Helena Ferreira *

O que é investigação em matemática?


Quatrocentos anos após a primeira semente de cartesianismo, a ciência continua na sua senda de matematização. Os aspectos teóricos das ciências da natureza assentam em bases matemáticas. A Economia, a Sociologia e a Psicologia fundamentam muitas das suas conclusões em interpretações de estatísticas. Os programas de computador têm raízes matemáticas e estes são indispensáveis em qualquer área, da Língua à Música, sem esquecer o Desporto. Podemos, enfim, matematizar qualquer área da sociedade através do tratamento de testes ou inquéritos. A capacidade da Matemática para lidar com a quantidade, o espaço, os padrões e as estruturas dotou-a de pontes com todos os ramos da ciência.
A Matemática Pura preocupa-se com a invenção de ideias matemáticas e a construção de teorias abstractas para as quais não há a preocupação de aplicações ou ligação ao mundo dito real. Desgraçada, dirão alguns leitores… mesmo entre aqueles que se socorrem da eficiência não razoável da Matemática.
Das consequências exactas de um conjunto de axiomas constroem-se teorias matemáticas que, enquanto objectos lógicos, apresentam uma consistência e realidade própria que não dependem de potenciais aplicações noutras ciências.
As aplicações da Matemática, tão frequentemente solicitadas, recorrem a sofisticadas técnicas matemáticas e computacionais e visam a resolução expedita de problemas concretos emergentes nas mais variados campos da ciência. Poderão também ser o motor do desenvolvimento de novas teorias matemáticas dando origem a avanços na Matemática.
Os modelos para problemas reais e as estruturas matemáticas apresentam grande identidade pois apresentam o mesmo contexto representatório, no entanto as estruturas matemáticas são criadas através da exploração dum conjunto de possibilidades consistentes com os axiomas, esta é a natureza da Matemática, sendo no entanto os modelos um conjunto de formalismos que num dado momento histórico se mostram adequados para a descrição dum fenómeno. Uma estrutura matemática não cresce em realidade pelo facto de para ela surgir uma aplicação, sendo o papel da Matemática a criação de novas estruturas e seu completo desenvolvimento matemático, isto é, provar novos teoremas de impacto na própria Matemática.
Distinguimos pois o desenvolvimento de teorias abstractas com a sua realidade própria e a exploração de modelos para resolução de problemas.
A exploração de modelos matemáticos com várias equações e hipóteses ajustadas aos problemas é uma arte diferente do desenvolvimento de uma teoria matemática abstracta e igualmente exigente.
O estudo matemático de problemas do mundo real, enquanto problemas distintos dos de Matemática, faz-se pela exploração e adequação de modelos: formalização, aplicação de técnicas matemáticas com computação, iterativos ajustes, exercício das funções descritiva, previsional e normativa. Quando propomos um modelo matemático para representar determinado processo surge o desafio da sua utilidade, sendo a computação uma dos grandes vias para aquisição de tal conhecimento.
Diferentes desafios, metodologias e questões filosóficas se colocam às diferentes áreas de investigação: a Matemática e as Aplicações da Matemática.
Os investigadores em Matemática também ganham o seu sustento a ensinar como se utiliza a Matemática, desde a Álgebra à Estatística Matemática, passando pelas Aplicações da Álgebra e as Aplicações da Estatística, entre outras. Para efeitos do ensino da utilização da Matemática em algumas formações, estas diferenças poderão ser de menor importância. O mesmo não se pode dizer relativamente à avaliação da produção científica e aos processos de selecção a que são sujeitos os investigadores. Não é difícil encontrar quem ateste que é investigação em Matemática algo que não o seja, ou por desconhecimento das especificações metodológicas das áreas ou por quaisquer outras motivações. Daí a importância dos pareceres dos orgãos científicos, das universidades modernas, compostos por pessoas com experiência acumulada de investigação sujeita a avaliação e concretizada em produção científica e académica relevante em Matemática.
Quem constroi efectivamente Matemática não tem dúvidas que a retórica sobre estes assuntos de natureza metodológica não é necessária para que a persuasão seja efectiva na comunidade Matemática: os conteúdos falam por si mesmo! Infelizmente, para os Matemáticos, tal não acontece fora da sua comunidade e os argumentos por vezes violam as mais simples regras da Lógica.


* Docente do Departamento de Matemática da UBI