José Geraldes

Corrupção e democracia

"A corrupção em Portugal tem vindo a aumentar, de forma assustadora, nos últimos anos". O diagnóstico é da Transparência Internacional, organismo sem fins lucrativos com sede em Berlim e de que o País faz parte desde o ano 2000.
O estudo feito pela Transparência Internacional assenta num inquérito rigoroso feito aos portugueses. Há conclusões saídas deste estudo que são de arrepiar os cabelos. Eis alguns dados: 80 por cento dos cidadãos portugueses estão convencidos da generalização da corrupção no nosso país; 77 por cento são confrontados com situações de corrupção; 93 por cento consideram que o combate à corrupção é muito fraco; 80 por cento dizem que as autarquias entram facilmente nos esquemas de corrupção; 86 por cento não têm dúvidas de que existe corrupção no desporto; 68 por cento declaram haver corrupção ao nível da administração central.
Exagerados estes números? À primeira vista dá essa impressão. Mas quem esteja atento aos meios de comunicação social, facilmente verifica que a corrupção se instala à vontade em Portugal. Ainda nas últimas semanas vieram a público notícias de desvios de dinheiros públicos para fins a que não estavam destinados e pagamentos, inclusive de apólices de seguros a funcionários com o dinheiro dos contribuintes. E depois há a corrupção feita por debaixo da mesa. É a corrupção que se não vê mas que toda a gente sabe que existe.
Não somos ingénuos ao ponto de negar que, antes, não se registavam actos de corrupção. Simplesmente, os métodos usados eram mais discretos.
Dir-se-á: mas o fenómeno não se verifica só em Portugal. Estamos de acordo. Um caso passado em Kuala Lumpur (Malásia): "Funcionários desonestos embolsavam 8 de cada 10 dólares destinados a certos programas de alívio de fome e da mortalidade infantil". E onde vão parar milhões e milhões de ajudas a países africanos? Às classes dirigentes. E até as ONG's (Organização Não Governamentais) não podem apresentar as mãos limpas. Factos passados em Timor Leste são disso triste exemplo.
Na mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1998, o Papa João Paulo II escrevia: "Não se pode calar o vício da corrupção que mina o progresso social e político de tantos povos. É um fenómeno crescente que vai penetrando insidiosamente em muitos sectores da sociedade".
A origem da corrupção reside na falta do cumprimento das leis. Em Portugal, neste capítulo, a norma é o laxismo. No estrangeiro, a tendência vai para a actuação imediata, doa a quem doer. Veja-se o caso da França e as condenações de altos dirigentes políticos.
João Paulo II adverte que "é preciso coragem para denunciar a corrupção. E para a suprimir requere-se, juntamente com a vontade tenaz das autoridades, o apoio generoso de todos os cidadãos, sustentados por uma forte consciência moral".
Entre nós, com o medo de evitar rupturas, falta coragem política para levar até ao fim uma luta concertada contra a corrupção. Com a regra do consenso, adiam-se as questões e não se provocam ondas só para guardar a imagem política conveniente ao momento.
Na mensagem referida, pode ler-se ainda: "O bom governo requer o controlo pontual e a plena legalidade em todas as transações económicas e financeiras. Não se pode permitir, de maneira alguma, que os recursos destinados ao bem público sirvam para outros interesses de carácter privado ou mesmo criminoso".
A transparência é a pedra de toque de uma sociedade democrática. Onde ela não existe, está o caminho aberto para todos os jogos duplos, a mentira, a hipocrisia, as fraudes, a suspeita e a bandalheira. A consciência embota-se. E as relações humanas inquinam-se como as águas turvas. A confiança deixa de ser norma reguladora da vida quotidiana.
Quem não é transparente, tem sempre algo a esconder. E a suspeita tem logo o efeito de bola de neve. A verdade esfuma-se. Os governos, os agentes políticos e sociais, as instituições, as pessoas, quando deixam de ser verdadeiros, não só perdem a credibilidade como também se atolam na desonestidade. Tal atitude desbrava, de imediato, o terreno para a morada da corrupção.
Então começam as deslealdades. E o reinado do tráfico de influências. E do suborno, seja a que preço for.
Quem tem a coragem de inverter o ciclo da corrupção que devasta a democracia e sociedade portuguesa?