por catarina moura

Falando de história sem falar de história, filosofando sem filosofar, Umberto Eco conseguiu com "O nome da rosa" um livro exemplar, surpreendendo-nos com um "policial" de cenário e conteúdo invulgares que nos absorve completamente até ao fim. Eco fez deste livro um labirinto apaixonante, onde página a página nos conduz, fazendo-nos questionar e mergulhar cada vez mais fundo. Mergulhar até às entranhas da Idade Média, tempo dúbio e obscuro onde, numa isolada Abadia dos Alpes marítimos italianos, estranhos crimes se sucedem entre os monges beneditinos que a habitam. É este o cenário que frei Guilherme de Baskerville encontra quando ali chega acompanhado do jovem noviço Adso de Melk, que o autor escolhe para narrar a sua história. A escolha de Adso não é, obviamente, casual. Mascarar-se de jovem noviço dá a Eco a hipótese de narrar a história na primeira pessoa, como alguém que vive os acontecimentos do ponto de vista do observador, sem os compreender muito bem, fazendo da história uma narrativa e não uma reflexão, o que acentua o seu tom realista. Por outro lado, a necessidade de retirar conclusões de tudo o que conta leva-o a criar o velho Adso, que muitos anos mais tarde, já morto o seu mentor, se dispõe a relembrar a sua história e a reflectir sobre ela.
Tendo como pano de fundo o confronto que no século XIV se vive entre Igreja e Estado pelo controlo da sociedade da época, frei Guilherme chega à Abadia para preparar o encontro entre o Imperador e o Papa. Mas logo se propõe desvendar os estranhos crimes que ali decorrem, aparentemente causados por vícios demoníacos a que os monges vitimados não souberam resistir. Crimes que o perspicaz frei, céptico em relação à sua origem apocalíptica, acaba por descobrir terem muito pouco a haver com os vícios carnais das vítimas.
A sua investigação vai conduzi-lo ao fulcro da Abadia e de toda a história: a biblioteca, situada numa torre austera e apenas acessível através de um intrincado labirinto de escadas e corredores. É aqui que está o causador de todos os males: um livro proibido. De acordo com o abade Abbone, nem todos os livros podiam ser lidos pelos monges, sendo ele a decidir o que podia e o que não podia ser lido. Àquele livro, que supostamente trataria do riso, apenas o abade, o bibliotecário e o seu ajudante tinham acesso permitido. Todos os que o tocaram sem permissão acabaram por morrer.
Num mundo em decadência, a missão da Abadia (logo, da Igreja) era a de se opor a essa corrida para o abismo, protegendo a sabedoria dos antigos. Mas proteger não significava conhecer, desenvolver ou investigar. Era apenas sinónimo de conservação e repetição. Muitos dos monges copistas, excelentes desenhadores, não sabiam ler e não compreendiam nada do saber que ajudavam a preservar. À Igreja não interessava o desenvolvimento intelectual. Em consequência, erros de cópia deram origem a grandes deturpações de obras mais antigas. Deturpações que poderiam ter sido evitadas se não fosse tão grande o esforço para preservar a ignorância e, consequentemente, o poder, uma vez que quem não sabe não pode questionar. "O nome da rosa", além de muito bem escrito, tem a brilhante característica do que para mim identifica um bom livro: leva o leitor a reflectir e tirar boas lições da sua leitura.