José Geraldes

 


Interior e vontade política

O povo português deu nas Legislativas 2002 uma prova de democracia e de civismo. Viu-se que, claramente, separou a política do futebol, elemento populista que havia inquinado a campanha eleitoral. E, no Porto, onde a questão atingiu as raias do paroxismo, o bom senso prevaleceu na votação, em detrimento da exploração das emoções momentâneas.
Se nas Autárquicas o eleitorado "puniu" o Governo de forma muito clara, nas Legislativas recusou a maioria absoluta aos partidos que a solicitaram. O povo mostrou, ao eleger uma maioria de direita, um sinal de mudança, sem ambiguidades. Mudança que não pode ser defraudada sob pena de o País entrar numa situação de derrapagem económica e social. Os próximos quatro anos vão ser cruciais para Portugal. Os fundos comunitários terminam em 2006 e a Europa passa de 15 para 25 membros. Se não houver coragem para as reformas adiadas mesmo que se tornem impopulares, espera-nos a estagnação e o retrocesso. A própria democracia pode correr perigo, dada a tendência portuguesa para os mitos dos "salvadores da pátria", ou seja para ditadores "providenciais." E esta situação não pode ser tolerada. Não que sejamos profetas da desgraça, mas temos de estar conscientes das responsabilidades de quem assumir funções governativas. E os pactos de regime de que os dois partidos mais votados falaram, sem quaisquer semelhanças com o Bloco Central dos anos 80, não poderão faltar nos acordos parlamentares. Esta é a única via para evitar o sistema italiano das quedas de governo de seis em seis meses. Até porque não nos podemos dar ao luxo de uma tal deriva, sob pena de cairmos na bancarrota dado o nosso frágil tecido económico.
Durão Barroso, futuro primeiro-ministro, por várias vezes, na campanha eleitoral, referiu que era necessário desenvolver o Interior. No discurso da vitória, acentuou que seria primeiro-ministro de todos os portugueses. Esperemos que as palavras correspondam aos actos, pois as assimetrias regionais continuam ainda como um fardo pesado para todos nós que aqui vivemos e trabalhamos. E a nossa voz nunca se calará quando formos esquecidos ou injustiçados.
A Cova da Beira precisa de um novo impulso. Se bem que o Governo socialista tenha nota alta com a instalação da Faculdade de Medicina na Covilhã e que a criação da Universidade da Beira Interior se deva a decisão de Cavaco Silva, é urgente concluir as acessibilidades que faltam, desde o IC6 em perfil de auto-estrada, ao IC31 e ao IC8. E que sejam encurtados os prazos para a conclusão do almejado Regadio da Cova da Beira, sonho de há mais de 30 anos.
Outro elemento a não esquecer diz respeito à discriminação positiva para o Interior. E, no caso concreto, no sentido de haver condições favoráveis para as empresas. Não que se trate de favores mas do reconhecimento da penalização devido ao factor da interioridade. O novo ciclo político desempenha o papel de um teste à retórica dos discursos e à vontade de provar que Portugal não é só Lisboa.