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              Protocolo
            UBI e IPPAR   
            Seis séculos de
            Indústria 
 
            POR RAQUEL FRAGATA 
            O património industrial
            da Covilhã está a ser inventariado. O Tinto Velho
            e o Pisão Novo são duas das unidades fabris que
            melhor testemunham a história e riqueza patrimoniais da
            Covilhã como Centro Histórico dos Lanifícios
            Portugueses. Os edifícios datam dos finais do século
            XVII ou princípios do século XVIII. Apesar da sua
            importância, a recuperação dos edifícios
            não é  para já uma certeza.  
 
 
            Estas descobertas
            vêm na sequência do protocolo celebrado em Abril
            de 1999 entre a UBI e o Instituto Português de Património
            Arquitectónico (IPPAR). Deste protocolo pretende-se fazer
            um inventário do património industrial da Covilhã,
            exclusivamente associado aos lanifícios. A primeira fase
            é o reconhecimento de campo, da arquitectura, tipologia,
            funcionalidade, organicidade do que resta do outrora forte sector
            têxtil da cidade. Remonta ao século XV o período
            em que as ribeiras viveram os avanços tecnológicos
            operados na indústria têxtil, desde a fase artesanal
            à passagem à fase oficinal. 
            O trabalho está a ser desenvolvido pela responsável
            do Centro de Documentação da UBI, Elisa Pinheiro,
            e pela arquitecta do IPPAR, Deolinda Folgado. Trata-se agora
            de datar os edifícios. "Já fizemos um levantamento
            de cerca de 40 unidades fabris na Ribeira da Goldra, que datam
            de períodos que vão seguramente desde o século
            XVII até à actualidade", refere a directora
            do Centro de Documentação da UBI. A tarefa de situar
            no tempo as construções e os próprios mecanismos
            técnicos, desde os mais rudimentares aos industrializados,
            complica-se dada a grande concentração no espaço
            e sobreposição contínuas no tempo. Desde
            o século XVII até à actualidade a Covilhã
            desenvolveu intensamente uma mono-indústria ligada aos
            lanifícios. "As fábricas vão-se aglutinando
            e em algumas delas esse crescimento foi contínuo através
            do tempo. É aquilo a que chamo o crescimento orgânico
            da indústria" explica a responsável pelo inventário.
              
            O processo torna-se mais demorado ao implicar uma investigação
            profunda do que resta do historial de cada uma das fábricas,
            através da pesquisa entre os diversos arquivos que restam,
            desde os arquivos municipais a fundos empresariais existentes
            no Centro de Documentação da UBI. "Agora estamos
            a fazer trabalho de campo e a cruzar as informações
            com fontes documentais e a informação oral, para
            fazer o inventário".  
            Tinto Velho e Pisão
            Novo:  
            perdidos no tempo 
            À medida que decorre o
            estudo, do panorama arquitectónico geral, sobressaem duas
            estruturas de maior importância: o Tinto Velho e o Pisão
            Novo. São edifícios que testemunham a passagem
            do tempo, e as adaptações aos avanços tecnológicos.
            Desde os processos artesanais que requeriam a energia a sangue,
            com a força do homem ou dos animais, até aos primeiros
            indícios de industrialização e maquinaria
            que foram trazidos na indústria e que contribuíram
            para a fama do sector têxtil, aquém e além
            fronteiras, estão presentes e gritantes de recuperação.
 
            A Fábrica do Tinto Velho, antiga Tinturaria Ranito, situada
            junto ao novo Pólo das Engenharias, sofreu desde a sua
            fundação diversas modificações estruturais.
            O que antigamente foi uma das mais modernas tinturarias é
            hoje um armazém de apoio a uma oficina localizada nas
            proximidades. No entanto, manteve-se intacta a boca de uma fornalha
            idêntica às encontradas, e agora recuperadas, no
            Museu dos Lanifícios. Esta 'descoberta' vem provar a antiguidade
            do edifício, cuja estrutura estava intimamente ligada
            à utilização da água aquecida a lenha
            no processo de tratamento dos panos. "Actualmente o edifício
            é propriedade privada, por isso quanto à sua recuperação
            nada poderá ser decidido a não ser através
            de projectos que estejam implícitos, sejam eles camarários,
            do IPPAR, comunitários ou da Universidade", afirma
            Deolinda Folgado, arquitecta do IPPAR. 
            O Pisão Novo, localizado no início da Ribeira da
            Goldra e que deu nome ao sítio, data do século
            XVIII e ainda lá está. É outro testemunho
            Patrimonial importante. 
            "Só nesta Ribeira da Goldra em 1755, que era então
            chamada a Ribeira dos Pisões, existiam cerca de duas dezenas
            de Pisões, para além de várias Tendas e
            Tinturarias", conta Elisa Pinheiro. As ribeiras assistiram
            à montagem  nas suas margens das oficinas dos Pisões,
            das Tendas, dos Tintos, pequenas oficinas que faziam trabalho
            especializado ao nível de operações intermédias
            até chegar à fase de acabamento final. Nos Pisões,
            com base na água aquecida a lenha nessas fornalhas, os
            panos depois de tecidos eram apisoados de forma a ganhar corpo
            e feltro para que não fosse visível a sua estrutura.
            Aí o pano ficava mais forte e resistente, e quando muito
            apisoado ficava quase impermeável. 
            Quanto à importância e antiguidade destas oficinas,
            cuja construção data possivelmente do século
            17 e 18, as duas responsáveis não hesitam em afirmar
            que são os dois elementos "com mais interesse histórico
            e tecnológico da Ribeira da Goldra".  
              
            
              
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                 Ribeiras abandonadas 
                Não poderá falar-se
                da indústria dos lanifícios sem falar da estreita
                dependência das ribeiras que alimentavam as fábricas
                com energia. 
                "Quando falamos em património industrial não
                falamos somente nos locais onde se fazem as operações
                de fabrico de qualquer produto, mas de uma organização
                que está subjacente", refere Deolinda Folgado, arquitecta
                do IPPAR.  
                A constatação das recentes obras na margem direita
                da Ribeira da Degoldra que a UBI está a fazer junto ao
                novo Pólo das engenharias são motivo de preocupação
                para as duas intervenientes no inventário. "Durante
                anos houve uma estreita dependência da Ribeira, quando
                era necessária para energia e para as águas para
                lavagem. Agora é um voltar as costas da pior maneira",
                critica a arquitecta do IPPAR. E prossegue: "Essa é
                a filosofia mais básica do homem e que se aplica sempre:
                já não precisa, destrói". Esta opinião
                é corroborada por Elisa Pinheiro, que entende que algumas
                das intervenções que estão a ser feitas
                requeriam mais investigação e um cuidado maior
                com o impacto ambiental irreversível. "Esperemos
                que com o avanço do Programa Polis as intervenções
                venham a ser mais cuidadas, porque actualmente as ribeiras são
                de facto o saneamento a céu aberto da Covilhã.
                Aquilo a que assistimos agora é a destruição,
                para além patrimonial em termos construtivos, do ambiental
                em simultâneo, que é muito mais difícil de
                repor", afirma. 
                Ambas reconhecem a necessidade destas obras, no entanto acreditam
                que o equilíbrio entre o novo e o antigo seja viável
                e esperam que os resultados do inventário possam influir
                no tratamento futuro do património da Covilhã. 
                A corrida contra o tempo preocupa Elisa Pinheiro:  "Não
                somos tão rápidos como os bulldozers. Impactos
                desta natureza, não obrigado".   | 
               
              
 
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