José Geraldes

Solidários


É uma afirmação de La Palice dizer que no mundo de hoje o individualismo domina toda a sociedade. Individualismo que Victoria Camps, catedrática de Ética da Universidade Autónoma de Barcelona, traduz por egoísmo e falta de atenção pelos outros. Aliás é o que se vê nos actos mais simples do nosso quotidiano.
Todos querem ser os primeiros indo até contra normas estabelecidas. Quem tem um amigo na repartição ou no local de decisão, tem hipóteses de conseguir o que deseja mesmo que injustamente. Há um desprezo pela justiça em toda a linha.
Há um filme italiano onde este facto surge com toda a evidência. Num plano geral, um homem sai do fundo de uma multidão. Afasta com as mãos todos os que se lhe opõem e vai dizendo até chegar à primeira fila: eu, eu, eu. Ou seja, os outros não são ninguém.
Que interessam os direitos de todos? O que importa é “eu” alcançar o que quero.
A falta de solidariedade impressiona. Com razão, escreveu Martin Luther King: “Nós, os homens aprendemos a voar como os pássaros, a nadar como os peixes mas não aprendemos a arte simples de viver como irmãos”. E, no entanto, a vocação do homem é a comunidade e “ninguém pode ser uma ilha”. Lá diz o salmo bíblico: “Quanta paz e quanto bem, quanta alegria nos vem de vivermos como irmãos”.
O escritor Albert Camus, no seu livro A Peste, ilustra de forma convincente a importância da solidariedade. Rambert, o herói do seu romance, é jornalista e parte em reportagem sobre a peste que se tinha lançado sobre uma cidade. A peste surpreende o jornalista no seu trabalho.
A sua primeira reacção é não aceitar as normas e precauções para evitar a peste. Está convencido de que se trata de um caso especial. Julga-se “com direito à felicidade”. O médico, inclusivamente, ajuda-o a fugir da cidade.
Rambert faz então a descoberta de que numa cidade onde há peste, não há casos especiais. Todos estão sujeitos à mesma doença. E começa a “sentir vergonha de ser feliz sozinho”.
Então decide renunciar à “sua felicidade pessoal” para combater a dor de todos.
O livro de Camus prima pela actualidade. Ninguém pode pensar só em si e esquecer os problemas dos outros. Mas para quantos isto não é uma grande maçada?
Esta solidariedade constrói-se com pequenos gestos. A história de Diógenes a rir como um louco numa rua de Atenas diz tudo. Um passante pergunta-lhe a razão de tal riso. Diógenes responde com a observação do ridículo do comportamento humano.
-Vês aquela pedra no meio da rua? Desde que aqui cheguei, dez pessoas tropeçaram nela. E raivosamente amaldiçoaram-na. Mas nenhuma delas se deu ao cuidado de a tirar para que mais ninguém tropeçasse nela.
O interesse pelo bem comum mata o egoísmo que há em cada ser humano. Sem esquecer que, como dizia, o Papa Pio XII o egoísmo só desaparece em nós um quarto de hora depois da nossa morte.
Vencemos o egoísmo pela prática de actos solidários.
A solidariedade é a pedra de toque de uma sociedade onde todos possam realizar os sonhos das suas vidas.