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"Faço o que gosto e isso é impagável"

Rafael Mangana em quarta, 19 de abril de 2017

Apaixonado pelo desporto, soube desde cedo que era jornalista que queria ser. Ainda durante o curso de Ciências da Comunicação, Filipe Gonçalves começou por trabalhar aos fins-de-semana e nas férias numa delegação da TVI, tendo ido mais tarde para Lisboa. Seguiu-se a SportTV, equipa onde alinha há já 12 anos.

Filipe Gonçalves
Filipe Gonçalves

Urbi et Orbi: Como é que um jovem de Leiria decide ir estudar Ciências da Comunicação para o Interior?

Filipe Gonçalves: Para ser sincero, eu sempre quis ser jornalista e com a minha média sabia que iria ser difícil entrar numa universidade em Lisboa ou no Porto e tinha algumas boas referências já da UBI e sabia que seria possível entrar. Era um bocadinho mais baixa, a minha média não era muito baixa mas ainda assim não daria para entrar em Lisboa na minha primeira opção e o que posso dizer é que não me arrependi absolutamente nada, eu adorei estudar aqui. Havia muita gente que pela distância – e nessa altura sentia-se mais – que chegava aqui já com ideias de mudar de sítio e tentar uma transferência. Eu vim completamente convencido que vinha para uma boa universidade e vinha com essa expectativa e, de facto, nunca tive um único momento em que me arrependesse ou pensasse em qualquer transferência.

 

U@O: O que recorda desses tempos da UBI?

FG: Muito bons tempos. Olhando para trás, devia ter vindo mais às aulas, mas foram tempos fantásticos. Quando se sai da universidade há uma frase que se diz muito que é: “são os melhores tempos da nossa vida”. Eu só não gosto muito dessa frase porque acho que há sempre coisas diferentes e melhores na nossa vida e o trabalho também é bom, se tivermos um trabalho do qual gostamos – e é o meu caso –, são também tempos ótimos. Agora, em  termos de conhecer amigos em pouco tempo, de teres uma vida a 200 à hora, com saídas à noite, com jantares e com tudo o que a universidade envolve também de estudo, foram de facto tempos fantásticos e algo que nunca vou esquecer, alguns dos melhores tempos da minha vida.

 

U@O: Ao nível do jornalismo, sente que a UBI é tida em conta no meio?

FG: Há alguns colegas que são exemplos no meio, como o Anselmo Crespo, por exemplo, que esteve na SIC e está na TSF agora. Mas, para ser honesto, não. Mas isso tem sobretudo a ver com os acordos que há com as universidades em Lisboa com alguns meios de comunicação, que facilitam muito o trabalho. Os meus colegas são quase todos de uma ou duas universidades diferentes porque têm acordos e nesse acesso o percurso deles foi facilitado, indiscutivelmente. Eu tive a sorte de ter ido bater à porta da TVI, no dia a seguir puseram-me a trabalhar e as coisas aconteceram. Bem, não foi só sorte, porque é preciso trabalhar bastante para poder ficar e para poder continuar a trabalhar.

 

U@O: Como é que um aluno de Ciências da Comunicação pode contornar isso e ter sucesso?

FG: Eu acho que começar nos meios regionais é importante. É verdade que eu comecei na TVI, mas é no jornalismo regional com projeção nacional, como eu costumo dizer, porque o trabalho que se faz é um trabalho dos lugares pequenos, das aldeias da zona de Leiria, da zona de Santarém onde eu trabalhava e isso deu-me uma bagagem enorme. Os jornais regionais também dão essa bagagem, esse início que eu acho que é importante, mesmo não tendo passado exatamente por ele. Depois é ir à luta, é ir à procura, é bater à porta, é ser chato muitas vezes, eu acho que é o principal conselho que eu posso dar porque as coisas podem acontecer. Foi assim que foi comigo, bati à porta, abriram-me a porta e tive a sorte de poder começar dessa forma.

