
José Geraldes
|
A humanização
da escola
As aulas terminaram. Estamos
em plenas férias escolares. Este facto não
impede que se fale dos problemas da escola. A ideia de
que, no Verão, na chamada "silly season"
dos jornais, não são tratadas questões
importantes, deve ser banida dos nossos hábitos.
Precisamente o diário de referência Público
abordou, no início desta semana, um tema de grande
relevância para a sociedade. Falamos da análise
dos relatórios de avaliação que a
Inspecção - Geral do Ensino realizara em
300 escolas do País.
O jornal promoveu uma série de reportagens nestas
escolas. Em jeito de balanço, pediu a especialistas
para explicarem o segredo do sucesso das quatro escolas
consideradas as melhores.
As conclusões dos especialistas merecem uma reflexão
tão profunda quanto possível por parte dos
professores, pais, encarregados de educação,
famílias e responsáveis do Governo.
Até agora a palavra humanização era
quase somente aplicada ao ambiente dos hospitais. Eis
que Helena Marujo, doutorada em Psicologia, põe
o dedo na ferida, em relação às escolas:
"A grande chave do sucesso prende-se com as questões
relacionais. Só os professores que se dão
afectivamente aos alunos, que investem numa relação
individualizada, respeitadora e atenta às características
e interesses dos alunos é que têm sucesso".
Joaquim Azevedo, investigador, pensa da mesma maneira
e exemplifica: "O presidente do Conselho Executivo
da escola de Gaia tem atitudes de uma cortesia imensa
em termos de acolhimento dos alunos. Felicita-os no seu
dia de anos". E acrescenta: "Na maioria das
escolas do País, os alunos conhecem a ida ao Conselho
Executivo como a hora da reprimenda que, infelizmente,
serve para muito pouco". E Helena Marujo confirma:
"Os professores têm muito medo de ser humanos.
Deixam de fora as emoções e tentam transmitir
de uma forma emocionalmente neutra a informação
que o currículo exige". E explica as razões
de tal atitude pelo facto da "cultura negativa"
existente em Portugal. "Esta cultura negativa vê
nos alunos e no processo de aprendizagem aquilo que não
é positivo e não funciona".
Sem pôr em questão o valor das novas tecnologias,
e do uso dos computadores, comprova-se que basta o tradicional
giz e o quadro, para haver boas aulas. "O essencial
é o professor e o resto é secundário".
Helena Marujo cita o depoimento de um aluno sobre uma
"aula fantástica de Francês em que se
debatia o amor". E comenta: "Eles estiveram
a treinar e a corrigir o Francês mas a partir de
um tema que lhes interessa. Esta adaptação
aos interesses das crianças e adolescentes, este
não ter medo de ser humano é fundamental".
A conclusão afigura-se óbvia: "Ou a
escola começa a ser atraente ou os níveis
de insucesso e abandono vão aumentar. Como é
que se atrai? Com ensinos atentos às necessidades
e particularidades dos alunos." Aqui centra-se o
fulcro da questão. E por mais reformas que haja,
não se resolve o problema. O investimento no relacionamento
com os alunos é pedra de toque para o sucesso escolar.
As actividades extracurriculares constituem um dado básico
para a criação de "um clima favorável
à aprendizagem". "O exemplo da professora
da escola de Boticas que, para ensinar Matemática,
encena uma peça com os alunos", convida a
pôr a imaginação a trabalhar.
Joaquim Azevedo valoriza o clima escolar com a certeza
de ser um elemento de sucesso. Elemento constituído
"pelas atenções, atitudes dos professores,
organização da escola, dos espaços
e da relação com as famílias".
Um factor comum às melhores quatro escolas assenta
na capacidade de liderança. No caso em análise,
trata-se, na expressão de Joaquim Azevedo, de "lideranças
muito próprias e específicas". "Em
Portugal, não formamos líderes de escolas,
desprezamos bons líderes de escolas, não
financiamos líderes de escolas". E o especialista
enfatiza: "O Ministério da Educação
devia criar incentivos à boa liderança das
escolas, desde remuneratórios a apoios específicos".
No mesmo sentido, João da Silva Amado, ex-docente
do Secundário, actualmente professor no Ensino
Superior, nota que em qualquer das escolas "temos
lideranças fortes", directores empenhados",
"com grande energia".
Os depoimentos destes especialistas mostram como é
possível, caso o Ministério da Educação
não se limite a mandar só circulares normativas,
a travar o insucesso e o abandono das escolas. Lembre-se
que um alto número de alunos não chega a
concluir o 9º ano.
Então mãos à obra. Professores, pais,
famílias, responsáveis educativos cumpram
o que lhes compete. E não tenham medo de "ser
humanos".
|