaram já à recolha de informações, dados e estudos que agora vão ser apresentados a todas as entidades ligadas ao curso e que têm interesse no mesmo, para depois decidirmos o que mudar.

U@O – Numa fase em que se fala muito de moda e de novas tendência, esquece-se, por vezes, a formação. Na sua óptica, quais são os requisitos mínimos para se ser um bom designer?
R.M –
Ter um espírito criativo que apele à experimentação, não ter medo de ensaiar coisas novas. Mas tudo isto se trabalha, se cultiva, se desenvolve. No caso de um estudante que esteja interessado em frequentar estes cursos e ainda mostre algumas dúvidas, sobre se as suas ideias são ou não boas, ou tem algum receio em não conseguir desenhar muito bem, isso não é impeditivo de frequentar estas licenciaturas. Até porque os aspectos principais surgem com o trabalho. O apurar, o desenvolver da criatividade é algo que se pode vir a moldar ao longo do tempo. O espírito da procura da inovação será pois o parâmetro essencial, ainda que não o único, mas o principal para se ser um bom designer. Ter sentido estético e apetência e vontade para pesquisar e utilizar novas formas, novos materiais e novas aplicações, bem como ter espírito metódico são também condições que devem estar na postura de qualquer profissional. Mediante tudo isto há que referir que o trabalho de um designer também tem de estar balizado. Não se pode dar largas à criatividade, sem limitações. Estas são claramente, limitações de mercado, da tecnologia e dos custos. Desde que a pessoa compreenda que para o seu trabalho tem de haver estas balizas e que pode, dentro destas linhas, ter um campo imenso para desenvolver as suas potencialidades com método, tem um óptimo perfil para estudar design.




"No têxtil há desgraças e sucessos"

U@O– O CovilhãModa, Jornadas Têxteis, eventos internacionais sobre Arte e Moda são algumas das iniciativas promovidas pela UBI e relacionadas com as licenciaturas em têxteis. Estes eventos têm a sua continuidade garantida?
R.M. –
Pela nossa parte, damos todo o apoio possível a essas iniciativas. Nas Jornadas de Arte e Moda estamos já a trabalhar para uma segunda edição, e as iniciativas de final de ano, que se prendem com os Núcleos de Estudantes, UBITEX (Engenharia Têxtil) e UBIfashion (Design Têxtil e do Vestuário), nomeadamente as jornadas e os desfiles de finalistas, seguramente que terão todo o apoio e carinho por parte do Departamento. Estamos sempre disponíveis para apoiar as iniciativas desta área, mesmo aquelas que possam sair um pouco do âmbito das nossas portas, mais viradas para a cidade e para região.

U@O – Um aspecto que também pode ditar a continuidade ou não de certos projectos é o número de alunos que ingressam nas licenciaturas da área das Engenharias. A UBI, com o curso de engenharia têxtil, um dos seus mais antigos, tem registado um acentuado decréscimo de alunos. Como vê toda esta situação?
R.M. –
Efectivamente, os cursos de Engenharia não cativam muitos alunos. O curso de Engenharia Têxtil sofre por isso, e sofre também pelo facto desta profissão não reunir actualmente uma boa imagem junto da opinião pública. Estamos a trabalhar no sentido de enfrentar estes problemas e procurar dar-lhes soluções. Há que salientar que muita desta má imagem que passa para o público tem a ver com a Comunicação Social, porque há mais preocupação com situações de encerramento de empresas do que com os sucessos registados por outras do mesmo sector. Aquilo que passa para o cidadão comum é a desgraça e não o sucesso, e no têxtil há desgraças e sucessos como em todas as outras actividades.

U@O – Quais as medidas que o Departamento tem encetado para modificar o cenário de alguns cursos que não registam a entrada de alunos?
R.M. –
Devemos ter a responsabilidade de continuar a formar quadros para uma indústria com futuro. Quadros mais qualificados e exigentes. No âmbito do Processo de Bolonha, vamos querer ter um primeiro ciclo de formação de banda larga, na área das tecnologias têxteis, com uma duração de três a quatro anos. Esta formação será adaptada às reais e actuais necessidades das empresas. Os alunos serão recrutados, quer no 12.º ano de escolaridade, quer nos cursos de especialização tecnológica (CETs). O segundo ciclo, ao nível das pós-graduações e dos cursos de especialização, terá uma preocupação redobrada. E aqui vamos especializar quadros ao nível das necessidades emergentes das actuais indústria e distribuição têxteis. Esta última área está agora a crescer no nosso País e nós queremos responder às necessidades. Neste ponto, o recrutamento dos alunos passará pelos activos das empresas e por quem já está no sistema do ensino superior. Para estas formações queremos continuar e ampliar as nossas ligações a outros departamentos. Outra das áreas em que temos vindo a apostar é a da parceria com escolas técnicas de formação profissional, nomeadamente com a Escola Tecnológica da Beira Interior (ESTEBI). Este tipo de parcerias permite-nos formar os quadros intermédios de nível IV para a indústria, recursos humanos de inegável valor para as empresas.