 

U@O: Nesse sentido como é que vê o papel da TUBI, da RUBI ou do Urbi et Orbi, nesse processo de aprendizagem inicial?

FG: Importantíssimo. Eu aprendi muito de televisão e em termos de edição de imagem também logo aqui na TUBI, que foi o único meio onde eu trabalhei aqui na Universidade. A TUBI foi importante porque eu entretanto também comecei a trabalhar na TVI, mais ou menos ao mesmo tempo que comecei aqui a fazer trabalhos, então a ligação entre as duas coisas já não foi tão estranha. Foi importantíssima a parte daqui e foi importante a parte do terreno na TVI já nessa altura, nesse início. Num curso como é o nosso, a parte prática é fundamental e a TUBI foi onde eu senti mesmo que era jornalista, que estava a praticar jornalismo.

 

U@O: Como foi o seu percurso profissional desde que acabou o curso?

FG: Quando acabei o curso comecei logo a trabalhar na TVI, já havia esse quase acordo. Eu trabalhava na altura nos fins-de-semana e nas férias quando ia a casa, porque era na delegação de Fátima/Leiria/Santarém. Fazia sempre os jogos da União de Leiria na altura, tudo o que era ligado ao Desporto eu já fazia e fazia outras coisas. Depois de estar cerca de dois anos e meio nessa delegação, como queria ir para Lisboa, através dos contatos que já tinha com a TVI, com diretores e alguns chefes de departamento, consegui ir para Lisboa fazer um estágio e nesse sentido foi um passo atrás, no sentido em que o estágio não era remunerado e eu já estava a receber. Mas decidi dar esse passo atrás, que acaba por não ser totalmente um passo atrás, porque mudar para a delegação em Lisboa é sempre algo que pode – e resultou – dar-me um futuro diferente. Então fiz um estágio de quatro meses na TVI, não fiquei logo na empresa, voltei ainda para Fátima, mas depois apareceu a Sport Tv e por ter feito o estágio na TVI e por ter sido recomendado por um chefe que tinha na TVI acabei por entrar na SportTv dessa maneira. Estou na SportTv desde 2005, há doze anos sensivelmente.

 

U@O: Ao longo dos anos, tem-se falado muito na sobrelotação e da dificuldade em trabalhar nesta área. Que expectativas pode ter um aluno que esteja hoje a tirar o curso?

FG: Quando comecei a tirar o curso já se falava nisso, já havia falta de emprego, já era mal pago, já era muito difícil. As coisas de facto não melhoram muito nesse sentido. Por outro lado, a verdade é que também têm aparecido muitos meios de comunicação social novos, televisões sobretudo, mas também jornais digitais, como o Observador, por exemplo, que é o caso mais sintomático de um jornal de sucesso apenas online. Há outros meios que se abrem à medida que outros se fecham. Não é um trabalho bem pago, nunca foi, já foi melhor mas o Jornalismo acho que nunca enriqueceu nenhum jornalista a não ser com a progressão da carreira, no caso dos diretores e outros cargos, mas é um trabalho que se faz muito por gosto, de facto. Eu continuo a achar que é possível, com trabalho. Não digo que qualquer um vá conseguir, tenho muitos colegas que não seguiram pelo Jornalismo, alguns por opção outros porque não conseguiram de facto arranjar emprego e queriam mesmo. Isso é de lamentar, como é óbvio, mas eu não consigo dizer a ninguém para desistir do Jornalismo porque não há emprego. Geralmente, as pessoas que são boas e trabalham a sério conseguem-se destacar e conseguem fazer uma carreira, eu acredito nisso. Não é fácil, mas é possível, continua a ser possível.

 

U@O: Nesse sentido, quais são os pontos essenciais para se vingar no Jornalismo, tendo em conta a sua experiência?

