Nuno Jerónimo

Num mundo em permanente revolução



Num mundo em permanente revolução (não é Marx, é Copérnico...) é normal sermos surpreendidos pela realidade. Até sermos esbofeteados ao ponto de lhe querermos responder da mesma forma e, sem mais, partir-lhe a cara.
É por isso que leio sem espanto as mais extraordinárias diatribes contra este mundo, a que vou chamar, por simplicidade, Ocidente. Um Ocidente que partilha entre si os valores mais preciosos da vida, da liberdade e outros do género.
Leio no Urbi et Orbi um artigo sobre Direitos Humanos. Não estranho. O parágrafo inicial cheio de boas intenções é, afinal, um mero pretexto para, uma vez mais, espancar a política internacional de quem partilha e defende o mesmo modo de vida que praticamos.
O título é premonitório. "Direitos Humanos, Milosevic e os Ausentes". Como veremos adiante, os ausentes são mais que muitos. Não no Tribunal de Haia, mas no próprio texto. Está ausente a contextualização histórica dos tribunais de guerra, está ausente a lógica política desses mesmos tribunais, está ausente a fraude intelectual do anti-ocidentalismo, sempre escondido atrás de grandes e balofos argumentos, estão ausentes grandes autores de crimes contra pessoas, desde que representem visões antagónicas do mundo ocidental. Como sempre. Já Estaline apagava as pessoas que não lhe interessavam. Duplamente.

