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"Que o exemplo dos erros de Itália sirva de algo"

Rafael Mangana em quarta, 8 de abril de 2020

Paulo, Sérgio e Cristina saíram da Beira Interior e seguiram para Itália, onde vivem desde muito novos. Em 2020 veem-se no epicentro da Covid-19 e olham para Portugal com a esperança de que a população aprenda com o exemplo italiano e que ambos os países possam ultrapassar uma pandemia que tem chegado a todo o mundo.

Itália é o país que regista, até ao momento, mais mortos por Covid-19. Foto: D.R.
Itália é o país que regista, até ao momento, mais mortos por Covid-19. Foto: D.R.

Paulo Silva, Sérgio Silva e Cristina Fonseca saíram muito novos da Beira Interior rumo a Itália e por lá têm vivido aquela que já é tida como uma das maiores pandemias da história da humanidade. A partir daquele que é, até ao momento, o país com o maior número de mortes (ao fecho desta edição de 8 de abril tinham sucumbido à Covid-19 cerca de 18 mil pessoas em Itália), contam o que mudou nas suas vidas e o que têm feito para tentar fintar as estatísticas.

 

"Agora com estes casos positivos entras na realidade da Covid-19 e tens medo"

Paulo Silva é natural do concelho de Celorico da Beira, distrito da Guarda, e vive em Itália desde 1989. Tendo passado por várias atividades profissionais, vive atualmente na pequena cidade de Bracciano, a cerca de 30 quilómetros de Roma, onde é responsável pela equipa de limpeza e desinfeção do hospital local (Ospedale Padre Pio di Bracciano).

Não estando na região mais afetada pelo Coronavírus, Paulo Silva tem contacto direto com o problema, fruto da profissão, e não tem dúvidas: “o governo ao início pensava que o vírus ficasse na China e demorou demais a proclamar as restrições quando apareceu o primeiro caso no norte, na região da Lombardia. Só depois de uma semana foram isoladas as zonas com casos positivos”, lamenta.

O primeiro caso de infeção por Coronavírus (que surgiu na China no final de 2019) em Itália apareceu a 20 de fevereiro, na cidade de Codogno, no norte do país, e desde então, o vírus tem-se espalhado a uma velocidade que nenhum outro país conheceu até ao momento. A 8 de abril (data desta edição do Urbi et Orbi), registam-se cerca de 18 mil mortos por Covid-19 (doença provocada pelo novo Coronavírus) e mais de 135 mil infetados.

“Desde o momento em que entramos no hospital somos obrigados a ter sempre máscara e luvas onde quer que seja. Se vais às urgências ou reanimação tens que colocar uma máscara melhor (FFP2) e vestir-te”, conta Paulo. “O mais estranho é ver o hospital praticamente vazio, isto é, só vem quem tem problemas sérios. É surreal”, considera. “Num hospital aqui perto, onde trabalhei há alguns anos (em Civitavecchia), estão com grandes problemas. A medicina geral está praticamente toda infetada, assim como alguns médicos, enfermeiros e colegas nossos. O problema maior são as máscaras, que não se encontram e estão a acabar”.

Em meados de março surgiu no Hospital de Bracciano um caso suspeito de uma enfermeira e Paulo Silva, por ter estado em contacto com aquela profissional, teve que fazer o teste. Ambos acabaram por dar negativo, mas o português confessa que “estranhamente” não sentiu grande tensão, apesar do resultado ter demorado cerca de uma semana. “Trabalhando num hospital é uma coisa muito provável e quem faz este trabalho sabe dos riscos que pode ter, mas sabe também que o seu trabalho é importante e fundamental nestes casos, e isso dá-te muita força”, garante.

E se até há bem pouco tempo só havia suspeitas, a primeira semana de abril trouxe sete casos positivos ao Hospital de Bracciano. “Agora com estes casos positivos entras na realidade da Covid-19 e tens medo, tens medo de falar com as pessoas (mesmo que no hospital seja obrigatório trazer sempre máscara), medo de tocar nas coisas, medo até de atender o telemóvel”, desabafa. Os dias de trabalho têm sido, por isso, de maior preocupação e azáfama: “mete luvas, tira luvas, ‘desinfetei bem as mãos?’ E depois tens medo de voltar para casa, onde tens um filho de 17 anos que há cerca de um mês que não sai de casa”.

