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Opinião       


 


Luísa Branco

Bom Senso, Senso-Comum
e Ciências da Educação

Sempre me fascinou o modo como Descartes inicia o Discurso do Método: "O bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo". Dou comigo a matutar se a realidade humana mudou assim tanto desde o século XVII ou o filósofo, encerrado na sua estufa, ficou com uma percepção toldada dos seus semelhantes?! Mais arguto é o velho Platão, ao comparar a natureza humana, quando falha de educação, à existência numa tenebrosa caverna subterrânea. Apesar de prisioneiros entre sombras e imagens, fugidias e falsas, os seus habitantes digladiam-se entre si, exibindo os seus conhecimentos errados, em busca de honrarias e prestígio.

Que não deixámos a caverna é certo e sabido, basta carregar no botão da televisão. A propósito de tudo e de nada, o cidadão comum é convidado a dar a sua opinião, o que normalmente faz, sem pestanejar e com toda a satisfação. Anunciada com um "Ai eu cá acho que" ou finalizada com "Para mim, a minha opinião", sai no intervalo, na maior parte das vezes, uma bojarda eivada do mais incongruente e grosseiro senso-comum. E triste de quem não entra neste jogo, nesta feira das vaidades, que se arrisca a ser apelidado de apático, amorfo, indiferente, em suma, um palerma, mas disso também já falava o Platão na citada alegoria.

Todo este arrazoado para chegar à questão das Ciências da Educação. As Ciências da Educação, cujo nascimento intelectual e institucional remonta a 1833, data em que foi criada a correspondente cátedra na Sorbonne, tiveram um destino singular no panorama científico. Exaltadas por uns, para quem vão salvar o ensino, são malditas por outros, que lhes atribuem os males do sistema de ensino, a crise da nação, a decadência das novas gerações, logo, da Humanidade. Este debate apaixonado, iniciado há uns largos anos no meio académico, onde as posições se extremaram, passou agora para o domínio do senso-comum. Neste início de ano lectivo, já são vários os pais que, em conversa comigo, me têm confidenciado a sua desilusão com o funcionamento do sistema educativo. Queixam-se da falta da autoridade dos professores (o problema da autoridade não se limita ao ensino, embora considere que é, neste domínio, muito grave), da extensão exagerada dos currículos, da constituição de turmas demasiado numerosas (35 alunos, terei ouvido bem?!), de horários das 8,30 às 17 h, com vários "furos" de permeio. Entre as razões apontadas, e surpreendentemente para mim, começa a figurar a profusão de licenciaturas em Ensino, e a carga que nestas têm as cadeiras pedagógicas. Evidentemente estes pais têm razão para estar preocupados. Não têm razão é em deitar as culpas para cima das Ciências da Educação!

A Educação é um domínio extremamente complexo, cuja compreensão faz apelo a conhecimentos filosóficos e científicos e cuja exequibilidade exige opções políticas, decisões práticas e uma dose muito razoável de bom senso. A falta de bom senso é que é responsável pelos dislates cometidos e não as Ciências da Educação. É minha convicção que só com o aprofundamento dos conhecimentos nesta área e com a sua devida articulação e reflexão (e não com as caricaturas grosseiras que infelizmente têm enformado as políticas educativas) se poderá efectivamente mudar para melhor o sistema educativo em Portugal. Mas para tudo isto é preciso bom senso que, ao contrário do que defendia o filósofo, não é, certamente, a coisa mais bem distribuída do mundo.

*Departamento de Ciências da Educação, UBI

 

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