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Opinião      


 


Paulo Serra

Cosmopolitas e locais

Sendo as organizações essencialmente constituídas por pessoas, a orientação que tais organizações assumem dependerá, obviamente, da forma como as pessoas que as constituem concebam e desempenhem o seu papel nessas organizações. Ora, segundo Alvin Gouldner, é possível distinguir em qualquer organização duas formas de conceber e desempenhar tal papel: a dos "cosmopolitas" e a dos "locais". Enquanto os primeiros se situam nas organizações como "profissionais", tomando como ponto de referência da sua actividade o desempenho numa profissão que é de âmbito nacional e mesmo internacional, já os segundos se situam nas organizações como "burocratas", tomando como ponto de referência da sua actividade a carreira na organização concreta a que pertencem.
Em termos da orientação da organização, a distinção de Gouldner tem pelo menos as seguintes consequências fundamentais: enquanto os "cosmopolitas" se preocupam com a afirmação da organização ao nível global (nacional e mesmo internacional), os "locais" preocupam-se com a afirmação da organização no contexto local (e regional); enquanto os "cosmopolitas" tendem a encarar a organização como um sistema aberto e interdependente, os "locais" tendem a encarar a organização como um sistema fechado e auto-suficiente; enquanto os "cosmopolitas" concebem a sobrevivência da organização em termos de uma adaptação flexível a uma ecologia social cada vez mais incerta, os "locais" concebem a sobrevivência da organização em termos de um funcionamento rígido submetido a regras mais ou menos inflexíveis.
O dilema das organizações não reside em eliminar uma ou outra destas perspectivas - já que elas não podem deixar de coexistir (e confrontar-se) em qualquer organização. O dilema reside sim em saber a qual delas deverão as organizações dar a predominância (e o "poder"). Ora, num mundo como o nosso, em que as mutações são permanentes, cada vez mais rápidas e de alcance cada vez mais amplo, a predominância dos "locais" sobre os "cosmopolitas", dos "burocratas" sobre os "profissionais" parece representar, para qualquer organização, um suicídio mais ou menos anunciado.
Não ver isto é, como diz o povo, "chover no molhado". Com o resultado caricato de os S. Pedros das organizações demasiado "localizadas" e "burocratizadas" serem, afinal de contas, os primeiros a afogar-se.

 

 

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