Por Nélia Sousa


Nas igrejas evangélicas os fiéis tomam a Bíblia como única fonte de ensinamentos

Uma forte vontade de encontrar Deus foi a razão pela qual Manuela Filipe, 47 anos, reformada da indústria de lanifícios, ingressou na Igreja Maná. Há nove anos que frequenta esta igreja e não se sente arrependida de ter permanecido. "Alguém me falou na igreja e um dia tive curiosidade e vim conhecer. Abençoado dia que nunca mais de cá saí", declara Manuela Filipe. Católica por tradição, Manuela Filipe ia quase todos os dias à missa, só que a certa altura sentiu uma necessidade maior de conhecer Deus. Algo que não encontrava na Igreja Católica. Segundo esta reformada da indústria de lanifícios a grande diferença em relação à Igreja Católica é que na Igreja Maná Jesus "é vida e é real". Aqui "encontra-se Jesus vivo. Sinto Jesus a mover-se na minha vida e a fazer maravilhas. Eu era uma pessoa que não saía de casa, e hoje não paro em casa. Hoje penso não só em mim, mas também nos outros", explica. Para além de frequentar a igreja, Manuela Filipe trabalha na livraria onde vende livros, cassetes e bíblias respeitantes às crenças desta nova doutrina religiosa que abraçou.

Intercâmbio religioso

É sexta feira. Às 9 horas a sala ainda está vazia mas aos poucos vão chegando algumas pessoas. Por esta altura ainda se ensaiam as últimas canções ao som da guitarra eléctrica, da bateria, do acordeão e do orgão complementados pelas vozes das raparigas que cantam louvores a Deus. A música é bastante ritmada.
Marina Manteigueiro, 24 anos, é a responsável pela bateria. Há 11 anos que frequenta a Igreja Maná. A sua entrada deveu-se à influência de uma tia que convenceu a sua mãe a vir conhecer a igreja. Marina também frequentava a Igreja Católica, só que a achava muito monótona. "Não podíamos fazer barulho, enquanto aqui há louvor e alegria", afirma esta planificadora.
Com pouco mais de 20 jovens a Igreja Maná possui um departamento nacional de jovens que tem por finalidade organizar encontros a nível nacional com fiéis de outros pontos do país. A igreja estabelece também contactos com outras igrejas evangélicas dos Estados Unidos da América e do Brasil, com o objectivo de se conhecerem e trocarem impressões sobre variados assuntos.
O grande desejo de Marina Manteigueiro era que a Igreja Católica se abrisse mais em relação às igrejas evangélicas.

Conhecer a Verdade

Durante a reunião as pessoas erguem as mãos e oram a Jesus ao som da música, que é uma constante ao longo da celebração. Pelo meio ficam algumas intervenções de pastores e presbíteros que falam de temas marcantes da actualidade: amor, álcool, droga, finanças.
Os que sobem ao púlpito para discursar são pessoas que frequentam a igreja há mais tempo. Para puderem intervir os oradores necessitam de fazer cursos bíblicos
A hierarquia da igreja Maná é basicamente constituída por diáconos ou assistentes, presbíteros, pastores e bispos.
Luís Torrão é assistente. A sua função é ajudar, encaminhar e apresentar a igreja às pessoas que vêm pela primeira vez. Durante a celebração, por altura das ofertas, recolhe o dinheiro, depositado pelos membros num vaso. Luís não estava ligado a nenhuma igreja embora os pais e avós tivessem sido católicos. Há muito que se afastara das convicções religiosas, mas um dia, por intermédio de uma pessoa amiga e por curiosidade quis conhecer a Igreja Maná. Nunca mais se afastou. "A vida numa igreja evangélica transforma completamente a maneira de ser das pessoas", afirma.
Maria da Graça tem 45 anos. Há seis meses que frequenta a Igreja Evangélica Pentecostal da Santificação. Para Maria da Graça "a igreja católica não ensina como deve ser. Por isso mudei porque aqui conheci a Verdade".
A procura de novas maneiras de ensinar a palavra de Deus leva muitas pessoas a procurarem outras formas de culto.

