Por Mariana Morais


A "Rua Direita", nos anos 40, provida de lojas de comércio e serviços

Em quase todas as vilas e cidades portuguesas existe uma Rua Direita. De traçado quase sempre tortuoso, estas ruas situam-se na zona central das povoações. O nome direita resulta da adaptação popular da palavra directa. Na Covilhã, a Rua Comendador Campos Melo, vulgarmente conhecida como Rua Direita, situa-se entre a Rua Visconde da Coriscada e o Largo de Infantaria 21. Chamava-se antigamente Rua Directa ao Castelo, porque ligava o jardim à parte histórica da cidade.
"Esta rua foi sempre muito movimentada porque era a passagem obrigatória, quer a pé quer de carro, da zona da Vila do Carvalho para o centro da cidade", explica Manuel Dinis, proprietário da Casa Dinis, uma loja de móveis e pronto-a-vestir, muito conhecida na Rua Direita.
Nos anos 40, havia na rua muitas lojas de comércio e serviços. Barbearias, tabernas, mercearias, sapatarias, cafés e até uma tipografia. Havia também uma mercearia que vendia vinho a granel. Nessa altura, a Rua Direita tinha metade da largura que tem hoje. O alargamento teve início no princípio da década de 50. Os prédios novos começaram a ser construídos mais recuados e a rua foi-se alargando, ficando com a estrutura actual.
"Quando eu vim para aqui, em 1954, havia no princípio da rua, do lado do jardim, numa casa baixa, uma mercearia que tinha ao lado uma estrebaria onde ficavam os cavalos e as carroças do petrolino", recorda Manuel Dinis. Até ao final dos anos 60, as carroças do petrolino percorriam as ruas da cidade e das aldeias mais próximas na venda ambulante de petróleo e produtos de mercearia.

Livros proibídos

Nos finais da década de 60, funcionou durante vários anos o Círculo de Cultura e Cooperação (CCC) no local onde hoje está a papelaria Brincarte. O CCC era uma livraria diferente das outras livrarias da Covilhã porque vendia livros e discos proibídos pela Censura. Por essa razão, às vezes, a polícia política (PIDE) invadia as instalações e confiscava os livros.
Isilda Dória, assistente de consultório, era na altura empregada de balcão do CCC. " O Centro era uma cooperativa de que faziam parte José Corceiro, José Lemos, Raposo de Moura, Crespo de Carvalho e Antunes Ferreira, entre outros: Eu também fazia parte como cooperante. Tínhamos muita procura porque havia pessoas que sabiam que só na nossa casa é que encontravam certa literatura", recorda. Desses tempos, Isilda guarda a lembrança de serões culturais com a presença dos escritores Alçada Baptista e José Cardoso Pires. Também recorda a presença do Padre Felicidade Alves e de convívios onde cantavam Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira e o Padre Fanhais. Um dia, foi chamada à PIDE. Disseram-lhe que a ela não iam fazer nada, mas o marido (na altura a cumprir o serviço militar) ia ser incorporado na semana seguinte num contingente para a guerra colonial. Isilda sofreu um choque muito grande, porque, como o marido era escriturário e tinha uma classificação alta, toda a gente estava convencida que ele não iria para a guerra. " O que me valeu foi o apoio do pessoal da livraria", lembra com emoção.

À espera que as obras acabem

Nos tempos que correm, as coisas não vão muito bem para o comércio da Rua Direita. Os grandes atrasos das obras da Praça do Município bem como o arranjo do jardim, dificultam os acessos à rua. Os comerciantes queixam-se que as vendas diminuem assustadoramente e os compradores vêem-se aflitos para estacionar os carros. Na opinião de Manuel Dinis," a Câmara Municipal não procedeu bem para com os comerciantes. Deviam ter-nos convocado para uma reunião um ano antes das obras começarem. Eu e os meus colegas teríamos planeado a nossa vida de outra maneira e não teríamos hoje mercadoria empatada que já não vamos conseguir vender". Este comerciante afirma que a sua loja já foi visitada por pessoas célebres. "Veio o Cavaco Silva, quando era primeiro-ministro. O Mário Soares, quando era Presidente da República, também cá entrou. Ainda o ano passado esteve cá a filha do Xanana Gusmão", salienta com orgulho.
Com obras por toda a parte, o aspecto da Rua Comendador Campos Melo não é dos mais convidativos. "Resta a esperança que as obras, depois de concluídas, compensem os prejuízos e arrelias sofridos", conclui Manuel Dinis.