Anabela Gradim

Morcelas e dizer bem


A Covilhã tem uma biblioteca nova, bonita, muito aprazível e, pasme-se - isto é o mais importante - com livros lá dentro! Tem um hospital rigorosamente novo, com instalações e equipamentos belíssimos, que será um dos pólos onde os futuros alunos da licenciatura em Medicina da UBI farão parte da sua aprendizagem. Tem uma universidade que continua a crescer, em termos físicos e em número de cursos, e cuja qualidade, e esforços em prol dessa qualidade, tem vindo a ser reconhecida por um número diversificado de instâncias. Tem várias salas de cinema. Algumas razoáveis livrarias, onde o que não há se encomenda, e que, para todos os efeitos, são quase uma FNAC - onde o que não há, e é muito, dificilmente se encomenda. Demagogia ou não, é uma cidade onde os idosos e reformados têm tratamento diferenciado, descontos aqui e ali, e passeios organizados pela autarquia. Coisas mesmo muito simples, como pegar num autocarro e levar sexagenários a Fátima, alguns que nunca saíram da sua terra, nem nunca tinham cruzado a fronteira do distrito. Em Portugal o mercado da solidariedade movimenta milhões, mas raramente se vêem coisas assim simples, é mais o próprio movimento. Gosto, dá-me verdadeiro prazer, saber que uma parte dos meus impostos pode ser gasta assim, no luxo de um passeio, de uma coisa supérflua, para quem teve tão poucos. E a Covilhã tem, no centro, um gigantesco buraco. Uma obra em curso que, para o bem ou para o mal, vai mudar para sempre o centro cívico da cidade. E, há que dizê-lo, acredito que para o bem. As críticas que até agora ouvi ao projecto - que seria melhor reservar o centro ao trânsito pedonal promovendo o atravessamento através de túneis - parecem-me, em boa verdade, perfeitamente ridículas. A população da cidade não são, e cada vez o serão menos no futuro, as nossas mães que adoram andar a pé e têm tempo e músculos em lugares insuspeitos. Numa cidade com a ingrata morfologia da Covilhã, se os que a vão habitar não puderem ir ao centro de carro, pura e simplesmente não irão, deslocando-se para os centros comerciais das periferias, onde abunda o estacionamento. Em suma, na Covilhã estão a acontecer coisas. Nem tudo bom? Certamente. Há mesmo coisas, caturrices, que seriam perfeitamente dispensáveis. Mas disso, do bruáaa que alimenta diariamente as notícias locais, não vai rezar a história. Só das coisas que ficam. E do que se faz. E há políticos que se especializaram em explicar o que e por que não fizeram. E queixam-se. De tudo. Dos adversários. Das adversidades. Da meteorologia. Do Governo. E neste interim, não mexem uma palha. Nem tanto ao mar, senhores, nem tanto à terra. O autarca socialista de Idanha, em plena cavaquistolândia, obteve sempre, sempre, tudo aquilo que sonhou para a sua terra. E o resultado continua, lá em Idanha, à vista de todos. Pouco importa para o futuro das cidades e das regiões a arte de dar boas desculpas, de encontrar bodes expiatórios, de fazer bonitas manchetes, e de usar metáforas de fino recorte literário, tipo "não se podem fazer morcelas sem tripa". É que não interessam as desculpas, as causas, os atrasos, os adiamentos, as responsabilidades, as incompetências, o erro do porteiro, a má vontade do secretário de Estado, tão pouco as culpas, essas solteironas empedernidas. Interessam os resultados.