| Porque as cidades
        são eternas
 António
        Soares
 Vulgar cidadão da Covilhã,
        habitualmente pouco interventivo a nível local, permito-me
        comentar o artigo "Para uma Covilhã universitária".
        assinado por António Fidalgo no NC de 20 de Outubro. Julgo-me
        um observador suficientemente imparcial para rejeitar qualquer
        forma de bairrismo desajustado no tempo, e ter por horizonte
        um espaço bem para lá do campanário da minha
        terra. Mas para que não se fique pelo - "a terra
        é boa e os habitantes são parvos", como no
        relatório do Inquisidor a que faz referência Herculano,
        julgo oportuno colocar algumas questões, sobre o relacionamento
        Universidade-Covilhã.No artigo citado o autor parte de um pressuposto que hoje é
        totalmente consensual: a instalação na Covilhã
        da Universidade da Beira Interior foi um grande acontecimento
        a nível local e regional e o "timming" da sua
        implementação, veio a revelar-se providencial e
        decisivo para evitar um perigoso resvalamento da economia do
        interland, face ao descalabro que entretanto se abateu sobre
        a sua indústria têxtil. Até aqui estamos
        de acordo. Mas também é a partir daqui que a matéria
        factual passa, no texto do autor, a dar lugar a alguma especulação,
        embora de ordem meramente opinativa, e que em si mesmo é
        de saudar, mas que, na minha modesta opinião, peca por
        aparentemente estar enformada da auto-suficiência majestática,
        daqueles que julgam ter argumentos para falar com os outros de
        cima para baixo.
 Ali pode ler-se a afirmação de que a Universidade
        foi uma benção para a Covilhã, mas simultaneamente
        coloca-se a pergunta, se a cidade será merecedora da tal
        "benção". Porquê? Porque, no entender
        do autor, é escasso ou inexistente o retorno que esta
        transmite à Universidade, em termos de apoio económico
        oferta cultural, acessibilidades, etc. Subliminarmente, vem,
        então a questão de fundo: a equação
        sobre se outras cidades vizinhas (as do costume) não estariam
        melhor posicionadas para terem sido hospedeiras da UBI, ou seja,
        e explicitamente, se a sua instalação na Covilhã
        teria sido uma questão de mérito, ou de mera sorte.
 Vem suportar este raciocínio um chamativo "lead"
        onde, parafraseando a frase de John F. Kennedy se coloca a questão
        "(...) pode-se perguntar não o que a UBI tem a dar
        à Covilhã, mas o que a Covilhã tem a dar
        à UBI (...)" Numa leitura apressada até parece
        que estará bem posta a alternativa. Mas, como diz a 2ª
        Lei de Murphy, se tudo parece bem é porque nos esquecemos
        de alguma coisa...
 Com o devido respeito pela opinião alheia, e arriscando-me
        a protagonizar aqui o papel do pobre e mal agradecido, parece-me
        que a questão nestes termos, resulta demasiado redutora.
        É um enfoque monocular do problema e a Natureza deu-nos
        dois olhos justamente para termos visão em profundidade.
 Outros, com maior responsabilidade, poderiam, e deveriam vir
        explicar ao articulista, que a UBI não está na
        Covilhã por mera sorte ou compadrio político, mas
        sim por razões de estratégia económica e
        social suficientemente poderosas, que certamente foram exaustivamente
        equacionadas na altura. Fico-me apenas por expressar a minha
        sensibilidade perante o assunto, não só para introduzir
        algum contraditório neste conjunto de questões,
        que me parece estarem a constituir-se localmente numa certa forma
        de "pensamento único": a reverência acrítica
        perante o magnificente ícone Universidade.
 Situemo-nos. Uma Universidade é antes de mais uma grande
        empresa. Como tal, movimenta muitos milhões, como qualquer
        outra grande empresa de idêntica dimensão. Em termos
        muitos gerais, pode dizer-se que o impacto económico positivo
        gerado na sua zona de implantação - a tal "benção"
        a que se refere António Fidalgo - é potencialmente
        idêntico, quer se trate de uma empresa de prestação
        de serviços formativos, como é o caso, de uma fábrica
        de automóveis, de uma qualquer disneylandia, de uma unidade
        militar etc. Independentemente daquilo que a montante faz acelerar
        a economia, os balcões de bancos, hotéis, restaurantes
        e discotecas, hipermercados etc., aparecerão de imediato
        por reflexo condicionado, paralelamente ao aumento da circulação
        de dinheiro, à especulação no imobiliário
        etc,. Como não conheço qualquer estudo projectivo
        do que poderia vir, ou não vir, a hipoteticamente ocupar
        na economia da zona o lugar hoje aqui é ocupado pela universidade,
        no mínimo terá que admitir-se que a unidade de
        ensino se foi uma "benção, poderia haver outras
        bênçãos possíveis. As cidades são
        eternas. Como os diamantes.
