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Edmundo Cordeiro

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"Noites" é um filme cheio de uma grande vontade de real. Não é aí que está o problema. Só que, para além disso, quer mostrar o real. Aí sim, aí o filme dá-se a ver como projecto e, inevitavelmente, falha. (Se bem que as duas coisas sejam uma só no filme.) Não há nenhuma câmara que consiga ver o real. Por conseguinte, o real não pode ser mostrado. Esse é o primeiro dado. Consciente disso, Cláudia Tomaz quis implicar o seu corpo. É a sua ética.
Mas, mesmo assim, só o filme é real - e não as imagens sobredeterminadas de Cláudia Tomaz drogando-se e procurando agir e sentir como os drogados. O filme é mesmo mais real que o que "mostra". Ainda que a implicação do corpo possa e deva ser necessária, ainda que possa ser necessária para fazer cinema, não se faz cinema com isso. Invocar uma santa ingenuidade, ou uma ética, não livra o autor do peso de fazer um filme nem o expectador do peso de ver um filme. Ainda que o autor, pessoalmente, aceda a um conhecimento, não basta viver, e muito menos "mostrar" como se vive ou se pode viver para que o que se mostra seja real. Claudia Tomaz filmou a predisposição dos corpos (do seu corpo, da luz que a sua pele recebe, das linhas que o seu movimento próprio desenha) para a câmara: é o real do seu filme.

 

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