"O mundo dos têxteis técnicos, ainda está em grande parte, no campo da investigação"

U@O– Esta área representa também um pilar científico fundamental para a UBI. Tem apontado o caminho dos têxteis de alta tecnologia como o mais correcto a seguir. Pode desenvolver essa ideia?
R.M –
Portugal para ser competitivo tem de apostar em produtos com mais valia, nomeadamente pela incorporação de alta tecnologia, quer ao nível de têxteis para vestuário convencional (mistura de fibras, acabamento, etc.), quer ao nível dos têxteis não convencionais com aplicações em vestuário de protecção, na agricultura, em geotecnia, nas indústrias automóvel e aeronáutica, na medicina, em consumíveis hospitalares, etc.. O Departamento Têxtil, no âmbito da Unidade de I&D “Materiais Têxteis e Papeleiros”, tem estado atento às exigências de investigação e tem contribuído com vários projectos dos quais resultam teses de doutoramento e mestrado, publicações e comunicações em congressos internacionais, para além de parcerias com empresas e instituições. No campo da investigação a que chamamos de “wearable technologies” (têxteis inteligentes) está a surgir um projecto multidisciplinar bastante interessante, que está a ser supervisionado pelo professor João Queiroz, e que engloba vários Departamentos da UBI, nomeadamente, Têxtil, Ciências do Desporto, Electromecânica (com a área das telecomunicações), Física (com a área da electrónica), Matemática, Informática e a Faculdade de Ciências da Saúde. É um projecto que nos pode colocar junto dos grandes centros de investigação de ponta à escala mundial. Devido à sua complexidade disciplinar, científica e tecnológica, este projecto está ainda numa fase embrionária, mas está a reunir as condições necessárias à sua realização. Aquilo que o projecto pretende é a construção de vestuário, a ser testado pelo Departamento de Ciências do Desporto e pela Faculdade de Ciências da Saúde, capaz de monitorizar determinados parâmetros vitais importantes. Os produtos para os quais tivermos dado a nossa contribuição terão seguramente uma grande mais-valia no mercado têxtil. Empresas que consigam produzir este tipo de produtos têm um sucesso comercial garantido à partida, embora, claro, para nichos de mercado. Isto porque estarão na liderança do desenvolvimento tecnológico.

U@O – Os têxteis sempre foram um dos principais motores económicos da região. Como vê o estado actual do sector?
R.M. –
Uma empresa só sobrevive se conseguir adaptar-se às condições de mercado. Perante uma situação em que um determinado produto não se consegue vender acima do seu custo de produção, há que ter a noção de introduzir uma mais-valia nesse mesmo produto para que possa ser comercializado com lucro para o produtor. Isto consegue-se com melhorias ao nível dos recursos humano e tecnológico. As empresas que não forem capazes de evoluir no produto ou adaptar as suas tecnologia e organização de forma a reduzir os custos de produção, a prazo, acabam por encerrar. A indústria têxtil em Portugal é para continuar. Neste momento tem ainda um peso enorme na nossa economia. É impensável conceber o País sem a indústria têxtil. E a indústria sem quadros não funciona. Portugal tende a diminuir a sua mão-de-obra não qualificada por questões que se prendem com a competitividade. A tendência é para se continuar a verificar uma redução no número de empresas, aquelas que não se conseguirem adaptar às novas realidades económicas. Mas outras existem, que estão bem, que vingaram, que estão a crescer e que têm futuro. Eventualmente poderão aparecer outras, criadas por empresários com visão que descobrem nichos de mercado e que investem aí.

U@O – Que apreciação faz aos empresários regionais, ligados ao sector têxtil?
R.M. –
Como já referi em artigos publicados, a história da indústria têxtil em Portugal tem sido escrita por um conjunto de grandes empresários que construíram empresas relevantes em termos nacionais e internacionais. A importância destes empresários resulta não só da dimensão que as suas empresas conseguiram atingir, quer em volume de produção e de facturação, quer em número de trabalhadores, mas também da sua capacidade de inovação e diversificação no negócio têxtil. Há, porém, uma faceta menos boa da nossa história têxtil que tem ocorrido nos últimos anos e que resulta de todo um conjunto de acontecimentos associados ao emagrecimento da ITV devido ao desaparecimento de empresas que não conseguiram evoluir para os patamares de exigência competitiva que se anteviam há anos atrás, ou seja, já se esperava que quem não fosse capaz (ou não quisesse) de ter uma estratégia empresarial assente nos domínios do produto, do mercado e da tecnologia não iria sobreviver. O que tem vindo a ocorrer é uma espécie de evolução do industrial (que também é empresário) para o empresário (que também é industrial).




