Entrevista a José António Pinho
"A neve é o ouro da Serra"

O presidente da Federação Portuguesa de Esqui alerta para a necessidade de um plano estratégico para o turismo na Estrela. Avança ideias e propõe alternativas. Só assim, acredita, "se pode tirar o máximo partido das potencialidades da Serra".

 Por Alexandre S. Silva
NC/Urbi et Orbi

 

Pinho é apologista da abertura de novas pistas de esqui no maciço central

Notícias da Covilhã - Os acessos à Torre, muitas vezes cortados devido ao mau tempo, têm afectado as actividades da Federação Portuguesa de Esqui (FPE)?
José António Pinto -
São situações inevitáveis que são resolvidas atempadamente pelo Centro de Limpeza de Neves que está bem chefiado e que, para os meios humanos que possui, trabalha muito bem.
Quanto às condições climatéricas não há nada a fazer para as evitar. A nossa Serra é um sítio muito complicado porque termina num planalto sem protecção natural contra as intempéries. Estamos muito próximos do mar, esta é uma zona muito ventosa e a neve não cai na vertical. Às vezes parece que nasce do próprio chão. De qualquer modo, quando o tempo melhora, as pistas têm estado povoadas de turistas.

NC - A Serra da Estrela oferece condições únicas de turismo no País. Estão a ser bem aproveitadas?
J.A.P. -
Estão a ser aproveitadas na medida das possibilidades existentes. Os vários municípios que tutelam o território da Serra começam a perceber a potencialidade turística e estão a apetrechar-se para o futuro.
Manteigas e Seia, por exemplo, já têm projectos para pistas de neve sintéticas, o que permite a prática de esqui e outras modalidades durante todo o ano. A rede hoteleira em redor é de boa qualidade. Por isso, não é por causa da oferta de infra-estruturas de qualidade que as pessoas não virão.

NC - O que falta então?
J.A.P. -
Faltam guias profissionais para acompanhar pessoas pela Serra. Faltam mais percursos pedestres sinalizados, para que as pessoas possam passear com segurança e muitas outras coisas.

NC - A Federação está a fazer algo para colmatar essas lacunas?
J.A.P. -
Isto não é só um problema da Federação.
Temos que melhorar a coordenação entre todas as entidades que tutelam as várias vertentes da Serra da Estrela: as três câmaras municipais, o Parque Natural, a Região de Turismo os hotéis, entre outros. Devia haver uma cooperação entre todas estas instituições para maximizar as potencialidades da Serra. Porque a neve é ouro que aqui temos e que não está a ser totalmente bem explorado.

NC - Qual seria a instituição responsável por essa coordenação?
J.A.P. -
Não é necessário criar mais nenhum organismo, nem delegar num dos já existentes essa tarefa. Basta sentarmo-nos todos à mesma mesa e desenvolver um plano de acção.
Uma coisa imprescindível para o desenvolvimento da zona turística da Serra da Estrela.

NC - Está a falar de um plano estratégico?
J.A.P. -
Sim. Porque há várias entidades públicas e privadas que mexem com o turismo na região. Portanto, no entender da FPE, devia haver uma planificação conjunta porque ainda há muita coisa a ser feita. As pistas têm que estar limpas, os hotéis têm que oferecer as melhores condições possíveis, tem que haver mais informação e os desportos, quer de lazer, quer de competição, necessitem de ser bem organizados.

NC - Quer dizer que as coisas não estão a ser bem geridas?
J.A.P.-
Gestão há, só que por não haver uma ligação mais próxima entre as instituições acaba por não existir a eficiência desejável. O turismo de Inverno é bastante proveitoso, pois é feito por uma classe média alta que pode trazer muito dinheiro para a região. Por isso é necessário criar as condições que fidelizem esses clientes.
As máquinas de fazer neve já podem funcionar. E é necessário que as pessoas do Parque Natural compreendam que as obras que há a fazer não vão atentar contra a dignidade da Serra. Não se vai ferir ecologicamente o sistema. Portanto há que equipar esta zona para a prática de turismo não apenas no Inverno, mas também no Verão. Porque a Serra pode ser "vendida" em qualquer altura do ano.

"É preciso acabar com quesílias particulares"

NC - Já há alguma proposta no sentido de se reunirem todas as entidades responsáveis pelo turismo na Serra da Estrela?
J.A.P. -
Há muitos anos que a Federação pede uma reunião desse tipo. Não só para tratar dos problemas desportivos, mas também económicos. Por exemplo: é impossível garantir o acesso durante todo o ano às lojas situadas na zona do planalto devido à imprevisibilidade das condições atmosféricas. E, no fim de ano, foi impossível ter aquela zona aberta devido à neve intensa que cortou a estrada, para desgosto quer de turistas quer dos hotéis.