Os tribunais internacionais são e foram tribunais de guerra em que os vencedores julgam os vencidos. Ponto. Foi-o em Nuremberga em 1945/46. Foi-o (embora com outra designação) em Versalhes em 1919. Isto para citar os mais conhecidos. Sendo que neste último a punição recaiu sobre o país e naquele sobre os indivíduos. É óbvio que se os Aliados tivessem perdido a II Guerra Mundial teriam sido julgados por crimes contra a Humanidade ou coisa parecida. Isso não lhes retira a bondade da vitória. Ganharam a guerra e a Europa ganhou o futuro. Nuremberga foi a resposta possível à trapalhada de Versalhes.
Quem perde, paga. É assim no bilhar, é assim na guerra. Foi assim com Milosevic. Não sei se o Tribunal Penal Internacional tem legitimidade para julgar o senhor. Mas é mais um aviso. Como foi o assédio judicial a Pinochet. Nesse caso o que fizeram os intelectuais bem-falantes? Escreveram editoriais a clamar: "Prenda-se esse senhor, que fez mal às gentes do Chile." Pela boca morre o peixe, ensinou-me a minha Mãe.
A realpolitik foi sempre uma espinha na garganta de alguns pensadores Se lessem ou entendessem o livro Diplomacia de Henry Kissinger percebiam que discursos ocos não valem nada contra a realidade mais complexa.
O problema não está na formulação, está na orientação. Porque aos teóricos só chateia a realpolitik do ocidente. Quase todos os países, legitimamente, lutam na esfera internacional por uma posição mais conveniente. Infelizmente, Portugal não o tem feito, com os resultados desastrosos que um dia compreenderemos.
Não partilho dessa infelicidade pelas hegemonias internacionais. Eu prefiro viver num mundo em que a implementação dos direitos humanos possa depender "das razões "de Estado", da vontade política dos governos, dos seus interesses económicos e estratégicos, ou dos recursos (in)disponíveis" do que depender da vontade de qualquer tirano ou livre arbítrio. Porque sou masoquista? Não, porque não gosto de ser surpreendido. E a implementação desses direitos poderia ser alguma vez totalmente independente de qualquer razão ou lógica política? Sei que não. Nunca aconteceu em milhares de anos de História da Humanidade. Assim sendo, prefiro ser governado pelos malandros que conheço e que me estão mais próximos. É romântica a ideia? Não. É prática? É.
Há muita razão quando se diz que continuamos a assistir à duplicidade de critérios dos Estados hegemónicos. Concordo. Com a notória ausência das referências às duplicidades maiores e muito mais hipócritas dos outros estados, Portugal incluído. Querer fazer parte do mundo desenvolvido exige mais que bater o pé em conferências internacionais. Culpar pela pobreza de alguns países a riqueza dos outros é fazer vista grossa a quem nesses países mais contribui para isso. Pelo menos, os "hegemónicos" têm a coragem de se bater pelo que pretendem.
Como em Durban, quer-se culpar sempre o Ocidente por todas as atrocidades. Um dia um venezuelano explicava-me acaloradamente como o Ocidente estava a oprimir a cultura "indígena" dos povos originais da Venezuela. E eu respondi-lhe que aqui, em Portugal, aconteceu o mesmo, mais vezes e há mais tempo. Estavam os Lusitanos e vieram os Romanos. Já se falava Latim e chegaram os Celtas, mais conhecidos por Bárbaros. De África vieram os Árabes. Estes foram expulsos por nobres franceses, um dos quais pai do nosso primeiro Rei. E daí se fez Portugal, de uma misturangada étnica e cultural. E a Inglaterra e os EUA, paladinos da tal "opressão unificadora", têm na sua génese uma amálgama de povos. Quando a História não serve, esquece-se.
Os mesmos que não se importam de trazer para a Europa gente do resto do mundo (opinião à qual não tenho a mais pequena oposição) acham que o resto do mundo deve ficar etnicamente despoluído de europeus. Duplo critério? Pois sim.
E há depois os criminosos ausentes do texto. Não li nada sobre os ditos palestinianos, à solta, que Arafat não quer ou não pode mandar prender. Ou sobre suicidas como Wafa Idris, sempre à espera de mais uma brecha para fazer ir pelos ares mais uma quantidade de gente. Sobre a UNITA o argumento é conhecido. Depois de tudo o que li e ouvi sobre a morte de Jonas Savimbi, . A quem parecer que do horror em Angola a culpa é só da UNITA, bem merecia viver juntinho ao MPLA. Numa frase tem razão. Ainda há atrocidades a serem cometidas em Angola. O assassinato dos líderes da UNITA pelas FAA é uma delas. O que fizeram os EUA? Receberam José Eduardo dos Santos. Prenderam-no? Não. Maldito duplo critério.
E os crimes de Fidel Castro? Cala-te boca. E as purgas de Estaline? E os assassinatos públicos na China? Porque é que os direitos humanos só parecem estar em causa com a pena de morte nos EUA (com a qual, sublinho, estou totalmente em desacordo) onde, pelo menos, todos têm o direito a ser julgados por um júri constituído por gente comum e princípios de direito reconhecidos? Será o multiculturalismo?
E os agora "terroristas" da UÇK, que antes de serem apoiados pelos EUA, eram apoiados por alguns partidos comunistas europeus e considerados forças de libertação?
E os representantes máximos do FMI? Será só deles a culpa que os dirigentes políticos do terceiro mundo sejam totalmente corruptos e que prefiram armar exércitos para controlar o povo que dar-lhes de comer? Não venham com a história da indústria de armamento. Não houvesse quem as comprasse e eles dedicavam-se a plantar tabaco. E aí os progressistas europeus haveriam de ser contra o tabaco. A favor da marijuana, mas contra o tabaco.
Duplos critérios. Eu sei o que é.
Para se perceber esta raiva contra o mundo que, bem ou mal, ajudamos a construir e onde, dadas as opções, quero continuar a viver, existem dois artigos online que explicam detalhadamente o ódio dos intelectuais e outros ocidentais acidentais ao que representa a nossa civilização.
"Why Do Intellectuals Oppose Capitalism?" de Robert Nozick, publicado na Policy Report [http://www.cato.org/pubs/policy_report/cpr-20n1-1.html]
e "The slyer virus: The West's anti-westernism" de Mark Steyn publicado na The New Criterion Online [http://www.newcriterion.com/archive/20/feb02/msteyn.htm]