António Fidalgo

Os 4 dias do art. 82º


O Decreto-Lei 74/2006, “Graus académicos e diplomas do ensino superior” (conhecido como o Diploma de Bolonha) foi finalmente publicado em DR no dia 24 de Março de 2006. Entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, isto é, dia 25, sábado passado. Não deixa pois de ser extraordinário que o art. 82º estipule que “1—Os estabelecimentos de ensino que, excepcionalmente, pretendam efectuar pedidos de registo de adequação, de autorização de funcionamento de novas formações e de registo de alterações para a entrada em funcionamento no ano lectivo de 2006-2007 devem remetê-los à Direcção-Geral do Ensino Superior até ao dia 31 de Março de 2006”. Quedam aos “estabelecimentos” 4 dias úteis para reunir os órgãos pedagógicos, científicos e Senado para debater e aprovar as adequações e alterações dos cursos!

Caso para perguntar se houve má fé do legislador. É verdade que a o articulado do Dec-Lei já era conhecido, mas, num estado de direito, só se pode aprovar cursos oficiais à luz das leis em vigor. Ora a convocação de tais reuniões nesses “estabelecimentos” obedece a prazos legais estipulados pelo CPA. Que significa assim aquele “excepcionalmente” no articulado do nº 1 do artigo? Será que a tutela desejava que avançassem apenas algumas escolas, as quais estariam já prevenidas? O advérbio é tanto mais estranho quanto se sabe (basta ler o muito que se tem publicado sobre o tema) que as universidades trabalhavam intensamente para se posicionarem na linha da frente quanto à aplicação do processo de Bolonha e havia e há um saudável despique entre elas para colocar já no próximo ano lectivo o maior número de cursos a funcionar de acordo com o novo modelo de graus.

Certas universidades aprovaram em Senado há um mês as novas estruturas de 1º ciclo. Mas aprovaram à luz de que diploma em vigor? Em função do que o Ministério vinha anunciando num projecto de Decreto-Lei? Mas os projectos não têm força de lei! Estranho, estranho.

Como é bom não acreditar nem em bruxas, nem em teorias da conspiração, atribuamos tais coisas estranhas a um Ministério distraído e pressionado temporalmente. É que a alternativa de distraído é, ética e politicamente, inaceitável num estado de direito: favorecimento de determinados estabelecimentos à margem da lei.