Francisco Paiva

Dolenti declinare


Roubo descaradamente a epígrafe a Umberto Eco, da última das suas crónicas do Diário Mínimo, como síntese de motivação ou pretexto para falar do Ensino em Portugal.
Diante dos olhos tenho já, por antecipação, a imagem dos rituais da praxe académica previstos para o proscénio da Av. Marquês d'Ávila e Bolama, ao cabo de um primeiro mês de actividades lectivas, em que os veteranos (papas, dux?!) exprimiram os seus fracos dotes artísticos nas telas vivas que os caloiros encarnam.
A falta de criatividade, aliada a alguma inconsciência, conduziu à substituição do que os latinos designaram "serio ludere" (jogar seriamente) por actos de recreação, nada abonatórios, em que o caloiro - esse ente de casta inferior ávido de aceitação na trupe - suporta, atónito, vilipêndios e boçalidades várias, personificando o mártir voluntário da barbárie, anacronicamente civilizada, que perseverantemente vai minando o Ensino.
Não posso, portanto, deixar de apelar à razão dos alunos, quando nos deparamos com graves problemas de financiamento e, como em qualquer época de crise, confluem para o sector da educação muitas forças antagónicas. Num mundo no qual 2/3 dos jovens não vão à escola, a sua situação é privilegiada. Aspecto que devem relevar, não desperdiçando os recursos disponíveis, nem alienando direitos ou a sua própria liberdade individual. Devendo, ainda, lutar para que o princípio da gratuitidade, consagrado na Constituição da República, não sofra mais um revés, com a canalização directa das propinas (valor actual ou aumentado) para o pagamento dos salários dos professores e funcionários, porque isso será legitimar a demissão do Estado do seu dever de fraternidade.
Há todo um conjunto de factores políticos a condicionarem a vida académica e a actual relação simbólica desta com a sociedade não suporta leviandades. Substituir progressivamente a suposta tradição por programas de interacção mais edificantes entre os recém-chegados e os iniciados, consciencializando-os da contingência em que se movem, é o mínimo que me ocorre sugerir-lhes, como forma de ultrapassar o sonambulismo do "statu quo" social do País e, fiéis à memória dos nobres rituais, contribuirem para renovar do ponto de vista do significado a Universidade.