o
jardineiro
do rei

 


Frédéric Richaud


Discreto e ensimesmado, um pouco lunático, Jean- Baptiste de la Quintinie é o humilde jardineiro do rei. Em plena corte de D. Luís XIV, o Rei-Sol, símbolo do absolutismo monárquico, os excessos e a sumptuosidade contrastam com um homem simples, dedicado apenas à sua tarefa, incumbida pelo rei que o nomeia para o cargo de "intendente dos pomares e jardins hortícolas de Versalhes".
Indiferente à intriga, enfastiado com os jogos de bastidores e agoniado com os odores mal disfarçados por perfumes, foge das festas mundanas para se refugiar no campo, onde os seus modos de vestir e falar não suscitam comentários. Aí torna-se apenas um homem em sintonia consigo próprio.


Mas logo que o jardineiro regressava à sua horta, estugava o passo, os gestos tornavam-se harmoniosos e precisos. Conhecia todas as plantas, todos os insectos pelo nome. Eram muitos os que vinham discutir com ele à noite, à hora em que as sombras se alongam, enriquecer-se com os seus conhecimentos sobre as estações, os legumes e os frutos, a sua sabedoria simples que herdara do mundo que governava.

Embora "O Jardineiro do Rei" seja uma obra de ficção, a personagem escolhida para o romance é verdadeira. Jean-Baptiste de La Quintinie foi o jardineiro de eleição de Luís XIV, depois de ter aplicado os seus créditos no projecto de Vaux-le-Vicomte ao serviço de Nicolas Fouquet, o ministro das finanças que chamou a si o ciúme real e caiu em desgraça por não ter sabido esconder o seu requintado bom-gosto e a tentação megalómana.
Antes de ser a história de um homem, "O Jardineiro do Rei" é uma belíssima alegoria do conflito entre a razão e a natureza, da eterna engrenagem de forças contrárias em busca do equilíbrio.
Contrária é também a amizade do pacífico jardineiro com Philippe de Neuville, um antigo companheiro dos estudos , cujo espírito irrequieto e interessado por todas as formas de pensamento (ciências, humanismos, política, esoterismo…) contrasta com a dedicação exclusiva que La Quintinie devota ao seu reino vegetal, num misto de amor sincero e medo de se aventurar por territórios desconhecidos.
Depois da morte deste amigo, o jardineiro do rei há- de "acordar" e tudo o que até aí viu e sentiu será posto em causa.


Como é que não compreendera mais cedo este sinal enviado pelo céu? Como é que não sentira na carne que toda esta vida, a sua vida, não passara de falsidade e de vaidade? Falsidade dos títulos e da glória; vaidade de se julgar livre, diferente dos outros, protegido dos desastres do mundo por muros espessos e troncos grossos; vaidade de pensar que podemos conduzir o universo, quando é ele que nos governa; orgulho de acreditar que poderemos, um dia, agitar o mundo e os homens que o habitam.