Por Rita Lopes
NC/Urbi et Orbi


Com as pernas ainda frescas, os amantes das duas rodas abriram a primeira etapa da GR22

O dia nasceu cedo e fresco. O cenário era comum: a trouxa às costas e a vontade de concretizar uma aventura nas entranhas mais naturais e escondidas do Interior português. Depois da pernoita no aconchego possível de uma tenda no Parque de Campismo do INATEL, em Linhares da Beira, os 104 amantes da natureza, vindos dos mais variados pontos do País, rumaram ao Largo do Castelo onde, pelas 10 horas, esperavam o sinal da partida.
A pé ou de BTT, os participantes, equipados a rigor, com bastões, chapéus e mochilas, escutavam atentamente os últimos conselhos e avisos da organização. Advertências que, embora estejam claramente evidenciadas e identificadas na Carta do Lazer e no road boock elaborados para o efeito, nunca são demais relembrar. Com uma manhã de nevoeiro, que ajudava a refrescar as forças, dava-se, então, perto das 10 horas e 30, início à primeira Grande Rota das Aldeias Históricas, promovida pelo INATEL.
Os adeptos das duas rodas deram o mote para a primeira etapa da "viagem" de 10 dias, que teve "luz verde" na sexta-feira, 27 de Julho. Uma dezena de dias a trilhar pedras, calçadas, caminhos velhos, montes e vales. Linhares da Beira/Marialva foi o percurso dos "fortes". 66 quilómetros de altos e baixos para os participantes do Nível I. Linhares/Aldeia Nova foram os 28 quilómetros percorridos pelos ciclistas do Nível II. Dois percursos marcados por, segundo a organização, "um piso muito variado, alternando com caminhos mais pesados, devido à proximidade das linhas de água, e um piso mais duro repleto de pedras e calçadas".
Para os apaixonados pelo pedestrianismo, a rota foi mais curta. Seis quilómetros entre Linhares e Carrapichana para a primeira e única paragem da manhã. Sandes, frutas e água davam o alento para mais uns passos, pelo menos até Mesquitela onde, depois de 10 quilómetros, alguns arrumavam as trouxas. Para os restantes, Vila Soeiro do Chão foi o terminus da jornada. Os que ainda tinham força nas pernas foram visitar a aldeia de Marialva. Os outros ficaram pelo Campo de Futebol de Meda, local escolhido para montar tenda e descansar, pelo menos até à alvorada do dia seguinte.

Direcção dá exemplo

"Existe muito espírito de solidariedade e colaboração entre todos os intervenientes, sobretudo municípios e é por isso que aqui estou", afirma Rui Silva, presidente da Câmara Municipal de Arganil, por entre a respiração ofegante da caminhada. Este foi um dos elementos representantes dos 17 concelhos que integram o projecto das Aldeias Históricas, criado em 1995, no âmbito do II Quadro Comunitário de Apoio.
Embora sem prática neste tipo de actividades, Silva juntou-se ao grupo da "elite", para dar o exemplo, que se ficou pelos seis quilómetros. Carrapichana foi o local de paragem para o almoço que juntou à mesa Eduardo Graça, presidente do INATEL, Manuela Espírito Santo, vice-presidente, e outros elementos da direcção, como de outras entidades integrantes - Centro de Coordenação Regional do Centro (CCRC), Área Integrada de Base Territorial (AIBT) das Aldeias Históricas e Câmara Municipal do Sabugal - que também não deram parte fraca ao lado dos caminheiros.
No final da primeira manhã, Eduardo Graça era um homem satisfeito. Há um ano a trabalhar a ideia, "desde que apresentámos a Grande Rota como publicação", agora vê os frutos que se podem vir a desdobrar numa multiplicidade de actividades. Tecnicamente designada por GR22, graças ao número correspondente à homologação exigida pelas federações nacionais e internacionais, a iniciativa apresenta-se como inédita no País. Os objectivos são claros: "contribuir para o desenvolvimento da região e levar a que um número maior de cidadãos possa participar". Para aquele responsável, a palavra de ordem é "democratizar". Mas não é só. "É preciso diversificar os programas e desdobrá-los noutros mais pequenos, com menos dias e com graus de dificuldades diversificados para abranger mais pessoas".

"Logística difícil, mas assegurada"
Em causa estão os cerca de 400 inscritos que, em menos de dois meses, acorreram às delegações do INATEL de Lisboa e de Linhares. Embora o máximo de inscrições fossem 100 pessoas, a verdade é que, dada a procura significativa, os limites foram alargados. 104 a percorrer os 10 dias e 36 apenas nos fins-de-semana "foi o máximo possível". Maria do Carmo André, chefe de divisão das actividades desportivas do INATEL, salienta que "ficaram de fora pessoas que davam para fazer três iniciativas do género". "Mas nem que quisessemos, não havia capacidade para ter mais ninguém", acrescenta.
A organizadora refere-se, sobretudo, aos aspectos logísticos da região. A falta de infra-estruturas hoteleiras e de restauração e os difíceis acessos foram carências encontradas pela organização. Por isso, sublinha: "O apoio das autarquias foi fundamental, quer na procura destas estruturas, quer na marcação do terreno que se iniciou há mais de um ano".
Contudo, mesmo com dificuldades, "tudo andou sobre rodas". Uma equipa de 15 pessoas de intervenção directa, guias ciclistas e caminheiros, carrinhas de apoio, de água, de transporte, entre outros, contribuiram para que a GR22 fosse louvada pelos participantes. João Neves, do Porto, comenta: "Está a ser maravilhoso. Não precisamos de andar com a tenda às costas, porque dormimos em sítios certos. Está muito bem organizada".





