| O super boy 1.	À beira
            de eleições antecipadas, com os partidos a degladiarem-se
            por dentro e por fora,  em face de sinais claros que antecipam
            a necessidade de novas agendas e novas políticas, Portugal
            ajoelha-se perante o triunfo do irmãozão e rebola-se
            de gozo com  as picardias com que Vilarinho e Vale de Azevedo
            pretenderam demonstrar aos Benfiquistas, aos Portugueses e ao
            Mundo (por esta ordem) que cada um deles era o verdadeiro benficão
            e o outro não passava de benfiquinha. 2.	Que as cortinas
            do pudor desçam sobre a cena cruel: enquadrado pelo quadrado
            do écrã, o Doutor Manuel Vilarinho empunhava um
            cartaz onde se lia preto no branco a palavra: mentira. Vale valia-se
            de uma pose estatal para fazer de conta que era gente naquele
            encontro de animais da bola. Porém, a situação
            encontarava-se ao nível dos serviços de água
            e saneamento.  As águias voavam sobre o esgoto. 3.	No meio da
            tremenda contenda de benficões desavindos, importa analisar
            o papel das novas máquinas de guerra : as televisões.
            Quem leu 1984 de Orwell tem acesso a dois conhecimentos fundamentais:
            a origem da expressão Big Brother (quem me dera ser professor
            de bigbradologia); e o que significa a teletela. A teletela é
            uma espécie de televisão bidireccional com o o
            recurso à qual o Big Brother espreitava a intimidade de
            cada um.  Por outro lado, tinha uma missão essencial :
            desinformar.  Do interior da maquineta saíam frases como
            "guerra é paz e paz é guerra" ou  "o
            inimigo de hoje é o aliado de amanhã".  Com
            o recurso a esta linguagem ritualizada e dúplice (analizada
            por Marcuse em O Homem Unidmensional) pretendia-se convencer
             os destinatários que uma coisa que era podia deixar de
            o ser e passar a ser uma coisa completamente diferente, bastando
            para tal que o Grande Irmão assim o dissesse.  Dizem alguns que as televisões de hoje inverteram o esquema
            bidirecional da teletela uma vez que nós é que
            vigiamos os habitantes da casa e não o inverso.  Mas é
            mentira.  O que acontece quando olhamos o Big Brother é
            que vigiamos a nossa própria canalhice, vulgaridade e
            ignorância.  Vigiando o Marco, o Zé Maria, o Telmo,
            a stripper recém chegada e cª zelamos  para que neste
            país não medre a inteligência, a competição
            pela qualidade, o esforço intelectual e outras actividades
            elitistas.
 Zé Eduardo Moniz  triunfou na pele de grande educador,
            perdão, Grande Programador. Emídio Rangel corre
            o risco de ser expulso da casa, graças à força
            dos ventos que ele próprio soltou.
 Para já, quem foi expulso  do bairro habitacional do pais
            do Grande Irmão foi Vale Azevedo. As novas teletelas alinharam
            de modo tão evidente por cada um dos candidatos, que a
            velha RTP, sábia e pecaminosa, quase parecia uma  virgem
            de sãos costumes ao pé da forma como as suas congéneres
            se lançaram ciosas nos braços de cada um dos candidatos
            a Presidente do Benfica.
 4.	Quando António
            Guterres assobiou a frase sibilina "no jobs for the boys"
            procurava estabelecer limites à sofreguidão ansiosa
            dos homens do aparelho.   A política está cheia
            de boys: carregadores de piano - ou seja, rapazes obedientes
            e incumbidos das tarefas pesadas - carreiristas que trocam o
            amen solícito por um lugar ao sol na Função
            Pública, homens do aparelho a quem incumbe zelar pela
            ortodoxia e pela pureza dos dogmas em especial contra a instabilidade
            perigosa dos que ousam defender o direito da palavra livre. Os
            boys não pensam, aplaudem o pensamento do líder.
            Não tem paixões, só interesses.  Não
            agem, obedecem.  Não dependem do seu próprio valor.
            Estão dependentes do brilho do chefe.  O boy conhece como
            ninguém os degraus da escala hierárquica. Por isso,
            esfrega bem acada patamar até obter licença para
            ascender ao degrau superior.  O que Guterres queria dizer  -
              conciente das limitações que a realpolitik coloca
            - é que os Partidos, os Governos e os Estados têm
            cada vez mais de se defender dos enquistamentos que estes homens
            do aparelho produzem. Eles sufocam Governos, autarquias, partidos,
            movimentos sociais.. Onde os boys proliferam escasseia o conhecimento.
