Coimbra acolhe I Congresso Internacional sobre Jornalismo e Internet
Velha ética para os novos media

De que forma vai a Internet modificar o jornalismo do século XXI? E que formação dar aos futuros jornalistas para responder às exigências e desafios do novo meio? Foi para procurar uma resposta para estas questões que o Instituto de Estudos Jornalísticos (IEJ) da Universidade de Coimbra organizou o I Congresso Internacional de Jornalismo e Internet. O evento decorreu nos dias 28 e 29 de Março e juntou no novíssimo anfiteatro da Faculdade de Direito cerca de 500 participantes oriundos de todos os cantos do País.

 Por Marisa Miranda

O novo anfiteatro da Faculdade
de Direito de Coimbra recebeu o
I Congresso Internacional de Jornalismo e Internet

O anfiteatro da Faculdade de Direito da UC encheu durante os dois dias em que decorreu o I Congresso Internacional sobre Jornalismo e Internet. O público, cerca de 500 pessoas, era maioritariamente constituído por estudantes das diversas licenciaturas de Jornalismo e Ciências da Comunicação do País. Nas mesas, a organização procurou reunir os mais proeminentes representantes dos meios jornalístico e académico, nacionais e internacionais, para que, juntos, discutissem questões como a ética dos novos media, os direitos de autor dos ciberjornalistas, a formação dos jornalistas no século XXI e a eternizada questão jornalismo versus produção de conteúdos. O secretário de Estado da Comunicação, Arons de Carvalho, não esteve presente na sessão de abertura devido a uma reunião inadiável, mas Fernando Rebelo, Reitor da Universidade de Coimbra, fez as honras da casa e felicitou a iniciativa.
Organizar este Congresso foi para o IEJ também uma forma de colmatar algumas lacunas relacionadas com a formação inicial dos alunos de Jornalismo. É esta pelo menos a convicção da directora do Instituto, Isabel Vargues, para quem "as matérias teóricas ficam muitas vezes melhor esclarecidas com debates".
O evento ficou marcado pelo encerramento do serviço de actualização de notícias do site expresso on-line e o artigo publicado no jornal Público sobre a denúncia do Sindicato dos Jornalistas acerca da "exploração" dos jornalistas estagiários.

Rapidez não pode invalidar rigor

Os oradores da mesa redonda "Os novos media implicam uma nova ética?" foram unânimes em considerar que não existe uma nova ética. Pelo contrário, exige-se não um afastamento daquilo que são os valores éticos globais inerentes ao jornalismo mas sim um aprofundamento desses mesmos valores. Uma ideia sustentada por Helder Bastos, editor da redacção norte do Diário de Notícias, segundo o qual o facto de não existirem limitações de espaço e tempo na Internet pode levar os "novos jornalistas a entrarem em ladeiras eticamente escorregadias".
Ainda neste sentido, Deolinda Almeida, directora executiva do Dinheiro Digital, alerta para os cuidados redobrados que se impõem devido às características da Internet: rapidez, multiplicidade de informações e a concorrência. Para esta jornalista, é fundamental que o rigor jornalístico prevaleça sobre a rapidez da Internet. Uma ideia partilhada por Paco Olivares, do El País Digital, que reafirma a importância de reforçar a validade dos códigos éticos. "A chave do jornalismo deve ser difundir informação verdadeira e desinteressada", afirma.

"O que falta em Portugal em termos de Internet
é actividade dos tribunais, não é regulação"

O segundo painel do Congresso introduziu a recente questão dos direitos de autor no ciberespaço. Joaquim Vieira, do Observatório de Imprensa, defende os direitos dos jornalistas sobre os textos que publicam na Internet. No entanto, lamenta o facto de haverem poucos textos assinados. "Não existe direito de autor quando os textos não são assinados", explica. Para este orador, uma das formas de proteger os direitos de autor dos jornalistas pode ser o pagamento de um preço simbólico de acesso à Internet.
O direito de um autor sobre o seu texto pode também implicar o direito de recusar a sua publicação on-line quando ele for escrito para papel ou de exigir uma remuneração adicional devido ao que, no fundo, é uma segunda publicação. Uma questão cuja solução difere segundo os tribunais, mas em relação à qual não existem exemplos portugueses. Isto porque, segundo o jurista Manuel Lopes Rocha, "o que falta em Portugal em termos da Internet é actividade dos tribunais e não regulação".
Actualmente responsável pelo projecto Imaterial.Tv, Miguel Gaspar optou por fazer uma análise da situação da comunicação social na Internet. Este antigo jornalista do Diário de Notícias acredita que não existe um jornalismo on-line. "No essencial, o jornalismo é sempre o mesmo, mas cada meio supõe novas linguagens", explicou. E essa nova linguagem ainda não foi criada para a Internet.

