| 
             A mentira sobre
            a tragédia do
            Kursk  
            ou quanto
            vale uma vida 
 
            POR IVONE FERREIRA 
             
            "Quem, então,
            julgue necessário, (...), assegurar-se contra os seus
            inimigos, ganhar-se amigos, vencer pela força ou pela
            fraude, fazer-se amar e temer dos povos, seguir e respeitar os
            soldados, abater aqueles que possam ou devam prejudicá-lo,
            (...), não pode encontrar mais recentes exemplos do que
            as acções de César Bórgia ". 
            in O Príncipe                 
            O acidente do submarino Kursk,
            no decorrer da passada semana, sensibilizou a opinião
            pública ou pelo menos deve ter chamado a atenção
            aos estudantes de Teoria Política. A desgraça de
            118 pessoas foi tratada por um tal de Putin , ex-espião
            e agora presidente da Rússia, como se de um mal menor
            se tratasse. Que me perdoe o senhor Putin, mas eu penso de maneira
            diferente. É que desde pequenos somos ensinados a que,
            se no meio de uma tragédia se conseguir salvar uma vida,
            já valeu o esforço. 
            A tragédia do submarino russo pôs muito mais a descoberto.
            A existência de muitos maquiavéis por aí.
            Que me perdoe o Nicolau mas O Príncipe já devia
            estar fora de moda. Para evitar equívocos. 
            O almirante Fuzeta da Ponte foi bem claro ao afirmar, no Jornal
            da Sic, em directo, a sua estupefacção perante
            a invocação de razões de estado para justificar
            acontecimentos nos dias de hoje. Os russos continuam a crer na
            aplicação desta instância e a pretender manter
            sigilo em tudo o que não corre assim tão bem. Resta
            saber quantos Kursk afundaram, quantas mortes houve sem que ninguém
            soubesse. Os pais das vítimas provavelmente nunca souberam
            do destino dos seus filhos. Aliás, só alguns dias
            após o desastre da semana passada é que os familiares
            das vítimas tiveram acesso à listagem dos nomes
            da tripulação do submarino.  
            Está certo que os Estados Unidos gostam de ser os "polícias
            do mundo". Também é verdade que se julgam
            os "Pais da Humanidade". Mas a frieza de Putin perante
            a possível morte de mais de cem pessoas, recusando-se
            a aceitar a ajuda de quem prontamente a concedeu, não
            lembrava a ninguém. Fazia lembrar o senhor Heichmann e
            a "banalidade do mal". Provocaria calafrios em Aristóteles,
            que pensou que o bem da pólis implicaria o bem dos cidadãos.
            Bem diz a minha amiga Mariana que "no xadrez político,
            os peões não valem tanto como os bispos ou as rainhas
            ".  |