António Fidalgo

As contradições de um discurso

O discurso é de Carlos Pinto, presidente da Câmara Municipal da Covilhã. As contradições são as do discurso em que anunciou a sua recandidatura.
As afirmações contraditórias explicam-se certamente em parte pelo clima emocional de um jantar de mais de duas mil pessoas, mas não deixam de ser contradições filhas de um bairrismo exacerbado, prejudicial à região e à própria Covilhã. Sine ira et studio, ou seja, serenamente e de cabeça fria, vejamos essas contradições.
A Covilhã recebeu do Orçamento de Estado menos 700 mil contos que Castelo Branco e apenas mais 200 mil que o Fundão e 300 mil que Idanha-a-Nova. Nestes números vê Carlos Pinto uma discriminação da Covilhã, afirmando que "é preciso acabar com esta vergonha de premiar a concentração de pedras, de calhaus e de florestas, esquecendo a Covilhã como zona urbana densamente povoada de pessoas com ambições". Só que não há discriminação alguma. As transferências obedecem a um cálculo válido para todos os municípios, cálculo em que entram os coeficientes de população e de área. A área da Covilhã é de 549 Km2 contra os 1.440 de Castelo Branco, os 1413 de Idanha e os 675 do Fundão. Se a área não pesasse no cálculo então qualquer município dormitório do litoral, com algumas dezenas de Km2, teria muito mais dinheiro do que aquele que tem a Covilhã. Não se pode reivindicar, à escala nacional, dinheiro para o interior desertificado - "pedras, calhaus e florestas"! - e depois pretender aqui, à escala regional, voltar o bico ao prego.
Aliás, do Fundo de Coesão, que procura ajudar os municípios mais desfavorecidos, Castelo Branco recebeu 440 mil contos e a Covilhã 582 mil. São números disponíveis na página de Internet da Associação Nacional de Municípios Portugueses.
As capitais de distrito estão ultrapassadas? Poderão estar, mas não recusaram os portugueses, por larga maioria, a regionalização que lhes poria fim? Aliás, afinal não foi o estatuto de capitais de distrito que ajudou a Guarda e Castelo Branco a crescerem em população, já que a Covilhã cresceu mais. E que sentido faz a ameaça de "abrir guerras sem quartel" (!) para uma nova organização administrativa à medida da Covilhã? Pedir para si o que se critica nos outros?
As realidades são diferentes. A Covilhã beneficia, e muito, da sua tradição industrial, única no interior do País, da sua centralidade no novo eixo Castelo Branco - Guarda, e, sobretudo, da extraordinária dinâmica que lhe deu a Universidade da Beira Interior. Muito mais do que capital administrativa, de espírito manga-de-alpaca, o que importa à Covilhã é ser um pólo de forte desenvolvimento cultural, científico e tecnológico. E isso pode sê-lo justamente como elo de ligação dos distritos de Guarda e Castelo Branco.