Por Ana Maria Fonseca


O primeiro dia do Festival ficou marcado por um evento único de som e imagem num confronto entre duas épocas

A semana começou com o espectáculo único de cinema e música, "O Homem da Câmara de Filmar", de Dziga Vertov musicado pela orquestra Sinfónica da EPABI e pelo Coro da ACIB, dirigidos pelo Maestro Luís Cipriano a partir de uma partitura de sua autoria.
A película de 1929, avançada para o seu tempo, quer em termos de efeitos especiais, quer na forma forte e crua como apresenta os conceitos foi acompanhada intensamente pela música, também ela forte que recriou o som imaginário da película muda de Vertov.
Um espectáculo que não deixou ninguém indiferente.




As reacções ao espectáculo

 
Ana Pires
Delegada do Ministério da Cultura- Delegação Regional do Centro- Coimbra

Não foi uma surpresa porque já conhecia o trabalho, quer da equipa do Imago, quer do maestro Cipriano. Já esperava um espectáculo desta qualidade.
Já conhece o entusiasmo e gosto que Pedro Ramos e Luís Cipriano põem naquilo que fazem.
Foi um espectáculo muito marcante que, ao contrário do que possa parecer, não é um discurso apologético do regime, nem tem nada a ver com o realismo soviético.
Os efeitos especiais são muito inovadores para a sua época e a música sublinhou e iluminou muito o filme. Não abafou nem entrou em ruptura, pelo contrário, respeitou e esteve em continuidade com o filme.
Quanto à iniciativa, acha que o arrojo e a ambição tudo têm a ver com a qualidade das pessoas que estão à frente da iniciativa. Gente com legítima ambição da qualidade.
Uma acção desta envergadura constituí uma mais valia extraordinária para a cidade e para a região. Uma região que precisa muito de novas propostas nomeadamente culturais.


Francisco Abreu
Delegado do Instituto Português da Juventude, delegação regional de Castelo Branco.


Uma sessão claramente à altura do evento e que consagra o festival. A cerimónia de abertura agradou bastante quer pela presença de muito público jovem, por se associar a um filme dos primórdios do cinema e por este ter sido musicado pela ACBI e pela EPABI através de um trabalho extraordinário do Maestro Luís Cipriano. Foram três condições agradáveis e satisfatórias que se reuniram aqui esta noite.
Nesta terceira edição o festival cresceu bastante, mas ainda se está numa fase de experimentação. Será pela via que este ano foi implementada pela organização que se deverá seguir nos próximos anos.
Minuto Kid.
É um projecto interessante que pode ser uma forma de chamar ao festival novos públicos, e que podem mesmo vir a ser futuros intervenientes.
Houve muito prazer por parte de professores e alunos no processo de concretização destes filmes.

 



A reacção do Maestro

 

Maestro Luís Cipriano
A reacção imediata é o público bater palmas no fim mas o reflexo que esta música poderá ter quando as pessoas saírem daqui e a maneira como ficaram a pensar, só daqui a algum tempo é que poderemos saberemos. Eu como compositor radicado na Covilhã acho importante proporcionar às populações novas formas musicais, ou novas formas de ouvir e entender a música. Mas só daqui a algum tempo é que podemos ver se efectivamente as pessoas gostaram ou não.
Quando houver outro trabalho no género, se as pessoas voltarem é porque gostaram, se não voltarem é porque não gostaram. De qualquer maneira, não podemos estar sempre a compor à espera que as pessoas gostem muito, umas vezes poderão gostar, outras não, mas como ser humano acho que nós compositores também temos direito à nossa liberdade intelectual e se algum dia as pessoas não tiverem gostado mas eu tiver ficado satisfeito, também não fico muito triste por essa situação.
Estou satisfeito pelo resultado que teve hoje porque também não nos podemos esquecer que esta não é uma orquestra profissional, mas constituída por alunos e trata-se de um coro amador e mediante isso, embora a obra saiu um pouco difícil e eu tenha muitas vezes o cuidado de saber que estou a compor para alunos e só ensaiamos desde quinta feira passada. Foi quando eu acabei a obra, não houve muito tempo para ensaiar. Foi preciso ensaiarmos 5 e 6 vezes por dia para nos apresentarmos hoje mas estou extremamente contente com o trabalho que os miúdos fizeram.
Aquilo que os compositores escrevem reflecte um pouco o estado de espírito. O filme proporcionou-me determinadas ideias. Nós no dia a dia nem sempre podemos andar satisfeitos e possivelmente poderá ser, digamos, uma afronta conjunta a 1929, com 2001. Sabemos que a cultura tem muitas vezes dificuldade em impor-se e pensamos às vezes se valerá a pena continuar, ou se ficamos pelo fado e pelas guitarradas. Portanto é natural que esse estado de espírito se possa reflectir na música que se compõe.
Isto não se assemelha a nada que tenha composto até agora?
Não, mas se calhar também nunca tinha andado tão chateado. Isto tem a ver com o estado de espírito das pessoas. O filme também não é um filme muito normal. Não utiliza uma linguagem muito normal, por isso é natural que tenha resultado um pouco diferente.
Estas ideias já há algum tempo que as tinha tido, mas tinha faltado a oportunidade, talvez um qualquer evento onde pudesse fazer este tipo de trabalho e agora proporcionou-se através do Cineclube e aproveitei para, digamos, expandir essa linguagem.
È muito difícil nos dias de hoje escrever qualquer coisa de diferente. Eu não inventei propriamente uma nova linguagem. De qualquer forma penso que pela reacção das pessoas e dos próprios músicos, é natural que faça outras obras dentro desta linguagem.
Os músicos estão de parabéns uma vez que tiveram muito pouco tempo de ensaios.
Eu, como compositor, tenho a facilidade de emendar algo que esteja em casa a compor. Os músicos em cima do palco, se tocam uma nota errada nunca mais a vão conseguir emendar.
O que difere entre uma composição normal e uma que acompanha a imagem é que durante a execução há alguns riscos. Há partes que têm de encaixar. É necessária uma atenção muito grande por parte dos músicos uma vez que eu sou o único que tenho o filme à minha frente e tenho de os conduzir de acordo com a velocidade das imagens. Depende também muito da atenção dos alunos. É mais complicado com alunos mas eles hoje ajustaram-se muito bem a todas as variações que introduzi.
Em relação à composição, nós temos de ter um sentimento em relação ao filme e a partir da mensagem que o filme nos transmite tentamos compor. Isto tem um perigo, o realizador pode tentar transmitir determinados sentimentos, eu interpretá-los de maneira diferente e quando componho e apresento essa música publicamente, adulterar, digamos assim, o filme. Penso que isso não aconteceu, eu esforcei-me nesse sentido.