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             Completada a
            estação tonta, sacudida a areia das praias, caídas
            as primeiras folhas, retiradas, enfim, as roupas de inverno,
            regressa-se à seriedade dos grandes temas estruturantes,
            os que não nos deixam margem para respirarmos nem dormirmos
            sossegados. Esta minha primeira crónica inaugura o Livre
            Exame onde se observam à lupa, sem outra encomenda que
            não seja a da consciência, temas candentes que fazem
            a actualidade, como dizem os jornalistas.  Escolhi  alguns assuntos
            de grande fôlego: a ) o meu regresso ao jornalismo; b)
            a permanência do Zé Maria no BB (Big Brother); c)
            a entrevista alucinante de Francisco Pimentel e d) a descoberta
            de um livro perdido.  
            Comecemos por
            A: o meu regresso ao jornalismo.  Quando vim para a Ubi, releguei
            para o (fundo) baú da minha história pessoal o
            meu compromisso com os ofícios jornalísticos, em
            qualquer outra vertente que não fosse o ensino dos mesmos.
             Porém, os Deuses não me deixaram sossegado e manifestaram-se
            através da inquietação de António
            Fidalgo,  um fenomenólogo da Escola Alemã que se
            dedica apaixonadamente aos computadores e à Comunicação,
            e que arrasta num turbilhão frenético tudo quanto
            se move nas proximidades. "Você vai ser director-adjunto
            do URBI." À mistura com uma paixoneta mal reprimida,
            a crença profética do meu interpelante nas virtualidades
            do jornalismo On-line deixou-me pregado no chão, atado
            à impossibilidade de dizer que não.  Tudo farei
             para que se arrependa da nomeação: farei crónicas
            incompreensíveis, criticarei as instituições
            sagradas, lançarei, com o auxílio da minha pena,
             bombas nos corredores desta instituição vestuta.
            Aqui está o primeiro contributo. 
            B: A permanência
            do Zé Maria. Os alunos da Disciplina que mais gosto de
            ensinar - Sociedade e Comunicação - lembram-se
            com certeza dos meus devaneios adornianos.  Pois, há novidade:
            deixei de lado esse filão. O Zé Maria é,
            agora, o meu referencial cultural. Fora com a Dialéctica
            do Iluminismo. Já não sou um intelectual elitista.
            Agora misturo-me com o povão, no meio do Telmo, do Marco,
            da Susana, da Célia. O meu coração chora,
            dilacerado, pela expulsão precoce da Riquita. Deitemos
            fora os livros, os poemas, os filósofos, o bom gosto,
            a contemplação estética, a sabedortia acumulada.
            O mundo gira  à volta do Zé (permite-me que te
            trate assim, meu Grande Irmão popular e democrata, meu
            compincha) e da sua relação com as galinhas. Descobriu-se
            (ó descoberta gloriosa) que numa parede desta universidade
             já se dependuraram cartazes de apoio ao Zé Maria.
            Mesmo nestes locais poeirentos, onde se insiste em preservar
            o nefasto vírus elitista responsável por séculos
            de civilização e cultura (xô, suas vacas
            sagradas), já penetra a boa nova. Gobbels quando ouvia
            falar de cultura puxava de uma pistola. Finalmente, os Gobbels
            deste mundo democratizaram-se e ganharam modos. Para quê
            queimar livros quando basta fazer arder os miolos? Para quê
            tanto esforço quando basta uma televisão? 
            C:  A entrevista
            de Francisco Pimentel. Nesta minha regressada incursão
            no espaço público, defronto-me com uma inspirada
            entrevista do Advogado Francisco Pimentel, onde são postas
            em causa algumas das incontroversas excelências da nossa
            autarquia.  Em três penadas diz o ex-deputado do PSD: 
            a Câmara faz obra, mas não tem projecto de qualificação
            para cidade nem estratégia de liderança regional
            para a Covilhã.  Da entrevista resultam várias
            coisas: a minha crença na infalibilidade presidencial
            é sériamente abalada. Em segundo lugar, a unanimidade
            da maioria sofre um abanão, ainda mais acentuado pelo
            recente bater com a porta por parte de um brilhantíssimo
            acessor que fez parte do seu percurso nos corredores desta casa.
            Finalmente, a oposição surge em todo o seu esplendor:
            com os restantes partidos afastados dos jornais, incapaz de mobilizar
            causas, a oposição política ao PSD resume-se
            ao interior do próprio PSD. De fora só resta a
            continuação agonizante de sucessivos remakes do
            filme "Não acordem o Rato Adormecido". Pegando
            na deixa, a Comissão Política do PSD tratou, porém,
            Pimentel como uma espécie de dissidente irresponsável.
            O que poderia ser uma demonstração de um saudável
            debate de ideias foi transformado numa afronta ao líder.
            É caso para perguntar : onde terão eles adquirido
            tamanha dose de subtileza? 
            d) Fui a um Hipermercado
            e defrontei-me com um boa edição encadernada de
            "Tom Jones" de Henry Fielding, ao preço da chuva.
             O livro tinha um pequeno rasgão na tela da capa, praticamente
            invisível. Perguntei se havia outro.  O responsável
            da loja que me atendeu desfez-se em desculpas por causa do rasgão
            e sugeriu-me que trocasse o livro por outro, com encadernação
            ainda mais vistosa, e sem rasgão.  "E até
            mais barato.", dizia o zeloso funcionário indiferente
            ao facto de a obra ser outra, por sinal, um pastelão de
            um best-seller da literatura de galinheira.  Porém, a
            capa era mais bonita e o funcionário até comentava
            como era possível  que o outro livro,  mais velho e menos
            vistoso, podia ser mais caro.   
            Percebi tudo: todos os dias, Irmão Zé Maria, te
            encontro, a espreitar por de cima das cabeças luminosas
            dos políticos, celebrado na voz maviosa dos cantores pimba,
            espreitando no interior dos best selers dos hipermercados ao
            pé da Célia e do Marco. Zé, tu és
            o nosso símbolo nacional. 
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