Coro Misto e cordas da EPABI no Escorial
e Vale dos Caídos
Vozes da Covilhã deslumbram Espanha

As vozes e o som dos músicos da Covilhã ecoaram pelas gigantescas basílicas de dois dos mais emblemáticos monumentos nacionais espanhóis. Coro Misto e Orquestra de Cordas interpretaram Mozart em Missas no Escorial e Vale dos Caídos. O Notícias da Covilhã acompanhou os dois momentos.

 Por Sérgio Felizardo
NC/Urbi et Orbi

 

Cerca de 300 fiéis participaram na missa do Vale dos Caídos e, no primeiro domingo da Quaresma, ouviram o Coro Misto da Covilhã e a Orquestra de Cordas da EPABI interpretar Mozart

Nem o peso histórico, nem a dimensão dos espaços e a sobriedade dos rituais assustaram os cantores e músicos covilhanenses durante as actuações do último fim de semana em Espanha. Coro Misto da Associação Cultural da Beira Interior e Orquestra de Cordas da EPABI acompanharam duas Missas em dois dos mais importantes monumentos nacionais do país vizinho, situados a 40 quilómetros de Madrid: o Mosteiro de San Lorenzo do Escorial, erguido no século XVI, e a Santa Cruz do Vale dos Caídos (ver caixa). Cerimónias religiosas clássicas em que os portugueses interpretaram obras de Mozart especialmente compostas para este tipo de ritual.
Dos mais novos aos mais velhos, músicos e cantores sentiram na pele a dimensão e a importância dos momentos em que actuaram, mas sem que isso tivesse qualquer interferência na qualidade das performances. Muito pelo contrário. Assim que terminou a Missa das 19 horas de sábado, na Basílica do Escorial, o maestro Luís Cipriano, visivelmente satisfeito, recebeu os parabéns calorosos do director musical do Mosteiro. Entusiasmado com a prestação que acompanhou a cerimónia, presidida pelo padre José Luis del Vale, director da Biblioteca Real do Escorial, o director quis mesmo ficar com todas as obras compostas por Cipriano (religiosas e não religiosas). Um conjunto que vai, assim, segundo palavras do próprio, "enriquecer o espólio de uma das bibliotecas mais importantes de todo o mundo" (ver caixa).

Música de Mozart
em homilias contra terrorismo


O contentamento generalizou-se a todos os mais de 50 elementos da comitiva, habituados já a grandes momentos, mas que quase nem tiveram tempo de respirar. Domingo, primeiro dia da Quaresma, 11 horas da manhã, nova Missa. Desta vez na megalómana obra franquista, construída em homenagem aos mortos da Guerra Civil Espanhola (1936 a 1939) e baptizada de Vale dos Caídos (ver caixa).
Construído no coração da Serra da Guadarrama, o monumento prima pela dimensão absolutamente impressionante e pelas características particulares das cerimónias religiosas ali realizadas. Em redor da montanha onde foi erguida a Basílica, encimada pela gigantesca Cruz de pedra que se avista a vários quilómetros de distância, está um Mosteiro Beneditino. Aqui funciona um Colégio Interno, responsável pelo Coro Infantil que acompanha as Missas e é dirigido pelo jovem sacerdote Juan Pablo Rubio Sávia. Coro Misto e Orquestra "dividiram" o acompanhamento do ritual com o Coro local, ouvidos por cerca de 300 pessoas, entre as quais a vereadora da Cultura da Câmara serrana, Maria do Rosário Pinto da Rocha, e uma excursão de portugueses provenientes de Portimão. Uma surpresa que emocionou os excursionistas e não deixou os covilhanenses indiferentes, até pelo próprio teor da homilia: uma forte mensagem anti-terrorista, aliás tema igualmente abordado na Missa do dia anterior, no Escorial, onde na quinta-feira, 1 de Março, uma ameaça bombista obrigara ao reforço do contingente de segurança . A lembrança das vitimas da ETA e da dor das famílias dominou o discurso religioso e não deixou esquecer que em Espanha os dias são vividos com medo das bombas.
No final, no entanto, as palmas ecoaram pelo monumental espaço e os cumprimentos a músicos e maestro não se fizeram esperar. Uma alegria expressa nas palavras que Juan Sávia concedeu ao Notícias da Covilhã: "Esta experiência com o grupo português é muito importante interessante e muito enriquecedora. O repertório de Mozart foi muito bem escolhido e é interessante que as nossas crianças tenham estes contactos". Contactos que são raros, continua o director musical, "muito menos nas nossas próprias celebrações". "Gostaríamos muito de voltar a repetir e, se possível, ir também a Portugal e, particularmente, à Covilhã", conclui Sávia. Palavras que mereceram toda a atenção do maestro Luís Cipriano que explica, desta forma, a opção por Mozart e a importância das actuações em terras de Espanha: "Mozart compôs estas obras especialmente para Missas religiosas, mas em Portugal, como maioria dos países, são peças tocadas essencialmente sob a forma de concerto. Os espanhóis, pelo contrário, mantêm a forma da cerimónia como há 200 anos, orientada pelo Mestre-Capela, o que permite integrar a música tal e qual como ela foi pensada. Algo que no nosso País dificilmente teríamos oportunidade de fazer".

