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Opinião       



 

 
José Geraldes*
 

Congresso do humanismo,
liberdade
e cidadania

A solidariedade no jornalismo e a ética foram dois dos temas que mais polémica despertaram no V Congresso Internacional de Jornalismo de Língua Portuguesa e II Congresso da Imprensa Portuguesa. Os dois congressos realizaram-se em simultâneo, de 7 a 9 de Junho corrente no Recife e Olinda (Brasil), a assinalar os 500 anos do descobrimento de Cabral. O tema geral era 500+500: um olhar para o passado, um passo para o futuro.
Daí a internet ter ocupado também sessões plenárias e especializadas. Com posições apaixonadas e afirmações dogmáticas, de um e outro lado. Oriani Suassuna, o célebre autor do Auto da Compadecida, em intervenção de paradoxos, fez profissão de fé na escrita do papel. José Manuel Fernandes, director do Público vaticinou a internet como o meio de comunicação de massas no futuro. A conclusão é que ambos os suportes irão conviver e serem complementares. Mas daqui a 50 anos, a internet levará a palma.
A questão da solidariedade jornalística surgiu a propósito da posição da comunicação social portuguesa no caso de Timor. Vozes críticas como a de Mário Mesquita, docente na Universidade Nova de Lisboa e Adelino Gomes, director-adjunto do Público, denunciaram a "colagem" emocional. Os jornalistas portugueses não trataram o assunto de Timor, apesar das dimensões trágicas assumidas, com a devida distanciação face ao acontecimento. Tomaram posição declarada. Mas poderia ser de outro modo face à tragédia timorense, após o referendo? Daniel Ribeiro, um dos últimos jornalistas a abandonar a sede das Nações Unidas, em testemunho de quem viveu na pele toda a tragédia, clarificou a questão com um acto de humildade: era difícil, neste caso, evitar a emoção na escrita a favor de quem sofria. Mas, na declaração final, a tese de que a distanciação é uma diferença no jornalismo, prevaleceu.
O caso de Timor não invalida, no entanto, a solidariedade que deve existir no jornalismo. E, em relação aos jornalistas angolanos perseguidos pelo poder, alguns presentes no congresso, ela foi manifestada.
Quanto à ética, a polémica estalou com a apresentação de um Código de Ética, pela AIND (Associação da Imprensa Não Diária) que agora oficialmente passa a designar-se Associação Portuguesa de Imprensa. Código que servirá de auto-regulação para jornalistas e empresários de comunicação social. As opiniões dividiram-se. O objectivo do Código de Ética pretende "defender um jornalismo sério". Argumentou-se em contrário o facto de existir já um Código do jornalista elaborado e sufragado pela classe pelo Sindicato dos Jornalistas cuja consulta foi também posta em questão.
Para o secretário de Estado da Comunicação Social, Arons de Carvalho, participante activo no painel, este tipo de auto-regulação "só adia o problema" e "não resolve o problema". O Código apresentado prevê sanções disciplinares aos jornalistas que podem ser advertidos ou mesmo objecto da cassação da carteira profissional. De novo, Mário Mesquita se insurgiu contra com o argumento de que "não há profissão que aceite a sua deontologia ser imposta do exterior". Ou seja, são os jornalistas que se devem auto-regular. No último Congresso dos Jornalistas, já pairava no ar a iniciativa de se criar uma Ordem. E a ideia de evitar o "sensacionalismo" com aplicação de sanções estava subjacente. A conclusão é que se devia voltar a um órgão do tipo do antigo Conselho de Imprensa como entidade reguladora.
A ética do jornalismo não ficou esgotada e vai continuar a ser discutida. Em que moldes? Há abusos e violações que não passam somente pela auto-regulação. E será boa ideia um mesmo Código servir jornalistas e empresários?
O Fórum da Imprensa regional levantou desafios a que é urgente responder. A profissionalização dos jornalistas, a modernização das empresas, o grafismo e, claro, o "porte-pago" foram problemas analisados com propostas de soluções. Aqui também com pontos de vista diferentes. E com a tónica de Arons de Carvalho de que o "porte pago a 100 por cento deve ser excepção e não regra". Uma opinião que ainda vai levantar muita celeuma.
Os direitos de autor, a formação dos jornalistas, o futuro das pequenas e grandes empresas jornalísticas, as concentrações dos jornais e o jornalismo on-line deram aso a debates ao vivo aos jornalistas, investigadores, docentes universitários, empresários e estudantes de jornalismo presentes num total de quase mil.
O Congresso fechou com uma proposta importante e de grande incidência no futuro: a constituição de uma Federação Internacional de Jornalistas de Língua Portuguesa. Para traduzir em actos concretos a solidariedade e "traçar uma rede que não é virtual mas concreta e duradoura, uma verdadeira jangada de papel e palavras", na bela expressão de Alberto Dines, jornalista brasileiro, presidente do Congresso.
Com a presença de jornalistas e universitários de Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Timor Leste, o Congresso foi pedra branca na aproximação de povos de culturas diferentes a falar e a escrever a língua de Camões. Não em atitude de colonizador para colonizado mas de procura de um caminho de convergência do jornalismo lusófono: humanismo, liberdade e cidadania.

*NC / Urbi et Orbi
Recife/Olinda (Brasil)

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