Ofertas e dízimos

A Igreja Maná é um movimento religioso recente em Portugal. Com pouco mais de 20 anos, esta igreja nasceu em Lisboa, e foi fundada por Jorge Tadeu, um engenheiro moçambicano. No início era apenas formada por um pequeno grupo familiar, mas aos poucos foi conseguindo arrastar fiéis para o seu interior. Hoje encontra-se espalhada por todo o mundo.
Há 12 anos instalou-se na Covilhã. A sua divulgação foi feita sobretudo através de uma revista que era entregue às pessoas. Hoje a igreja tem perto de 80 fiéis.
José Ganso e Graziela Ganso são os actuais pastores desta assembleia. De Lisboa vieram para a Covilhã substituir o antigo pastor. Casados há 31 anos, pela Igreja Católica, José Ganso era vendedor e Graziela analista na central de cervejas Sagres. Trocaram a sua profissão para servir integralmente a Igreja Maná. Esta transformação deu-se em 1987. Graziela foi a primeira a ingressar na igreja. Por curiosidade veio visitá-la e "no dia em que vim nunca mais me quis afastar", salienta. José Ganso viria a converter-se mais tarde. Hoje toda a família pertence à Igreja Maná. Só que os filhos optaram por ficar em Lisboa. Para Graziela Ganso a igreja transformou completamente a sua vida. "Eu nunca tinha sentido a presença de Deus, a sua unção como senti aqui. Tinha muitos problemas de saúde e Jesus curou-me", explica.
Para os pastores, o objectivo é "estruturar uma igreja com jovens, porque são eles os pastores de amanhã, e desviá-los do flagelo das drogas e do alcoolismo".
A Igreja Maná, à semelhança dos restantes movimentos religiosos, insiste, para além da cura, na colecta de dízimo. Graziela Ganso esclarece que este não é obrigatório. Só dá quem quer. Durante a cerimónia a pessoa pode dar uma oferta, a quantia que quiser, ou pode dizimar. Tanto um como outro são livres. No entanto adianta: "A Bíblia diz que devemos trazer o dízimo à casa de Deus. Nós só falamos no dízimo porque está escrito na Bíblia. Mas o dízimo é só para quem quer". O dízimo consiste na décima parte do ordenado da pessoa.

 

 




 

Santos de pau

A Igreja Evangélica Pentecostal da Santificação existe na Covilhã há meio ano. Agostinho Meireles é o pastor desta igreja que conta apenas com 15 fiéis. Este evangelista está na igreja há 32 anos. Anteriormente era católico, mas aos 17 anos, e depois de achar que os dogmas da Igreja Católica não estavam muito correctos, decidiu mudar de religião.
Em 1975 foi para o Instituto Bíblico tirar o curso e a partir daí tornou-se pastor. Na altura os familiares reagiram muito mal à sua mudança. "Os meus irmãos mais velhos disseram mesmo que era melhor eu ter morrido que tal coisa acontecer. Fui tremendamente desprezado e cheguei mesmo a passar muitas dificuldades" confidencia este pastor de 49 anos, natural de Chaves, casado e com dois filhos. Hoje a sua relação com a família é bastante favorável. Actualmente encontra-se a pregar em Esposende e uma vez por mês desloca-se à Covilhã para celebrar missa.
Na Igreja Evangélica os pastores, por sistema, devem casar, porque "aprendendo a lidar com a vida de casa também aprendem a conviver com os membros da igreja". Porém há aqueles que optam por seguir o celibato. São sobretudo missionários que vêem assim a vida mais facilitada. Apesar de existirem igrejas evangélicas com 700 fiéis, Agostinho Meireles salienta que não é fácil encontrar fiéis, sobretudo no norte, uma região predominantemente ligada ao catolicismo. "Há muitas dificuldades. As pessoas estão muito ligadas às tradições e torna-se difícil mudar as mentalidades", salienta este pastor.
Na Igreja Evangélica Pentecostal da Santificação só os indivíduos com determinadas capacidades e possuidores de uma fé forte se podem baptizar. "Um rapaz com 18 anos que tenha tido um exemplo fiel, não se mete na droga, nem leva uma vida depravada, tem condições para ser baptizado", esclarece.
À semelhança da Igreja Maná a Igreja Evangélica Pentecostal da Santificação acredita em Jesus Cristo como único e exclusivo salvador. A "idolatria" é considerada pecado. "Acreditamos em santos de carne e osso e não em santos de pau, pedra e madeira", afirma Agostinho Meireles.
Para Luís Torrão, assistente da Igreja Maná, os santos existem só que não em forma de imagens. "Se a palavra de Deus diz que há santos, como vamos acreditar o contrário? O que não acreditamos é em bonecos de pau", refere.

 





 

Lei pouco favorável

A lei da liberdade religiosa, aprovada há poucos meses, concedeu às novas doutrinas religiosas existentes em Portugal uma maior abertura. Contudo existem alguns aspectos que no entender dos respectivos membros deveriam ainda ser melhorados.
Agostinho Meireles considera que em termos gerais a nova lei é positiva. O mesmo não acontece em termos específicos porque "continua a haver em Portugal uma grande diferença entre as igrejas e a Igreja Católica e enquanto assim for nada se resolve". No seu entender a Igreja Católica sempre recebeu apoios do Governo que lhe permitiram enriquecer. Pelo contrário as igrejas evangélicas sempre foram marginalizadas. "Temos que nos aguentar com as pequenas migalhas dadas pelos fiéis", refere. Daí considerar que as melhorias sejam poucas. A nova lei de liberdade religiosa concede agora às novas doutrinas, liberdade absoluta para efectuarem cultos na rua, em casas, ou casa particular; isenção de impostos e possibilidade de celebrarem casamentos legais, o que antes não acontecia.
Para José Ganso, pastor na Igreja Maná, a liberdade religiosa ainda não está a chegar a todos. "Nós, as igrejas evangélicas, estamos discriminadas. Enquanto a Igreja Católica vive graças aos subsídios do Estado as igrejas evangélicas não têm subsídio nenhum", argumenta.
Para as novas manifestações religiosas esta lei poderá simbolizar uma maior afirmação na sociedade.