FG: Para já, a seriedade e a idoneidade são essenciais. Acho que são os pontos que não devemos deixar cair. Cada vez mais se cai no facilitismo, porque é tudo rápido, é tudo muito para pôr online já, a notícia é para pôr rápido e isso faz com que haja mais erros, com que o Jornalismo se confunda com tudo o resto que há na internet e é isso que na minha opinião não pode acontecer. É por isso que os jornalistas têm que lutar para que a sua profissão seja a validação que isto é uma notícia, que é uma notícia bem dada, que está fundamentada e que há fontes e que as fontes não podem ser só outros sites que já disseram isso. As notícias devem ser confirmadas e eu acho que no futuro é isso que vai distinguir, que vai manter vivo o Jornalismo, que as pessoas de facto tenham a noção que uma coisa é uma notícia feita por um jornalista e outra é uma coisa que foi escrita na internet não se sabe bem por quem.

Nesse sentido, acho que os jornalistas precisam de ter espírito de sacrifício. Nas redações trabalha-se muito hoje em dia, em todas, porque há muito trabalho, há muitas plataformas, hoje em dia um jornal tem que fazer para a televisão, tem que fazer para o online, trabalha-se muito, não há nenhuma redação onde os jornalistas tenham dias descansados, os horários são muito complicados e isso é algo que um jornalista deve ter noção que vai ter no mercado de trabalho, e deve ter essa capacidade de saber que não é uma profissão fácil mas que é compensadora porque eu acho que não há ninguém que vá para o Jornalismo por pensar que isto é uma profissão que o vai enriquecer, que vá ter um excelente trabalho, ninguém, isso não acontece. Toda a gente vai para o Jornalismo por paixão e acho que nada como ter um emprego em que temos paixão e isso define um bom jornalista, eu acho que um jornalista conseguir transportar essa paixão que tem quando vem para a universidade e quer ter essa profissão para depois quando começa a trabalhar, acho que tem todas as possibilidades de ter sucesso.

 

U@O: E acaba por compensar todas essas dificuldades?

FG: Sim, compensa. Há muitas dificuldades, há dias maus, há dias em que chegamos a casa para além de cansados, insatisfeitos com o nosso trabalho, vai acontecer muitas vezes, muitos fins-de-semana perdidos, a vida familiar é muito complicada, mas acabo sempre por dizer que faço o que gosto e isso é impagável.

 

U@O: Que conselhos poderia deixar a um atual aluno de Ciências da Comunicação para vingar nesta área?

FG: Eu acho que um jornalista deve, sobretudo, procurar as coisas. Na nossa profissão quem ficar à espera que as coisas lhe surjam, que as notícias lhe caiam em cima, que alguém faça o trabalho pelos jornalistas, isso não vai acontecer. Deve-se ser muito proactivo, a proactividade é essencial, procurar histórias, procurar boas entrevistas, isso é uma coisa que vai sendo sempre muito importante ao longo de toda a carreira. Marcar a diferença, porque quando falamos dos conteúdos online e de que as pessoas não estão dispostas a pagar, isso é de facto uma realidade difícil de combater mas se os conteúdos forem bons, se forem boas histórias eu ainda acredito que se não for por as pessoas pagarem para as lerem, pelo menos que elas tragam publicidade porque sabem que vão ser vistas por muita gente e que vão ser partilhadas. Cada vez mais é importante olhar para as redes sociais e perceber como é que elas podem ajudar o jornalismo no futuro, em vez de olharmos para as redes sociais e pensarmos como é que elas estão a destruir o Jornalismo. Eu acho que isso é essencial.

 

Perfil:

Nome: Filipe Gonçalves

Naturalidade: Leiria

Curso: Ciências da Comunicação

Ano de Entrada na UBI: 1999

Filme Preferido: “Os condenados de Shawshank”

Livro Preferido: "Cem anos de solidão”, de Gabriel Garcia Márquez

Hobbies: Música e futebol

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