 Mas obviamente uma universidade é, terá que ser,
        pela sua própria especificidade, muito mais do que uma
        grande empresa. E uma universidade implantada numa região
        do interior menos desenvolvido, ainda mais. A sua vocação,
        para além de fornecer formação de nível
        elevado, deverá ser também a de potenciar a criação
        de sinergias regionais que venham a contribuir decisivamente
        para que ali se criem, induzidas através do saber transmitido
        e da investigação, grandes e dinâmicos pólos
        de excelência. Coimbra, por exemplo, é hoje um grande
        centro de excelência na área da saúde, devido
        ao saber ali concentrado e às sinergias geradas a partir
        da sua centenária Universidade. Infelizmente teremos que
        reconhecer que a universidade de Coimbra é uma excepção
        no panorama nacional universitário.
 É por isso que alguns, como eu, terão, em vão,
        esperado que a UBI, nos seus primeiros tempos uma universidade
        virada para o sector têxtil, viesse a trazer um novo fôlego
        aos têxteis de lã, motivando a fixação
        de novas empresas e empresários, desenvolvendo métodos
        e técnicas que, valorizando o potencial da mão
        da obra residente e de excelente qualidade, com um saber de experiência
        feito ao longo de gerações, tornassem igualmente
        rentável e atractiva uma actividade industrial agora reconvertida
        tecnologicamente. Aquilo que se pode designar genericamente como
        Indústria de Lanifícios desde sempre, e nos seus
        momentos mais áureos, esteve ligada ao factor qualidade;
        começou em rápido declínio quando, por erro
        de planeamento estratégico de muitos, passou a ter predominantemente
        uma cultura de quantidade e de produções massificantes,
        que a conduziu e continuará a conduzir, a prazo, ao desaparecimento.
 Um alto responsável político local, colocado perante
        esta factualidade histórica, respondia-me confiante, com
        um argumento puramente tecnocrático: - "Actualmente
        na Covilhã, em comparação com aqueles anos
        em que existiam por aqui mais de 200 fábricas, produz-se
        mais metros de tecido e o valor de facturação é
        amplamente superior". É verdade. A diferença
        está em que nesses tempos a designação "Tecidos
        da Covilhã" tinha significado em qualquer parte do
        país e não só. E hoje ?... Com este tipo
        de raciocínio o "small is beautiful" teria forçosamente
        que passar-nos ao lado. Por analogia, a região de Champanhe
        já estaria hoje a exportar também água-pé
        e refrigerantes para o mundo.
 Culpa da Universidade ? Não só, mas também.
        Mais por omissão do que por acção. Tenhamos
        a humildade de reconhecer que a UBI, como tantas outras universidades
        por esse país, estão transformadas em fábricas
        de licenciados. Dificilmente encontraremos uma referência
        nos media a um produto de investigação com aplicação
        relevante numa indústria localizada nas suas áreas.
        O que se lê sobre as universidades, não vai muito
        para lá dos números sobre valor de investimentos,
        níveis de frequência, festas académicas,
        colóquios, seminários etc, quando não é
        que um aluno portador de uma média de 4,6 valores lhes
        consegue franquear as portas para frequentar um curso de engenharia
        geotécnica.
 Voltando à questão inicial, ao tal deve-haver sobre
        "quem-tem-que-dar-o-quê-a-quem", sinto-me tentado
        a dizer que tanto a Covilhã como a Universidade já
        se deram mutuamente muitas e importantes coisas, mas certamente
        muitas outras ainda poderão e deverão dar-se. Com
        empenho, com compreensão. Com crítica também,
        sempre que se justifique.
 Curiosamente o local onde hoje está instalado o polo principal
        da UBI, tem um simbolismo próprio que em regra não
        vejo ser referido. Ao que me recordo de ter lido, no alvará
        régio que criava na Covilhã a então chamada
        Real Fábrica dos Panos, dizia-se que os edifícios
        desta, deveriam ser construídos aproveitando as pedras
        dos muros caídos na cidade. Digamos que há uma
        espécie de destino histórico pendente sobre a Universidade
        da Covilhã: tal como a Fenix da mitologia, erguer, a partir
        dos muros caídos, os edifícios que enfrentarão
        os amanhãs.
 |