Internet desafia actuais currículos universitários

Nélson Traquina, professor na Universidade Nova de Lisboa, moderou novo debate que juntou na mesma mesa jornalistas e docentes. Uma discussão sobre as necessidades do mercado de trabalho e a preparação dos futuros jornalistas.
Para António Fidalgo, docente na Universidade da Beira Interior (UBI), "os novos meios de comunicação permitem dotar os cursos com instrumentos necessários à boa formação dos alunos, a custo zero". O director do jornal on-line da UBI - Urbi @ Orbi - deu o exemplo concreto da instituição onde lecciona. O docente sublinhou ainda que, actualmente, os alunos precisam da mesma formação teórica que os media já exigiam, "não se torna necessário alterar a estrutura curricular dos cursos".
Já para Concha Edo, da Universidade Complutense de Madrid, deve haver uma adequação dos actuais currículos universitários de jornalismo às exigências colocadas pela Internet. "É necessário criar uma linguagem nova nas universidades que responda às novas lógicas das redacções", justificou a docente.
José Vítor Malheiros, director do Público.pt, defendeu que o estudante de jornalismo deve adquirir novas competências e acusou algumas universidades de terem medo de fazerem formação profissional.

Jornalistas ou produtores de conteúdos?

Foi a temática "jornalistas versus produtores de conteúdos" que finalizou estes dois dias de debate. O medo da crescente expansão das novas tecnologias poder "matar" a classe jornalística foi abordado numa mesa redonda onde estiveram Avelino Rodrigues do sindicato dos Jornalistas, Jorge Wemans da Agência Lusa, Manuel Pinto da universidade do Minho, Paulo Salvador e Paulo Bastos da TVI.
Jorge Wemans, director de informação da Lusa, considera que "sobrepôr a produção de conteúdos ao jornalismo é um abuso". Já para Manuel Pinto, director do departamento de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho, "os jornalistas são produtores de conteúdos, só que é preciso ir mais longe e especificar que tipo de conteúdos são".
Paulo Salvador, jornalista da TVI, salientou que, apesar de todas as mudanças que atravessam o sector do jornalismo, "há princípios que se mantêm eternos, um deles é o de que uma boa reportagem é uma boa reportagem e que um mau conteúdo nunca deixará de ser um mau produto". Para este profissional, o jornalista é produtor, gestor e vítima dos conteúdos, restando apenas "fazer melhor". Mas este mostrou-se muito mais preocupado com o facto de os direitos de autor dos jornalistas serem vendidos e alugados sem qualquer tipo de defesa, com a mão-de-obra barata que existe no jornalismo e com alguns empresários que criam projectos que rapidamente acabam.
Avelino Rodrigues afirmou viver-se um clima de crise no meio jornalístico, mas mostrou-se confiante num jornalismo de futuro "mais culto, mais contextualizado, embora também mais selectivo".

Presidente "subversivo"

Durante o encerramento do I Congresso Internacional sobre Jornalismo e Internet, Jorge Sampaio, Presidente da República, mostrou de uma forma peculiar que o que os media não mostram, não existe. Perante os olhos atentos da plateia, Jorge Sampaio fugiu aos microfones das rádios e televisões, retirando-se para um canto da mesa. "Se eu não passasse para ali", referindo-se ao seu lugar central, "a minha presença em Coimbra era completamente inexistente". Mas Jorge Sampaio voltou ao seu lugar inicial e criticou os meios de comunicação nos critérios que eles adoptam para escolher as personagens das suas peças jornalísticas. O Presidente mostrou-se satisfeito por se "começar a discutir seriamente todas as implicações que as novas tecnologias trazem para a comunicação em geral e para o jornalismo em particular".

  

Helder Bastos - editor da redacção norte do Diário de Notícias
"A ética jornalística será o valor basilar determinante na superação das actuais indefinições de estatuto colocados pela net."



Mário Mesquita - professor na Universidade Nova de Lisboa e na Universidade Lusófona
"O jornalista só se distinguirá da polifonia dos comunicadores se souber responder a três desafios: legitimação cultural, que pressupõe competência tecnológica e técnica; autonomia e distanciamento; e cidadania e responsabilidade."



Paco Olivares - El País Digital
"Um rumor, quando colocado na rede, acaba por tornar-se notícia, sem que o seu conteúdo seja filtrado ou confirmado."



Joaquim Vieira - Professor convidado na Universidade Independente
"É chegado o momento dos jornalistas reivindicarem o pagamento de direitos de autor resultantes de uma utilização secundária dos seus trabalhos."



Alexandre Libório - Professor na Universidade de Coimbra
"Há um desenvolvimento anárquico de leis avulsas cuja qualidade é lamentável e andam à volta do código. Não se cumprem os prazos nem os objectivos das directivas."



João Figueira - jornalista do Diário de Notícias
"O mercado quer a emoção e a universidade propõe a informação."



Concha Edo - Docente da Universidade Complutense de Madrid
"As universidades não devem formar técnicos, mas jornalistas."



José Vítor Malheiros - director do site Publico.pt
"Seria impensável que há 100 anos, um jornalista não soubesse usar uma caneta, seria impensável que há 50 não soubesse usar uma máquina de escrever e hoje é impensável que não saiba usar um computador."



Jorge Wemens - director de informação da Agência Lusa
"Reduzir o jornalista a produtor de conteúdos tem como objectivo dar mais liberdade à pirataria, á perda de regras éticas e deontológicas e a uma fronteira pouco clara entre notícia e produtos publicitários. Antes chamava-se a isto mau jornalismo, agora chamamos produção de conteúdos."



Paulo Bastos - chefe de redacção da TVI online
"Não tenho vergonha de fazer jornalismo sobre o Big Brother, porque este é tratado da mesma forma que tratamos os fait-divers."


 

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