Nuno Jerónimo*

O Estudo da Nação


Os institutos nacionais de estatística de Portugal e Espanha produziram um relatório intitulado “A Península Ibérica em Números”. Confesso a minha surpresa quando percebi que tal documento não era apenas um quadro surrealista onde o mapa da Península aparece desenhado, com imensos algarismos a formar o contorno geográfico do Sul da Europa. Pensei que pudesse também ser a demonstração de que Portugal e Espanha são afinal a Matrix e que o D. Sebastião em falta há para lá de cinco séculos não é nenhum dos políticos na estrada mas sim Keanu Reeves, o único que sabe realmente descodificar a sequência numérica da máquina a que estamos presos.
“A Península Ibérica em Números” tem a curiosidade de ter informação estatística e a grande novidade de esta ser relevante. O relatório perpassa importantes questões sociológicas, como a produtividade, a riqueza das regiões, a esperança média de vida, a escolaridade e a qualidade das sandes de courato. Se é verdade que os portugueses são mais pobres, produzem menos e frequentam menos a escola que os espanhóis, o relatório reconhece que a sopa de grão portuguesa é mais alimentícia que a dos nossos vizinhos. O relatório apresenta ainda assim algumas deficiências quando se trata de tratar a informação com mais detalhe. Por exemplo, quando diz que os espanhóis têm um rendimento superior aos portugueses, não refere moradas, números de telefone nem apresenta extractos bancários.
Detenhamo-nos agora num dos indicadores em que Portugal vence claramente a Espanha: despesa estatal com a educação. A educação nacional consome 5,8% do PIB português contra 4,4% do espanhol. Aliás, segundo um outro relatório da OCDE, Portugal é dos países da Europa que mais dinheiro gasta em percentagem do PIB na educação das suas criancinhas até ao fim do ensino secundário. Aparentemente, Portugal gasta muito mais do que a maioria dos países civilizados em Expos, Europeus e Escola. Curiosamente, tudo palavras começadas pela letra E, que também inicia as duas grandes exportações naturais dos portugueses para o mundo, a Emigração e a Estupidez. Este é o Portugal moderno dos três E’s, em contraste com o Portugal salazarento dos três F’s .- Fátima, Fado e Futebol.
Os resultados dos investimentos têm o seu natural retorno. A Expo deixou o Pavilhão Multiusos onde os cantores espanhóis podem actuar ou a Estação do Oriente, do espanhol Santiago Calatrava. No Euro, um golo de Nuno Gomes eliminou a selecção espanhola. Na escola, a taxa de abandono em Portugal é muito maior que do outro lado da fronteira. Compensa, como se pode ver, gastar mais, para fazer com que mais depressa os rapazes e raparigas deixem a escola. Portugal forma tão bem os seus estudantes que muitos não vêem qualquer utilidade nas instituições educativas a partir dos 14 anos. Em Portugal há 49% dos jovens a concluir o ensino secundário e em Espanha 62%. O dinheiro que Portugal emprega na educação promove uma mobilidade estudantil rara na Europa – os alunos deixam a escola e nunca mais lá voltam. Países como o Japão, com taxas de conclusão do ensino secundário próximas dos 100%, vêem em Portugal um bom exemplo para os seus jovens, que passam demasiado tempo na escola, perdendo assim grande parte da adolescência com livros em vez de investirem em actividades mais lucrativas. O relatório demonstra que as famílias espanholas investem muito mais na educação dos seus filhos que as portuguesas, uma característica reveladora da ingerência paternalista dos adultos na vida das crianças.
Já o investimento do Estado em termos percentuais no Ensino Superior, segundo o mesmo relatório da OCDE, é dos mais pequenos da Europa. No entanto, este governo estabeleceu prioridades por ordem alfabética e a universidade vem bastante longe na lista. Antes há ainda a Ota, a produtividade, a qualidade, os reformados, o TGV e só depois então as universidades. Além do mais, as reclamações contra o desinvestimento na educação de nível superior são espúrias. Existe sim uma preocupação estratégica total. Por exemplo, o governo apoia linhas de crédito para compra de computadores portáteis. Ora é sabido que estes computadores mais leves provocam menos luxações nos ombros dos jovens rapazes e raparigas, que por sua vez não gastam tempo nem dinheiro nas urgências hospitalares, para além de ser mais difícil dar a velha desculpa de que a disquete em casa a funcionava, na sala de aula é que já não. Como se vê, com uma única medida, o governo cuida da aprendizagem e da saúde pública. O Ministério dedicado ao Ensino Superior está também atento ao que sucede nos níveis inferiores. Se quanto mais dinheiro o Estado gasta, mais os alunos saem da escola, para as qualificações superiores inverte-se a fórmula. Para manter os jovens na universidade até à conclusão dos seus estudos, um objectivo nobre do Ensino Superior, deve gastar-se para os últimos graus de aprendizagem o mínimo possível. Também as famílias compreendem esta equação e os portugueses são, na Europa, dos que menos dinheiro gastam com a educação universitária dos seus filhos. É uma atitude compreensível, uma vez que o preço da gasolina e o Imposto Automóvel não param de subir e não é fácil manter um filho com carro a estudar numa universidade.

*Docente no Departamento de Sociologia da UBI