José Ricardo Carvalheiro

Foi aqui que pediram mais um choque?


Inserida numa tendência de qualificação geral do país, a Covilhã é hoje sociologicamente muito diferente do que era há 25 anos. Os residentes com um grau de ensino superior multiplicaram-se por sete no concelho, sendo agora um em cada 20 adultos, quando em 1980 eram um em 130. O peso das profissões mais qualificadas na população activa duplicou em cada década, crescendo de 2% para 4% ao longo dos anos 80 e passando de 4% para 8% durante os anos 90. A atmosfera da cidade transformou-se particularmente, porque além dos residentes há outros frequentadores do ensino universitário, que irriga uma pequena cidade de província com jovens do norte, do sul, do litoral, das ilhas, de África e da Europa. Está por estudar o impacto da universidade na mobilidade social e falta apurar se ela está a produzir um movimento de democratização do ensino superior para as famílias operárias, a classe cujos filhos têm por regra menor sucesso escolar. Mas são visíveis a olho nu os casos de ascensão social fulgurante em apenas uma geração. Note-se que o núcleo urbano da Covilhã era particularmente desqualificado em matéria de pessoas com instrução superior (em 1980 não chegavam a um terço da média das cidades portuguesas). Se olharmos para trás apercebemo-nos de que tem sido um verdadeiro choque sociológico.

Mas mesmo os choques mais abruptos demoram a causar mudanças de fundo e nada garante que a progressão académica cause, por si só, a qualificação da economia regional. Os números mostram que o nível educacional tem avançado muito mais depressa que a qualificação do emprego. A posição relativa quase não mudou, mesmo à escala regional: o peso das profissões intelectuais e científicas na população activa está hoje mais distante do de Castelo Branco do que estava há duas décadas. E, se descontarmos o peso da própria universidade como empregadora, é fácil concluir que o défice de qualificação da economia continua entre nós.

O momento é, pois, de viragem obrigatória. A questão é como converter o capital académico em novo modelo económico? De certa forma, todo o país pergunta o mesmo. O governo prescreveu uma receita: o choque tecnológico. A UBI, o município e outros parceiros estão no terreno, procurando criar um parque empresarial baseado em know-how e tecnologia avançada. Será a única via. Difícil, mas a única.

Difícil porque uma economia qualificada tem de medir a sua competitividade com países que têm 24% de licenciados na população activa, a média da OCDE. Difícil porque, na luta pela localização de investimentos, as cidades do interior têm sérias desvantagens no quadro nacional. Difícil porque mesmo na Europa o “ascensor social” que era educação superior entrou em panne e é cada vez mais difícil assegurar aos jovens formados postos de trabalho condizentes com as suas habilitações. Mas não impossível, porque há um factor que nunca existiu no passado: profissionais com formação superior em várias áreas e que estão dispostos a trabalhar aqui.

O que o Parkurbis conseguir vai determinar, provavelmente, o perfil socio-económico da Covilhã no futuro. Se bem sucedido, pode imaginar-se que daqui a outros vinte e cinco anos teremos uma economia regenerada. Se mal sucedido, prosseguirá a cidade exportadora dos recursos humanos que forma. E empregará uma parte dos licenciados em empregos indiferenciados dos centros comerciais, concretizando a panne do ascensor social à escala local.
Então, venha o choque.