Francisco Paiva

E AGORA, COVILHÃ ?



Apologista de programas de governação - ideias e objectivos calendarizados -, mais do que de ritos idolátricos, preocupa-me agora, findo um circo mediático e na iminência de outro, a gestão do vácuo, das mudanças tranquilas, e da apropriação dos conceitos da nova vaga do politicamente inconsequente.
O actual governo autárquico tem o dever de aproveitar a onda de maioria e continuidade para, deixando de estar preocupado com a sobrevivência política, actuar e desenvolver o seu projecto político de forma exemplar. Tem todas as condições para que esta legislatura seja a da exigência em matéria de qualidade de vida, Segurança Social, Educação, Saúde e Cultura.

A Covilhã deve ser gerida com estratégia, contrariando a tendência para decisões casuísticas, desenvolvendo largas directrizes orientadoras, geradoras de acção, que permitam afirmar o seu projecto de cidade. Não podendo mais agir como uma cidadela, tem de estabelecer relações qualificadas com as congéneres do interior, e perceber as particularidades da vida urbana, semi-urbana e rural desenvolvida nas suas freguesias.

Sendo o seu património natural mais apreciável do que o histórico, parecem-me óbvios dois aspectos: primeiro, que o património natural e histórico (religioso, civil e industrial) seja conservado; segundo, que cuidemos da qualidade do que fazemos hoje, para que o seu valor possa ser relevado amanhã, mas também porque há sempre um desempenho formativo das intervenções que contrariam a mediocridade cultural e que estimam a herança.
O actual modelo cultural, requer centros decisórios de vanguarda e o devido envolvimento dos criadores e da comunidade, ao invés de uma cultura de lapela postiça e desinformada.

A julgar pelas magnitudes dispendidas em programas re's (revalorização, reordenamento, requalificação, reorganização, revitalização...), somos um país riquíssimo, que inutilmente desperdiça recursos. Não querendo, ou não sabendo fazer bem, precisamos lamentável e invariavelmente de segundas e terceiras oportunidades.
País do improviso, avesso ao plano, país de espertos míopes que tornam a paisagem construída, florestal, agrícola e fluvial refém de vis interesses instalados.
Urge, por isso, discutir o território, urbano e ambiental, obviamente dentro dos limites da escala de intervenção dos poderes públicos, mas com ambição de ideais, dado que se não nos propusermos a algo de válido com dificuldade alcançaremos o razoável.
Cuidamos que está na altura de prever riscos, de tornar as decisões participadas, atitude que compromete, por um lado, mas também responsabiliza, esclarece e permite que o PDM não seja desculpa de libertinagens.

A Beira, precisa orientar as suas coragem e tenacidade para reformar e ordenar o seu território. É especialmente importante para o Concelho da Covilhã combater assimetrias económicas, sociais, culturais e territoriais, mas também o é conservar a identidade, impedindo o surgimento de focos suburbanos que começam a despontar, à guisa de urbanizações, empreendimentos, aldeamentos, loteamentos e demais eufemismos ao abrigo dos quais se edificam mimos dignos do Terceiro Mundo.
Não podemos permitir de ânimo leve a erecção de outro Fundão - daquele Fundão entalado entre a Av. Eugénio de Andrade e o edifício Acrópole (veja-se o desplante dos epítetos)-, entre a Variante e o eixo TCT.
Portanto, o eixo TCT deve tornar-se numa via com personalidade (avenida? penetrante na malha urbana? de circunvalação? alternativa? residêncial? comercial? de serviços? mista?), pois já causa engulho ver tanta confusão de cércea, tanto semáforo, focos industriais antigos e zonas agrícolas fertilíssimas, venderem o seu genius loci a troco de exíguas alvíssaras. Tudo porque a Câmara não decidiu qual o cariz dessa estrada, e não decidindo vale tudo, todas as arbitrariedades.
Ordenar o território implica pensar no colectivo, partilhar um desejo comum. O território luso, demonstrando que essa vontade cívica não existe, torna ainda plausíveis outros cancros que me eximo, agora, de nomear.

O Governo demitiu-se do papel regulador da construção e em particular da habitação, tentando imiscuir-se nas ordens profissionais para compensar a invisibilidade da sua política nesta área - nesta matéria! Porém, competindo em primeira linha aos orgãos de poder autárquico zelar por melhores intervenções urbanísticas, parece-nos lícito reivindicar a promoção de concursos públicos transparentes para as obras municipais. Concursos que, embora pareçam demorar os processos, traduzem-se, em regra, em intervenções mais qualificadas.
Arrecade-se algum do capital simbólico dos planos paisagísticos Polis, rumo ao fim das obras de aparato, mas não se esqueça que o essencial é garantir dignas condições para a vida quotidiana das comunidades.
Ouvimos de vários políticos propostas de criação de bolsas de terrenos, como medida conducente à acessibilidade à habitação. Propostas desgarradas, mas com a virtude de tacitamente reconhecerem que a especulação imobiliária dificulta a fixação de jovens e que enquanto a habitação for um bem de primeira necessidade o neurónio nacional não pode pensar, e muito menos responder, ao complexo mundo do qual depende, que lhe franqueia as portas e patrocina o seu feliz endividamento para a vida.

O Distrito de Castelo Branco precisa de ser entendido simultaneamente como um todo, no dever de harmoniosa distribuição do erário, e como um conjunto de partes distintas, cuja interligação com os distritos limítrofes tem sofrido alguma obnubilação. Facto pelo qual a autarquia deve mobilizar-se, concertando esforços, ante o enviesamento no estabelecimento das prioridades governativas e no sentido de corrigir os problemas não edógenos, alguns conjunturais do país, como a debilidade decorrente do desequilíbrio no relacionamento com os centros decisórios, em particular os da Região(?) Centro, evidente na concentricidade terciária coimbrã.

Comecemos a pensar Portugal a partir do nosso Concelho, mudando a cultura do derrotismo pátrio, a indiferença característica dos nossos decisores e a apatia generalizada, impeditiva da melhoria de qualidade de vida, da igualdade de oportunidades e da alegria de viver.

Foco dinamizador de cultura e de ciência, a Universidade da Beira Interior deve estar presente no modelo de desenvolvimento do Concelho e do Distrito, disponibilizando as suas qualidades para a renovação de serviços e indústrias e dinamizando o debate das orientações técnicas e políticas, aspecto que tem no Parkurbis um bom presságio, caso venha a ser uma encubadora de empresas e permita fixar indústrias leves.
Formulo votos de que a Covilhã, que almeja tornar-se campo de saber, evite o alheamento da ciência na definição e gestão urbanas. Para tal, deve convocar frequentemente a comunidade e a Universidade, ouvi-las e torná-las parte das decisões, por forma a evitar crimes de lesa-pátria equivalentes aos perpetrados na Alta de Coimbra, nos anos 40, cujos efeitos de desarticulação urbana as sucessivas operações de cosmética não têm corrigido (haja esperança pela execução do projecto do Arqº Gonçalo Byrne).

Por fim, desejo que a Beira, conhecida pelas palavras escassas, esparsas mas rectas, contrarie a sua igualmente característica inércia colectiva. O tempo é de acção.