NC - Há alguma forma de contornar esse factor?
J.A.P.-
O grande problema é da zona da Lagoa Comprida à Torre. Há grandes dificuldades de acesso que poderiam ser minoradas se se construíssem alguns túneis artificiais e algumas paliçadas.
Não se pode fazer críticas aos homens, porque eles fazem o melhor com os meios que têm. Mas as coisas poderiam correr melhor se houvesse esta coordenação entre os organismos. O trabalho da GNR e do Centro de Limpeza, que fazem verdadeiros milagres com o que têm, ficaria muito facilitado.

NC - Não seria mais fácil criar uma alternativa às pistas de esqui?
J.A.P. -
O que nós achamos, e está nos planos da Turistrela, é que sejam construídas, não só, mais duas pistas, mas também uma tele-cadeira que vá até aos Lagos de Louriga para alargar a área de esqui e tornar a zona mais atractiva. De outro modo as pessoas desanimam porque passam mais tempo à espera de subir do que, propriamente, a esquiar.

NC - A requalificação urbana prevista para as Penhas da Saúde vai dar o impulso necessário ao turismo de Inverno?
J.A.P.-
Vai ser um marco importante na evolução do turismo na região. Aliás, defendemos que é a partir das Penhas e da zona do Sabugueiro, que são centros com algumas infra-estruturas, que se deve investir no turismo de Inverno.
De acordo com estudos já feitos, uma das indústrias mais produtivas do País é o turismo. Assim sendo, a região só tem a ganhar com o investimento nesta área. Deste modo, a efectivação dos planos para as Penhas da Saúde vai ser uma grande achega para que o turismo, não só de Inverno, se possa desenvolver ainda mais.

NC - Está, então, optimista quanto ao futuro da zona turística da Serra?
J.A.P. -
Temos que acreditar mais em nós próprios. Temos que dar as mãos e trabalhar mais em prol de um objectivo comum: tornar esta zona mais rica e mais próspera.
É preciso acabar com as quesílias e com a filosofia de que cada um é que sabe e só aquilo que ele pensa é que pode ser feito. Por isso é que nós acreditamos que seria melhor haver um sítio onde todas estas pessoas se reunissem para encontrar melhores soluções para a região e oferecer qualidade a quem nos visita.

  

Calendário desportivo ambicioso

NC - No que diz respeito à Federação de Esqui e à agenda desportiva, o que está programado para este ano?
A.P. -
Temos para a época de 2001 um calendário desportivo que consideramos ambicioso, com várias provas a contar para campeonatos nacionais. Desde o clássico Esqui Alpino ao Snowboard, Esqui de Fundo e Skijoring.
É uma oferta desportiva diversificada que apresentamos pela primeira vez. Esperamos cerca de 160 atletas federados e pensamos que estão abertas as condições para que a FPE se imponha como uma referência a nível nacional. Para além destastemos neste momento uma delegação em Andorra composta por sete atletas a participar no Troféu Borrufa. E, se tudo correr bem, estamos a contar levar mais duas delegações a Itália e França para competir ainda este ano. Por isso, podemos dizer que a FPE está viva e a fazer aquilo que se lhe pede de uma maneira organizada e planificada.

NC - Este programa é mais vasto que em anos anteriores?
A.P. -
É a primeira vez que temos outras modalidades para além do Esqui Alpino. Há já cinco anos que não há Campeonato Nacional e, esta época, apresentamos uma série de modalidades. Temos, também, um protocolo com a Turistrela para que todas as actividades desportivas de neve nos sejam confiadas.
Alem disso, vamos implementar um estádio de modo a que os esquiadores possam treinar e realizar as provas. Uma zona vedada que permite uma maior segurança, quer para os desportistas, quer para o público.

NC - Qual é o orçamento para este conjunto de eventos?
A.P. -
O nosso orçamento é diminuto. São dois mil e 500 contos que practicamente não dão para pagar aos funcionários, mas já é um princípio.
De qualquer modo, estamos optimistas e os atletas também. Para além de que estamos a contar, a partir desta época, alargar os nossos horizontes de modo a garantir ofertas de serviço de maior qualidade.

NC - É possível fazer face às despesas previstas?
A.P. -
Este orçamento é muito pequeno para qualquer federação desportiva. Aliás, a verba do Estado para a FPE já foi maior. Há quatro anos era de quatro mil e 500 contos e, em vez de aumentar de ano para ano, diminuiu.
De qualquer modo vamos trabalhar e esperar que o Instituto do Desporto mude de atitude. Agora vamos pensar só no presente e em levar a cabo o calendário previsto. Só assim poderemos justificar outro tipo de subsídios por parte do Governo.

 

  

Perfil

José António Gabriel Pinho, 61 anos, é casado e tem dois filhos. É sócio fundador e actual presidente da Federação Portuguesa de Esqui. Cargo para o qual foi eleito em 2000.
Empresário de profissão, é ainda, desde 1998, presidente do Clube Nacional de Montanhismo sediado na Covilhã. "Uma das associações mais emblemáticas da região", afirma. Um grémio ao qual se tem dedicado desde 1973 e de que já tinha sido líder na década de 80.

 

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