"Não podemos estar a competir com a China ao nível da produção de t-shirts"

U@O – Quais são os principais desafios perante a ameaça da China, que pretende apostar no sector têxtil?
R.M. –
Há indícios de que a China pretende entrar nos nichos de mercado de têxteis de qualidade. Mas, neste momento, os empresários do Oriente estão mais interessados nas grandes produções massificadas. Fica, assim, um grande espaço para os produtos que se destinam a mercados com mais apetência e que valorizam a qualidade, a inovação, o design, a personalização e a diversidade/renovação num curto lapso de tempo. As empresas portuguesas podem e devem ocupar este espaço. Competir em preço com a China não faz sentido e, por outro lado, temos de reconhecer a globalização como um dado adquirido, pelo que temos de apostar em novos mercados e em novos produtos que não são fabricados por eles. Analisar os mercados, os produtos e a logística onde possamos ser competitivos é o passo seguinte a ser dado. O grande desafio das empresas está em descobrir, mediante a tecnologia de que dispõem, os melhores mercados, os melhores produtos e a melhor organização para a redução dos prazos de entrega e de custos. É fundamental a aposta nos mercados de proximidade através da flexibilidade de produção, capaz de entregas rápidas e diversificadas. Não podemos estar a competir com a China ao nível da produção de t-shirts. Ou, se assim for, as t-shirts portuguesas têm de apresentar uma mais-valia para vingar no mercado. Descobrir estes benefícios é o segredo do negócio. Na área da produção têxtil, há empresas muito competitivas e rentáveis, tal como na área da confecção, as que apostaram em colecções próprias e em redes de distribuição.

U@O – A criação de estruturas como o Parkurbis de que forma ajudam na concretização de projectos inovadores?
R.M. –
Esta estrutura vai ter um papel muito importante para se criar na região uma área empresarial com base em tecnologia de ponta. A sua existência vai ser fundamental no sentido de criar também uma cultura de aposta nas novas tecnologias, porque nós precisamos de fortalecer a nossa classe empresarial. Temos muito bons empresários, mas precisamos de os multiplicar. Uma das funções do Parkurbis deve passar por criar uma certa pedagogia entre os novos empresários, com vista a estes apostarem nas tecnologias inovadoras. Uma condição que, a prazo, irá ser muito importante.






Perfil



Rui Alberto Lopes Miguel nasceu na Covilhã em 1956. Passados alguns anos vem a ser o sétimo aluno do Instituto Politécnico da Covilhã (IPC). “Lembro-me que no primeiro dia de aulas, 17 de Fevereiro de 1975, ainda estavam a colar a corticite nos tectos. Vimos nascer a UBI. Uma época fantástica que me marcou para sempre”, recorda com emoção, o agora professor associado e presidente do Departamento de Ciência e Tecnologia Têxteis da UBI. “O nosso curso era de quatro anos e quando terminei o bacharelato fiz estágio na empresa A Penteadora, S.A. na Primavera de 1979. Se não estou em erro, fui o primeiro engenheiro têxtil formado na Covilhã, a entrar na indústria da região, na empresa Paulo de Oliveira, Lda.”, refere. Licencia-se em 1985 já na Universidade da Beira Interior. Altura em que ingressa também no “Acondicionamento e Laboratório Têxtil da Covilhã” do Instituto dos Têxteis como técnico superior, desenvolvendo actividades na área da qualidade. Esta estrutura deu depois lugar ao CITEVE. Em 1987 entra na UBI como docente em disciplinas na área da tecnologia dos tecidos e da confecção de vestuário no Departamento de Ciência e Tecnologia Têxteis.
Entre 1991 e 1994 foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e preparou no Consejo Superior de Investigaciones Científicas de Barcelona a sua tese de doutoramento, que viria a apresentar em 2000 na UBI. Um estudo “na área da física têxtil aplicada aos tecidos com o título de Modelização da Influência das Características Estruturais nas Propriedades Condicionantes do Comportamento ao Uso dos Tecidos de Lã e Mistos”.
É professor do mestrado em Gestão da Produção Têxtil na instituição e também leccionou na licenciatura em Design de Moda da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa. É Vice-Presidente da Secção Científica da Unidade de Ciências de Engenharia e Director do Curso de Design Têxtil e do Vestuário da UBI.
É também investigador da Unidade de I&D “Materiais Têxteis e Papeleiros” da UBI desde 1991, autor de seis livros e co-autor de dois nas suas áreas de interesse. É autor e co-autor de mais de 70 publicações em revistas científicas, comunicações em congressos internacionais e palestras em seminários nas áreas da física, do design e da estratégia têxteis. Tem sido membro dos comités científicos de vários congressos internacionais e tem participado em vários júris científicos e administrativos. Foi membro da Sub-Comissão da Avaliação Externa do Curso de Arquitectura do Design de Moda da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa. Foi representante da UBI no grupo de trabalho para a implementação do Processo de Bolonha em Portugal nas áreas das Belas-Artes e do Design.
Os tempos livres são maioritariamente passados com a família. “Nos momentos em que não estou a trabalhar estou com a minha mulher e as minhas duas filhas”. Pratica também futebol, com um grupo de amigos. “A posição que mais gosto de exercer em campo é a de construir e distribuir jogo, tal como noutros aspectos da vida”, sublinha o docente.