             As elites - ou sejam os quadros responsáveis pela produção
            do  do saber e da cultura - não se dão bem com
            a aparelhite ciosa.   Os boys, por seu lado,  desconfiam da inteligência,
            porque esta é imprevisível. Talvez por isso, um
            dos primeiros sinais de aproximação de um Outono
            Político seja o enquistamento em volta dos rapazes de
            confiança e no consequente afastamento dos quadros representativos
            da sociedade civil.  5.	Os últimos
            desenvolvimentos políticos regionais nomeadamente na Covilha,
             surpreendem  o mais desatento. Quando se acreditava que a cidadela
            do poder estava de pedra, surgem sinais  de tibiezas internas.
             Quem pensa demite-se  ou é demitido.  Quem fala da necessidade
            de planeamento é acusado desdenhosamente de usar um tom
            professoral e sorumbático. Os que que sugerem o regresso
            da política são acusados de irresponsáveis.
             A classe política dirigente navega à vista, crente
            nas potencialidades eleitorais do betão. A única
            massa cinzenta que medra é o cimento. Se a capacidade
            de execução e a realização de obra
            são louváveis, é altura de olhar para o
            resto: lutar pela  liderança regional sem provincianismos
            nem complexos de inferioridade. Apontar objectivos estratégicos
            independentes de pequenitos critérios eleiçoeiros.
             Hoje está provado:  quem se rodeia de boys servis e se
            escandaliza perante a dissidência não é um
            verdadeiro líder.  Cedo ou tarde, seca, esmagado ao peso
            dos rapazes de confiança, tolhido, pelo medo do risco,
            ameaçado pela incapacidade de ousar.  Em vez de um político,
            será, ele próprio, uma espécie de superboy.
             Mal avisado anda quem supõe que os Impérios duram
            mil anos.  Afinal,  como diria Karl Marx, tudo o que é
            sólido se dissolve no ar.  6.	A descrição
            do ritual do "esterco", como algém baptizou
            a realização da parada dos caloiros fez-me concordar
            com  algumas opiniões dos  movimentos anti-praxe. A observação
            particularmente dramática de uma caloira cheia de frio,
            suja, degradada e coberta de farinha e ovo que se declarava feliz
            por ali estar por amor à camisola,  fez-me lembrar que
             um dos principais objectivos dos torcinários é
            conseguirem ser amados pelas suas vítimas. Felizmente,
            parece que  a face mais perversa já foi perdendo alguma
            força. Ainda me lembro quando era difícil denúnciar
            sevícias graças a  teias de cumplicidades e compromissos.
Admito sem hesitação que haja praxes divertidas,
            integradouras e capazes de ajudarem a socializar. Porém,
            a  maior parte delas parecem assentar na lógica da sensação
            de força que resulta da humilhação do mais
            fraco.
 7.	Para consolo
            meu, uma livraria e algumas editoras lembraram-se de encher o
            grande salão dos Bombeiros Voluntários  com quatro
            toneladas de livros  e   vendê-los a 1500$00 o kilo como
            se fossem maçãs, laranjas, massa ou qualquer outro
            comestível.  Apeteceu-me pedir ao vendedor: "dê-me
            três contos de boas ideias." Oferecia-as à
            autarquia e, de um modo geral, à classe política
             covilhanense como forma de os fazer lembrar que existem outras
            fontes de financiamento além dos bancos. De qualquer forma,
            bibliófilo fanático, soube-me bem calcorrear corredores
            rodeados de clássicos da literatura, boa e menos boa.
             E ver famílias inteiras passearem com os miúdos
            a contemplarem as folhas dos livros e a trocarem informações:
            "Ali está o Pessoa. Ali está o primeiro volume
            do Conde de Monte Cristo." "Leva esta molhada de Júlio
            Verne" - dizia enfática a senhora ao marido como
            se estivesse no hipermercado e o mandasse ir a comprar uma molhada
            de couves. E com as quinhentas gramas de fantasia seguiram muito
            contentes como se tivessem adquirido o bem mais precioso das
            vidas deles.  Graças a esta feira, esqueci-me do Irmão,
            dos Boys, das eleições nos clubes e de outros temas
            estruturantes. Para sossego da minha alma.  Mas como diz Camus,
            a peste volta sempre.     |