  

Uma lição de história

Dizem os espanhóis que, para além da sua finalidade cultural, o objectivo de uma visita aos palácios e monumentos reais do país é que cada cidadão capte o valor simbólico do que está a ver, se identifique com ele e se sinta herdeiro do imenso tesouro histórico e artístico que constituem os bens do património nacional.
Isso mesmo quis transmitir a Associação Cultural da Beira Interior, promotora do Coro Misto da Covilhã, aos cerca de 50 músicos (35 do Coro e 12 da Orquestra de Cordas) que se deslocaram a Espanha no fim de semana de 3 e 4 de Março. A viagem fica marcada pelas actuações nas Basílicas do Escorial e do Vale dos Caídos, mas também pela grande lição de história proporcionada pelas visitas a ambos os monumentos. Marcos de épocas distintas que deram aos covilhanenses a noção exacta da importância e do valor dos locais onde interpretaram obras religiosas de Mozart. E se no Escorial os olhos se abriram perante a riqueza e a magnificência da Coroa Espanhola, no Vale dos Caídos os olhos arregalaram-se de espanto perante a dimensão da Basílica construída no interior da montanha, no cimo da qual pontifica a Santa Cruz (150 metros de altura), na foto, que homenageia os solados mortos na Guerra Civil.

Monumentos que marcam épocas

Ambos os monumentos estão distanciados por poucos quilómetros e situam-se na zona da Serra de Guadarrama, que separa as províncias de Madrid e Segóvia. Construído entre 1563 e 1584, a mando do Rei Filipe II (I de Portugal durante os primeiros anos dos 60 que os espanhóis governaram no nosso País), o Mosteiro de San Lorenzo del Escorial alberga um património vasto e riquíssimo, de que se destacam as centenas de telas e tectos pintados por artistas como Tibaldi, Cláudio Coelho, ou Ticiano. Aqui está o Panteão Real, a "segunda mais importante biblioteca da Europa", a seguir à do Vaticano, com cerca de 50 mil livros originais e com idades que andam entre os 1500 e os 400 anos, os aposentos reais de Filipe II, onde morreu aos 71 anos, a Basílica e o Convento. Um enorme rectângulo com fachadas exteriores de estilo renascentista, grandiosos e de aspecto severo, quase sem outra decoração que não seja o jogo dos volumes, das luzes e das sombras.
Grandioso e de aspecto austero é, também, todo o espaço ocupado pelo monumento da Santa Cruz del Vale de Los Caidos. Uma obra de sentido religioso mandada erguer em memória dos que pereceram na Guerra Civil, em 1940, por Francisco Franco, líder do regime totalitarista que dominou a Espanha entre 1936 e 1975. Ano da morte do Chefe de Estado, que se encontra sepultado na Basílica do Vale dos Caídos. Hoje todo o monumento é administrado por monges beneditinos, que ali mantêm em funcionamento um Colégio Interno e o célebre (e de acesso restrito) Coro Infantil. A Basílica é construída no interior da montanha, tem quase 300 metros de comprimento e por cima do altar sobressai o grande mosaico que decora a cúpula, com mais de cinco milhões de mosaicos, da autoria de Santiago Padrós, que representam Cristo rodeado de anjos, santos e mártires.

 

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