Conferências "Preparar o Futuro"
"Cidade pode ser a grande aposta no futuro da medicina"

A falta de organização e ética são os actuais males da saúde. A aposta na novidade e qualidade de ensino é fundamental. Nova Faculdade de Medicina é o grande desafio.

 Por Rita Lopes
NC/Urbi et Orbi

A qualidade dos cuidados e o contacto com os doentes serão essenciais na Faculdade de Ciências da Saúde

"A saúde, em Portugal, está doente". As palavras são de Rui Cabral, médico ortopedista no Hospital da Universidade de Coimbra, para traçar o diagnóstico do estado da saúde nacional. A análise foi feita na segunda-feira, 26, no debate "Saúde, Vector de Desenvolvimento", do Ciclo de Conferências "Preparar o Futuro", organizado pelo PSD da Covilhã.
Perante uma plateia atenta a um problema que afecta a todos, os dois conferencistas, filhos da terra, Miguel Castelo Branco, director do serviço de urgências do Centro Hospitalar da Cova da Beira, e Rui Cabral puseram a nú os actuais males da saúde e da medicina. Ambos são unânimes em afirmar que "o problema não reside nos profissionais, mas nas normas e legislações do sistema". "A questão é política e não médica", remata o cirurgião de Coimbra que sublinha a importância de incentivos e oportunidades no desempenho da profissão. Segundo o clínico, "em Portugal não são dadas oportunidades que certas pessoas merecem para resolverem as coisas". "A saúde tem sido mal tratada, porque há muita gente que está a trabalhar sem estímulo, incentivo e sem condições", acrescenta. O factor organizacional é, assim, a chave da situação que se espelha nas listas de espera. "É uma vergonha haver doentes oito e dez anos na fila. Mas, mais vergonhoso ainda é existirem blocos operatórios que fecham às duas horas da tarde", revela o ortopedista. E acrescenta: "Como se pode ter um sistema de saúde credível, se temos maleitas na educação, na justiça e nas finanças?".
Contudo, a questão ética também marcou presença, dado que, para os oradores, "cada vez está mais perdida". Miguel Castelo Branco considera a dimensão deontológica essencial, pois, para além de técnico, o profissional deve ser médico. "Não é importante ter um mero técnico, mas uma pessoa que também entenda o ser humano que tem à frente". "Hoje temos muito bons técnicos, mas maus médicos", assegura o director. Rui Cabral afina pelo mesmo diapasão ao condenar os que se assumem como prestadores de serviços. Segundo o clínico, na medicina não há pessoas dessa estirpe, embora haja "quem seja levado a resolver os casos com prestação de serviços". Uma acção que critica: "Um médico tem uma carga própria, há uma deontologia, uma ética que temos que respeitar e não podemos escapar-lhe por qualquer preço".

Covilhã: exemplo para o País

Depois de diagnosticado um cenário negro de organização e ética nas instituições de saúde nacionais, a aposta recai na Faculdade de Ciências da Saúde (FCS) da Universidade da Beira Interior (UBI). Projectada para arrancar no próximo ano lectivo, a nova infra-estrutura é acarinhada pelos conferencistas que a consideram "o grande motor de desenvolvimento da região". Castelo Branco afirma: "Esta faculdade vai elevar o nível científico da medicina e vai ser um pólo de excelência de investigação. Estudar as causas para prevenir e organizar os cuidados de saúde". Rui Cabral segue a ideia do seu homólogo, e afirma que "construída de raíz, sem vícios, esta casa deve ser a grande mentora de uma nova mentalidade na medicina". "Quer-se uma instituição jovem, não no sentido de mais uma, mas diferente e inovadora. Criar gente nova, com um sentido mais humanista da profissão e abrir-lhes outras oportunidades", continua.
Assim, numa região que "tem sido penalizada na aquisição de infra-estruturas", Rui Cabral refere que "vai ter oportunidade de resolver muitos problemas do País, em várias áreas". Para tal, basta "apostar na qualidade dos cuidados e no contacto com os doentes. É importante os alunos sentirem, apalparem e tocarem nos enfermos". Uma ideia pensada, ao pormenor, pelos responsáveis da FCS, intensificada com a assinatura de protocólos com instituições do distrito da Guarda e Castelo Branco (ver NC de 23 de Fevereiro). Santos Silva, reitor da UBI, presente no debate, revelou que a homologação do Ministério da Saúde para as cooperações já foi manifestada. O mesmo acrescentou que há já 16 doutorados contratados para integrar o quadro dos novos docentes, vindos da região, do País e do estrangeiro. A novidade foi aplaudida e mereceu o comentário de Rui Cabral: "A Covilhã pode ser exemplo para Portugal. Vai ter condições para se resolver a si própria e para solucionar problemas ao País, que este nunca lhe resolveu".

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