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Opinião       


 


Fernando Madrinha

Big Brother: boçalidade e vazio

 

As regras são conhecidas: a massificação do consumo leva as empresas a determinarem os seus investimentos publicitários na TV em função das audiências, e a procura de mais audiência conduz, inevitavelmente, à degradação da qualidade dos programas. Por isso, surgem concursos abjectos como o "Big Brother", na linha de outros de natureza idêntica. Quem não se lembra do "Agora ou nunca!", onde os concorrentes se sujeitavam a todo o tipo de tropelias para ganharem umas notas à vista?
A partir daqui, já se sabe que o caminho será sempre a descer e ninguém pode dizer até onde. Mas, pondo de lado o aspecto mais repugnante da coisa, que é uma televisão "comprar" cobaias humanas para serem observadas como ratos de laboratório - seja pelo dinheiro, pela notoriedade ou por simples apelo à tentação exibicionista que a todos atinge de uma forma ou de outra e em maior ou menor grau - o "Big Brother" podia até ser um concurso interessante. Bastaria que os concorrentes seleccionados pela produção tivessem alguma coisa para dizer, alguma arte ou número especial, algo que suscitasse maior curiosidade do que a de saber até onde vai a boçalidade e o vazio mental.
Provavelmente, não seria fácil encontrar gente interessante entre os candidatos, porque é preciso ter estômago, ou uma grande necessidade, para alguém com dois dedos de testa se dispor a tal experiência. Mas, no caso do "Big Brother" português, o nível de indigência é tal, que só pode resultar de uma opção deliberada dos seleccionadores e não de simples azar quanto ao naipe dos concorrentes.

"Voyeurismo" e multidões

Sendo este o triste e aparentemente irrecusável destino das estações generalistas na área da programação - a salvação do telespectador um pouco mais exigente está na profusa e diversificada oferta do cabo, cada vez mais generalizado - pode ser forte a tentação de reagir a estas "novelas da vida real" com a própria vida real que é, como se sabe, muito mais rica do que a ficção. E, igualmente, uma garantia segura de audiências.
Daí que, no dia em que a TVI mostrou o "Big Brother", a SIC tenha respondido com um bom trabalho de investigação e reportagem sobre as misérias da saúde, a comprovar uma vez mais que a televisão é capaz do pior e do melhor. Mas "Isto é um escândalo!" foi apresentado sob a forma de campanha e com tal espavento que apareceu como assumido contraponto do espectáculo que a concorrência ia apresentar. A futilidade do "Grande lrmão" anunciado opôs-se, com o mesmo objectivo de segurar as audiências, um retrato vigoroso e cru de uma realidade que muitas vezes passa ao lado do jornalismo português e com a qual os cidadãos e os poderes públicos devem ser confrontados. Em vez da casa alegre e colorida dos concorrentes da TVI, a SIC mostrou as casas de muitos portugueses marcados por uma tristeza profunda e inapelável - homens e mulheres que não participam em concursos, mas se sentem obrigados a expor os dramas da sua existência para tentarem melhorá-la.
Tanto o exibicionismo de uns como a necessidade de outros alimenta o "voyeurismo" das multidões, o qual está na base do sucesso da televisão enquanto meio. E sendo esse o filão do negócio, é claro que vai continuar a ser explorado por todas as vias.

 

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