Crianças regressam ao século XIX na linha da Beira Baixa
"Uma seca de viagem"

Os alunos da Escola do Rodrigo viajaram na linha do século XIX e criticaram a demora. Vozes de criança que se vão ouvir no ministério responsável

 Por Rita Lopes
NC/Urbi et Orbi

Numa iniciativa inédita, 60 alunos da Escola do Rodrigo puderam constatar a detioração da linha da Beira Baixa

Cerca de 60 alunos da Escola do Rodrigo participaram, na passada sexta-feira, 12, numa viagem cultural que os transportou ao século XIX. O tempo dos bisavós foi revivido no percurso da Covilhã à Guarda numa automotora que, à velocidade de 30 a 40 quilómetros por hora, trilha uma linha de 1892. "Pouca terra, pouca terra" é o andamento da Linha da Beira Baixa que demora uma hora e quarenta minutos para juntar duas cidades que distam, apenas, 40 quilómetros. Realidades observadas e sentidas pelas crianças dos 2º, 3º e 4º anos que, ao chegar à Gare guardense, já se sentiam cansadas e tristes com o meio de transporte. "Os comboios andam muito devagar, já nos estamos a fartar. É uma seca de viagem, bom de ver só a paisagem. Queremos um futuro bem melhor, esta linha é do pior". Frases de uma música rap criada e cantada pela Carolina Lobo, do 4º ano.
"Deviam arranjar esta linha, porque está muito velhinha e feia. Queremos um comboio novo, que ande mais depressa e seja mais confortável", diz André Pedro, de 8 anos. Uma opinião partilhada também pela Ana Margarida, do 4ºano: "A viagem é muito bonita, mas cansa muito, é uma seca".
Cinco docentes acompanharam as crianças numa viagem que deu para tudo. Ler, desenhar, cantar, brincar e comer foram as actividades realizadas ao longo de um percurso feito a três velocidades: devagar, devagarinho e parado.
Carma Maria, docente, salienta a importância da iniciativa, uma vez que "permite que as crianças tenham uma oportunidade de intervir criticamente, observando uma realidade que os transporta a muitos anos atrás". Convidadas pela Câmara Municipal, as docentes aderiram para que "se pudesse mostrar como é que no ano 2001 ainda é possível haver linhas de ferro neste estado e comboios que oferecem tão poucas condições", explica Margarida Barreiros, docente dos 3º e 4º anos. Contudo, a mesma refere que "cabe-nos a nós, nas escolas, fazê-los ver este problema. Temos de dar exemplos, passar filmes que mostrem outras linhas mais modernas e com mais condições para que eles possam fazer uma comparação".

Uma aula de história ao vivo

Esta foi a primeira viagem da acção "Regresso ao Passado" que a autarquia pretende levar a cabo, de 15 em 15 dias, até abranger todas as escolas do concelho. Maria do Rosário Pinto da Rocha, vereadora com o pelouro da Cultura na Câmara da Covilhã, salienta que "todas as crianças, mesmo das freguesias mais longínquas, vão ter oportunidade de ter esta lição de história ao vivo". O objectivo é, segundo a autarca, "que estes homens e mulheres de amanhã vejam o que faz falta e que sejam eles próprios a dizer o que querem para o futuro no nosso concelho".
Carlos Pinto, presidente da edilidade, que apenas fez a viagem de regresso, vai mais longe nas suas pretensões. Para o autarca duas finalidades estão em causa nestas viagens: "mostrar às crianças o que foi a construção da linha há 100 anos, porque de facto o que existe novo é uma carruagem mais recente e mesmo assim é dos anos 40, e mostrar como o Governo vai mal quando tem um calendário que provavelmente nem daqui a 10 anos possibilita que esta linha seja mudada". O edil considera que "ninguém pode ficar insensível e indiferente ao apelo que estas crianças fazem ao circular a 25/30 quilómetros à hora, quando ouvem falar no TGV e nas altas velocidades".
Alertar o poder central para a situação precária que se vive na Linha da Beira Baixa, sobretudo neste percurso, é prioritário para Carlos Pinto. "Temos aqui um caso de infra-estrutura que se constitui como um obstáculo ao desenvolvimento da Covilhã e da Guarda. Precisamos de uma linha estratégica que possibilite as entradas vindas da Europa com mais fluídez para o Sul e Vale do Tejo", sublinha.
Para que o Governo "remodele as suas intenções para esta zona", a autarquia distribuiu aos alunos postais para eles escreverem o que viram e sentiram ao viajar "na situação mais degradada dos Caminhos de Ferro do País". O Ministro do Estado e Equipamento Social, Jorge Coelho é o destinatário. "É bom que o ministro saiba o que pensam as novas gerações sobre o que existe e o que não está a ser feito pelo executivo nesta região", salienta Carlos Pinto. Contudo, as próprias crianças referiram-se ao responsável na música que criaram: "A nossa viagem de automotora, nesta linha é uma autêntica tortura. Ó senhor Ministro venha-nos socorrer, esta viagem é de morrer".

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