Mais lentamente, os caminheiros seguiram caminho para os 10 ou 14 quilómetros do primeiro dia


A calçada romana que liga Linhares da Beira a Figeiró da Serra foi considerada um dos percursos mais difíceis

  Organização ambiciosa
"Queremos, para o ano, uma Grande Rota internacional"


Domingo, 5 de Agosto, é o dia derradeiro. Chegam ao fim mais de 500 quilómetros percorridos entre 10 aldeias de pedra que surgem como a imagem de marca da região Centro de Portugal.
Linhares da Beira, Marialva, Castelo Rodrigo, Almeida, Castelo Mendo, Sortelha, Monsanto, Idanha-a-Velha, Castelo Novo e Piódão marcam os destinos da GR22 - Grande Rota das Aldeias Históricas. Um percurso que atravessa, ainda, 17 concelhos, 52 povoações e três áreas protegidas (Parque Natural da Serra da Estrela, Parque Natural do Douro Internacional e Reserva Natural da Serra da Malcata).
Uma dezena de dias que, segundo Manuela Espírito Santo, vice-presidente do INATEL, representa um investimento na ordem dos 15 mil contos, apoiados pelas autarquias abrangidas, pelo programa da Acção Integrada de Base Territorial (AIBT) das Aldeias Históricas e pelo FEDER. Um montante que não causa admiração à organização, dado que "é uma iniciativa especial pelos encargos e abrangência que envolve".
Apesar dos 35 mil escudos que cada participante pagou de inscrição, que inclui seguro de acidentes pessoais, enquadramento técnico e logístico, transporte, alimentação, dormida e documentação, Maria do Carmo André, chefe de divisão das actividades desportivas do INATEL, refere que "é preciso ter uma gestão muito equilibrada". "Cada indivíduo custa muito mais de 35 contos, mas o nosso objectivo não é lucrativo. Queremos dar às pessoas a possibilidade de conhecer o País e fazer o que gostam", justifica a organizadora.
Esta é, então, a última grande aposta do INATEL: "trazer para a região do Interior um turismo de qualidade. O outro lado do turismo de massa". O desejo concretiza-se no tipo de actividades que aquela instituição abarca. O Open de Parapente é uma das mais antigas e emblemáticas de Linhares da Beira. Este ano, a começar, propositadamente, no último dia da Grande Rota, para "dar oportunidade dos grupos se cruzarem", o Open conta 10 anos de existência.

Brasileiros e espanhóis na mira

Apostar em actividades não motorizadas é a principal frente de combate da organização. "Achamos que é importante preservar o ambiente e as pessoas terem um conhecimento mais próximo e real com a natureza", explica Maria do Carmo. Uma exigência que a instituição impôs a si mesma, desde 1992, ano em que realizaram, pela primeira vez, o Open de Parapente.
Agora com um emblema de nível nacional e internacional, este desporto serve de exemplo para iniciativas futuras. A GR22 é um dos casos. Eduardo Graça refere a importância de "criar uma dinâmica que ganhe, pelo menos, 10 anos de prática para se aguentar pelas próprias pernas". Depois desse tempo, continua, "ela terá força para descolar do seu criador e caminhar sozinha".
Todavia, até isso acontecer, muita coisa há a alterar e aperfeiçoar. A ideia de desdobrar e democratizar a Grande Rota em programas mais pequenos e para menos gente é a chave do próximo ano, aliado a uma possível internacionalização da mesma. Segundo Manuela Espírito Santo, "já há contactos com uma instituição brasileira que está interessada em trilhar estes caminhos, que vão ser sempre os mesmos para poder preservá-los". Eduardo Graça subscreve a colega e adianta, ainda, que "há percursos parecidos com os dos Pirinéus para os nossos vizinhos espanhóis". "O importante é trazer pessoas que ajudem a pôr esta região no mapa", acrescenta.
Assim, depois de dois anos a investigar e a descobrir os cantos e recantos do percurso, e posterior marcação, é hora de pensar noutras actividades. E nisso o INATEL não tem "dado tréguas". A caminho está mais uma publicação relativa ao levantamento dos recursos naturais dos 17 concelhos que integram a GR22. Da autoria de António Pena, um dos membros da equipa organizadora, o trabalho é, ainda, acompanhado por um levantamento fotográfico exaustivo. Ainda sem data certa para publicação, a perspectiva é que seja lançado no dia de arranque da Grande Rota do próximo ano
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