Quando pensa no seu país, Paulo Silva espera “que em Portugal possam fazer melhor que em Itália. Aqui muita gente continua a sair de casa , a juntar-se nos parques, e se não muda a mentalidade das pessoas isto vai durar muito mais tempo”, adverte o técnico. “Infelizmente as pessoas ainda não percebem a gravidade da situação, só quando te chega dentro de casa é que tens medo”. Por isso, não tem grandes dúvidas em afirmar que, para quem tiver essa possibilidade, “a única maneira de conter a infeção é ficar em casa, higienizar bem as mãos e tudo aquilo que possa ter entrado em contacto com o vírus”.

 

"Mesmo antes de fecharem tudo, as pessoas já andavam afastadas, tendo por exemplo a Lombardia”

Sérgio Silva é irmão de Paulo e mora no centro de Roma, onde é cozinheiro numa casa particular. Está em Itália há 25 anos e acredita que a propagação do vírus foi mais rápida naquele país pela própria forma de ser dos italianos. “Aqui temos o hábito de cumprimentar homens e mulheres sempre com abraços e beijos e com certeza que esse foi um motivo forte para a transmissão”. Ainda assim, não culpa a população em geral, mas os políticos, que “não levaram o problema a sério. Nós fazíamos o que o Estado dizia”, explica. “Houve até um caso de um político infetado que disse que se quiséssemos podíamos ir a Milão tomar um Spritz (aperitivo alcoólico) sem medo”. Em Roma, garante, “ninguém confia muito nos políticos e isso acabou por ser a nossa sorte, pelo menos nesta zona, porque mesmo antes de fecharem tudo, as pessoas já andavam afastadas, tendo por exemplo a Lombardia”, conta.

De resto, considera, “o maior erro que o Estado fez foi quando decidiram proibir a circulação para fora de cada concelho, a notícia ter sido dada com três ou quatro horas de antecedência via Facebook pelo Primeiro-ministro. Quem trabalhava no norte fugiu para o sul, infetando o resto da população”, lamenta.

Quanto ao seu quotidiano, trabalhando em casa, Sérgio Silva confessa que pouco mudou, mas sente “a falta de estar com os amigos e ir ao café ou a um bar”. E, claro, a desinfeção minuciosa de tudo quanto entra em casa.

Das poucas vezes que tem mesmo que sair, para ir à farmácia por exemplo – já que as compras de alimentação são todas encomendadas via Internet -, o cozinheiro tem que levar consigo um documento com as horas, destino ou motivação da saída. É assim para qualquer pessoa que neste momento circule em Itália. “Este documento tem que ser deixado nas esquadras se a polícia te mandar parar, tanto de carro como a pé. Não podes preencher o documento todos os dias a dizer que vais ao supermercado, porque a informação fica toda no sistema da polícia e as multas podem ir de 300 a 3 mil euros”, explica.


“Pelo menos durante quatro semanas as medidas tomadas foram insuficientes”

Cristina Fonseca é natural da Guarda e está em Itália há 19 anos. Administra, com o marido, uma casa particular da cidade costeira de Camogli, em Ligúria, no norte do país, uma região que faz fronteira com a região mais afetada: a Lombardia.

Por ser uma região costeira e a poucos quilómetros da Lombardia, “as pessoas de lá vêm em peso para as praias daqui”, explica Cristina Fonseca. “Os milaneses continuaram a vir cá passar fins de semana nas casas de praia e penso que se tenha propagado essencialmente assim. Além disso, os navios de cruzeiro continuaram a chegar e só desde 9 de março fecharam tudo e as pessoas começaram a perceber que era grave”.

Nesta pequena região do norte de Itália há mais infetados e mortos por Covid-19 que em Portugal inteiro, o que se ficou a dever a um certo “egoísmo por parte das pessoas”, explica Cristina. “Sendo um porto, além da população local, tem muito turismo e muita gente para trabalhar no porto”, esclarece.

Considerando que “pelo menos durante quatro semanas as medidas tomadas foram insuficientes”, conta que “todos tivemos que renunciar a saídas à noite para simplesmente dar um passeio, comer um gelado ou tomar um aperitivo com amigos. É um tempo em que as relações são virtuais”.

Apesar da situação, que ainda é preocupante naquela região, a guardense admite: “sou privilegiada, uma vez que vivo e trabalho numa estrutura com parque e um grande jardim e, por isso, estou protegida. Mas a diferença está quando saio para fazer compras e vejo as pessoas assustadas por este inimigo invisível”.

A viver em Itália há praticamente duas décadas, os desejos de Cristina são os mesmos de Paulo e de Sérgio Silva: “que o exemplo dos erros de Itália sirva de algo para o resto da Europa e do mundo, que a população cumpra as regras impostas pelo Governo e que fiquem em casa, se possível. Tenham todos os cuidados higiénicos para se protegerem, mantenham distâncias de segurança quando têm que sair para sairmos todos disto o mais depressa possível”.

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