Relativamente ao meu último artigo de opinião, acrescento ainda os seguintes factos:
1) Uma das críticas ao novo material circulante consiste na queixa de que os computadores portáteis deslizam sobre as mesas (!) Situação bastante estranha esta, ou será que as bases desses computadores deixaram logo agora de vir equipadas com cunhas anti-derrapantes?
2) Outras críticas centram-se no facto de não existirem cortinas nem um bar. Pois bem, as cortinas são de fácil instalação e creio que a CP e a EMEF estão atentas a esta situação. Quanto ao bar, a minha vivência de utente mostrou-me que era muitíssimo reduzido o número de pessoas que a ele recorriam, com toda a certeza devido aos preços praticados.
3) O vocábulo “recauchutado”, que é uma invenção jornalística e pura ficção técnica, não se aplica ao material ferroviário, para o qual a obsolescência programada não faz parte da sua filosofia de dimensionamento, construção e exploração. Como exemplo, tome-se o caso do tipo de engate mais utilizado e difundido, que pode ser observado na parte central inferior das extremidades das UTEs (ver foto), e que tem a designação técnica de Scharfenbergkupplung ou simplesmente Schaku, derivada do nome do engenheiro alemão Karl Scharfenberg, que o desenvolveu em 1903 mas que ainda é construído passados quase 110 anos e é perfeitamente actual em termos tecnológicos, permitindo em simultâneo o engate mecânico e as ligações eléctricas e pneumáticas entre veículos. Outra situação interessante: algum do nosso material circulante motor e rebocado, já retirado do serviço, tem vindo a ser exportado para a Argentina para ser utilizado na sua rede ferroviária de 34 mil quilómetros (recorde-se que este país é a 19ª economia mundial e a 2ª da América do Sul, tem 85 km de via férrea por 100 mil habitantes e 12 km por mil quilómetros quadrados; Portugal é a 42ª economia mundial e a 18ª europeia, e tem 28 km por 100 mil habitantes e 30 km por mil quilómetros quadrados). Estou convicto que, perante a situação inversa há muito que se teria já iniciado a terceira cruzada contra os infiéis.
4) A continuação da utilização de comboios convencionais com 3 corails seria um erro estratégico no que respeita à eficiência energética, na medida em que as locomotivas da série 5600 seriam sempre subaproveitadas. Note-se que as LE5600, de 5600 kW, de 29 ton de esforço de tracção e 220 km/h, fazem parte do grupo das designadas locomotivas de linha de grande tracção, que são dimensionadas para assegurarem o reboque de comboios pesados de mercadorias (2500-2800 ton) a 80-90 km/h, de comboios ligeiros de mercadorias (1400-1500 ton) a 100-110 km/h, e de comboios rápidos de passageiros (600-700 ton) a 170-190 km/h. Ora, atendendo a que uma corail lotada pesa 50 ton, o aproveitamento ideal destas locomotivas verificar-se-ia com comboios que poderiam ter 12 a 14 carruagens.
5) No sentido de se corroborar o exposto na alínea anterior, atente-se que a linha da Beira Baixa, incluindo o troço da Linha do Norte entre as estações de Lisboa-Santa Apolónia e Entroncamento, apresenta as seguintes características:
Comprimento do traçado = 265 km.
Estações terminais = Santa Apolónia (cota 5 metros) e Covilhã (cota 600 metros).
Duração média do percurso (comboios intercidades) = 3 h 40 min.
Bitola da via = 1,668 metros.
Peso total dos comboios a plena carga = 229 ton (convencionais com locomotiva 5600), 173,3 ton (UTEs).
Potências nominais dos comboios = 5600 kW (convencionais), 1200 kW (UTEs).
Por aplicação de fórmulas de cálculo usuais para a determinação dos esforços de tracção e das potências a instalar nas unidades motoras obtêm-se os seguintes valores:
Gradiente (inclinação) médio da via = 2 por mil (0,2 por cento).
Velocidade média = 70 km/h.
Esforço médio de tracção necessário = 4 ton (locomotivas 5600), 3 ton (UTEs).
Potência média necessária = 900 kW (locomotivas 5600), 700 kW (UTEs).
Rácios potência necessária/potência nominal = 16 % (Locos 5600), 58 % (UTEs). Sem dúvida que estes valores são inequívocos – enquanto que as locomotivas funcionavam quase que em vazio, com um rendimento energético bastante penalizante, as UTEs operam numa zona da sua característica mecânica muitíssimo mais favorável.
Para terminar, sugiro aos cépticos, incluindo as associações sindicais que, pela sua responsabilidade cívica e social, deveriam promover um debate aberto entre as duas correntes de opinião em vez de promoverem excursões ferroviárias a Castelo Branco na vã tentativa de imporem a sua opinião, que meditem sobre a seguinte questão, paradoxal: por um lado, o Estado Português (subentenda-se todos os contribuintes), através da Refer, fez investimentos avultadíssimos e muito bem na renovação e modernização da Linha da Beira Baixa até à Covilhã, e por outro, logo de seguida, iria agravar a qualidade dos serviços a prestar aos seus utentes? Deixemos então de uma vez por todas, as novas UTEs em paz e a desempenhar o seu serviço com competência, e debrucemo-nos, isto sim, devido à sua importância estratégica, sobre a conclusão da renovação do troço Covilhã-Guarda.
C. Pereira Cabrita - Departamento de Engenharia Electromecânica
Este artigo foi escrito de acordo com a ortografia clássica da língua portuguesa