Por Margarida Tomé e Vânia Flor


A tristeza e a revolta marcam o olhar de Américo Silva

De estatura média, aspecto simpático e olhar carregado de tristeza, Américo Silva, 76 anos, recebeu o Urbi et Orbi na sua oficina de trabalho, uma cave transformada em serralharia de alumínio.
Após ter concluído a instrução primária, aos 12 anos, foi trabalhar para a oficina do seu cunhado onde começou a ganhar experiência na arte de trabalhar o ferro. Aí aprendeu tudo o que sabe hoje, "nunca tive ninguém a meu lado a dizer como se fazia. Fazia, estragava e tornava a fazer".
Com o falecimento do seu cunhado, ficou encarregue da oficina que trabalhava para a construção civil e para as fábricas da Covilhã, fornecendo chaminés, clarabóias, algerozes, vários utensílios usados na altura.


A grande preocupação deste artista é o destino dos seus utensílios de trabalho quando a oficina fechar

As fábricas começaram a fechar e assim deixou de ter trabalho. "Agora só me dedico a estes pequenos trabalhos artísticos", caixas, lanternas, candeeiros, animais feitos em ferro, trabalhos que lhe encomendam porque não se encontram em mais parte nenhuma.
Passados 45 anos de dedicação a este ofício, é com mágoa e revolta que vai fechar a sua loja. "Já estou saturado, já não posso mais e incentivos tenho tido poucos ou nenhuns", desabafou.

Obrigado a fechar a sua oficina por não ter ninguém que lhe dê seguimento, Américo Silva reclama o facto de nunca se terem criado condições pelo Estado, a nível nacional, para haver aprendizagem destas "artes que estão a morrer com os últimos artesãos". Depois, o facto é que o artesanato "não dá rendimento suficiente para pagar a um aprendiz", e "o Estado é que podia dar um incentivo, tal como estão hoje a fazer, a gastar milhões em cursos de formação se calhar com menos futuro profissional que esta arte".
Ao deixar a sua actividade de anos, Américo Silva lamenta o destino das ferramentas que constituem a sua oficina e confessa que "gostava que fossem para um museu ou para a universidade".

Entre muitos dos seus trabalhos, aqueles que mais se destacam são as duas colecções da Arca de Noé, cada uma com 25 animais elaborados em ferro, um trabalho que, segundo Américo Silva, "leva tempo, paciência, sensibilidade e gosto por aquilo que se faz". Estas colecções chegaram a participar em várias exposições, entre elas, uma promovida pelos Lions da Covilhã e outra em 1992, na Covifeira. A propósito da participação das suas obras nestas exposições, refere que "enriqueceram a exposição e receberam eles os louros".

Este é um trabalho que requer tempo, paciência e sensibilidade

É com muita mágoa no olhar que diz que "é com tristeza que deixo isto", e salienta que "quando amanhã alguém precisar deste trabalho, não há ninguém que o faça e depois é que vão dar valor".