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Opinião       


 


Catarina Moura

Adeus Poliana

Acho que, antes de mais, tenho que vos falar da Poliana. A Poliana era uma menina pequenina que queria ser feliz. E esse desejo era tão forte que todos os dias tentava encontrar um pensamento feliz e compensar com ele as coisas tristes que lhe aconteciam. E mesmo quando os seus pais morreram, Poliana manteve a sua obsessão pela felicidade, tentando sempre ver o lado bom da vida.
Esta história inspira uma "panca" muito actual, que parece afectar cada vez mais a generalidade das pessoa: a polianite.

Na era do politicamente correcto, parece-me urgente que sejamos incorrectos. Por favor, que isto já é um caso de vida ou morte. Vida ou morte da consciência (lembram-se dela? Aquele desconforto que nos roía a alma sempre que pisávamos o risco?). A consciência já não é mais que um espectro, tal como fazem cada vez menos sentido aqueles valores básicos que um dia nortearam o ser humano...

Deixemos de fazer a apologia da felicidade. Se não nos sentirmos felizes, nem alegres, nem sequer bem dispostos, para quê fingir? As pessoas lidam cada vez pior com a infelicidade, tanto sua como alheia. Se perguntamos "como estás?" fazêmo-lo como cumprimento ou cortesia e se do outro lado nos surge um "pessimamente", ou apenas um "não muito bem" entramos logo em pânico, ficamos sem saber o que dizer e esquivamo-nos o mais rápido que conseguimos...

Vivemos num meio cada vez mais insensível, num mundo que promove o optimismo como modo exclusivo de vida, com receitas infalíveis que as revistas multiplicam ao infinito, ensinando fórmulas mágicas para encarnarmos de vez a farsa do sr feliz e do sr contente, nos enquadrarmos neste estranho projecto social e não constituirmos fardo para ninguém. Aderimos a esta campanha de insensibilização sem nos apercebermos que as cotas são demasiado altas. Neste "saber viver" social perde-se cada vez mais o indivíduo. Perdemos as tristezas individuais para nos deixarmos ir nessa ilusão da felicidade global.

Claro que com isto tudo não quero promover a infelicidade. Só quero dizer que chorar de vez em quando não tem nada de mal. E que nessas alturas ter um ombro amigo e sincero sabe ainda melhor. É que cansa ver as pessoas mudar de canal ou desviar os olhos sempre que a televisão mostra a miséria em que o resto do mundo se afunda, cansa ver que as pessoas se preocupam cada vez mais com a imagem e menos com o conteúdo. É terrível chegar ao ponto em que olhamos para uma fotografia do Sebastião Salgado e, perante o cenário de guerra e sofrimento, só conseguimos dizer "bela fotografia, repara no contraste...". Agora é assim... se os nossos amigos parecem estar bem, então é porque estão. E se não estiverem não interessa, porque se parecem estar é porque estão a atravessar uma benéfica fase de negação e vão acabar por superar o problema!

É mesmo urgente escapar a esta conspiração (ui, que exagerada...). Sejamos mesmo incorrectos. Recusemos que façam de nós Polianas!

 

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