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Leitura

por Edmundo Cordeiro

O que é um rosto entregue à leitura? O que é um livro que encontramos aberto sobre a mesa? São imagens originárias da leitura, imagens que contêm toda a experiência e todo o conteúdo possíveis da leitura. Pura entrega e chamamento.

Nenhuma experiência efectiva de leitura se pode ter na base de uma memorização esforçada dos textos, nem na base de um esforço de compreensão e registo. Essa leitura está determinada pela utilidade. É duvidoso que esta forma de leitura garanta alguma coisa, em todo o caso não garante o essencial: o acto psicológico original da leitura. Este acto só a solidão o pode garantir, e por seu intermédio e pelo seu próprio pé, por si próprio, pode aquele que lê sair de si e seguir a "instigação" de outrem.

Longe desta leitura estão tanto a procura da "verdade que se obtém com cartas de recomendação" como o "ler para ler, ler para reter o que se leu"… E ainda o perigo mortal da leitura: a total substituição da vida pessoal, a total substituição do que a vida tem de próprio em cada um… (É preciso não esquecer que este é um perigo em que os muitos não incorrem. É preciso não esquecer? Esqueçamos.)

O fundamental num livro não são os "pensamentos", é a escolha das palavras que lhes dão forma… Essa escolha é o estilo, génio da escrita e da leitura. Só o estilo actua e instiga e faz de um ponto de chegada não uma "conclusão", mas uma "instigação".

(Convidados: Maria Filomena Molder e Marcel Proust)

 

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