Pedro Homero

Leite?


Hoje, 7 de Maio, comemora-se o Dia Mundial da Asma. A Asma é uma doença inflamatória de longo prazo, que se caracteriza, grosso modo, por uma obstrução das vias respiratórias, causando falta de ar, dor toráxica e tosse. Eu nunca tive asma. Não tenho parentes ou amigos, (que me lembre agora, pelo menos), que tenham asma. Não tenho qualquer formação em medicina ou em qualquer área vagamente relacionada. E contudo, gostaria de deixar aqui o meu contributo para a questão da asma. É que a asma está relacionada com um outro assunto que me interessa muito, e por isso aqui vim parar. Esse assunto consiste no uso de produtos de origem animal na nossa alimentação. Este texto vai-se centrar, por razões de poupança de espaço e por relação ao ponto de partida, asma, nos lacticínios.

As questões relacionadas com nutrição têm que ser abordadas, por uma série de circunstâncias, com tacto e reflexão. Algumas destas circunstâncias incluem, mas não se restringem a: a) diferentes necessidades nutricionais de cada ser humano, devido à sua faixa etária, sexo, doenças de que sofra, etc. b) motivações externas à divulgação de factos concretos sobre o tema, como sejam razões económicas, agendas políticas ou corporativas, etc. c) mitos e preconceitos populares, enraizados muitas vezes nos próprios profissionais de saúde (inclusivamente nos próprios nutricionistas).

Assim, teremos que ter em conta que cada ser humano terá necessidades nutricionais específicas, não impedindo este facto de que sejam feitas tabelas nutricionais para grupos mais ou menos vastos e de que sejam definidas directivas gerais acerca dos nutrientes que precisamos. Por outro lado temos que ter sempre uma atitude crítica relativamente a qualquer informação relativa a este (como a muitos outros) assuntos: quem informa nem sempre procura servir a honestidade, podendo ter razões muito pouco éticas para difundir uma informação que seja falsa. Muitas vezes temos acesso a informação veiculada por organismos que são parte do problema, e não da solução, tornando as 'soluções' por estes apontadas, no mínimo, 'suspeitas'. Por fim, por muito bem intencionado que um técnico de saúde ou qualquer pessoa próxima de nós possa ser, o que é certo é que muitas vezes os seus conselhos podem advir de ideias pré-concebidas que pura e simplesmente estão erradas.

Um mito muito comum entre nós, e infelizmente entre a própria comunidade médica portuguesa, é a de que os alimentos de origem animal, sobretudo os lacticínios e os ovos, são essenciais e insubstituíveis e, no caso dos lacticínios, alimentos quase-perfeitos. A verificar-se tal facto, teríamos que incluir estes alimentos na nossa dieta, sob pena de ficarmos mal-nutridos, doentes. A verdade é que os produtos de origem animal têm de facto nutrientes vitais para o organismo humano, mas não são os únicos a tê-los. Na actual sociedade portuguesa, todos os nutrientes que necessitamos podem ser facilmente obtidos através de uma dieta livre de produtos de origem animal. Com isto não quero dizer que o leitor deva eliminar os lacticínios (ou qualquer outro alimento de origem animal): o leitor faz aquilo que bem entender, e ainda bem que assim é. A ideia é apenas a de informar um público já por demasiado tempo enganado em relação às virtudes dos alimentos de origem animal, ao mesmo tempo que lhes é sonegada informação relevante acercas dos problemas que estes alimentos acarretam.

Os alimentos de origem vegetal contém todos os nutrientes de que necessitamos em quantidades mais do que suficientes, com excepção da vitamina B12. Esta vitamina (também conhecida como cobalamina) não é de origem animal, como muitas pessoas acreditam, mas é antes produzida por microorganismos (leveduras, bactérias e algumas algas) que, na natureza, e regra geral, se encontram em animais (incluindo, sugerem alguns estudos, nos intestinos de alguns humanos). Contudo esta vitamina é também sintetizada em laboratório, e é precisamente aqui que os cereais de pequeno almoço, as margarinas e outros alimentos fortificados com B12 vão usualmente busca-la, tornando-se assim fontes fiáveis da vitamina. Os alimentos de origem animal são uma fonte válida de nutrientes que necessitamos, mas também é verdade que incluem muitos que fazem mais mal que bem. Os principais 'assassinos' dos ocidentais são as gorduras saturadas em excesso e o colesterol alimentar. Este último só existe em produtos de origem animal (é impossível ter problemas de colesterol com uma dieta 100% vegetariana).

Os lacticínios são tido pela maioria das pessoas como alimentos essenciais ao ser humano. A realidade, contudo, é bem diferente do pré-conceito. O leite e os seus derivados são fontes importantes de alguns nutrientes essenciais, como sejam proteínas, vitamina A, B12 e D (se bem que cada vez menos presente, pelo menos naturalmente) e cálcio. Por outro lado, tem gordura a mais (ou se a retiram na produção, lá vão também nutrientes importantes pelo ralo abaixo), é uma fonte importante de colesterol, não tem fibras, tem excesso de proteínas e pode mesmo ser responsável por osteoporose. A última afirmação vai certamente chocar a maioria dos leitores, mas a verdade é que há uma série de factos relacionados com os lacticínios que não são do domínio público porque os poderes instituídos não querem que assim seja. Os lacticínios têm excesso de gorduras, o que está directamente relacionado com doenças coronárias e com o cancro da mama (1). O consumo de lacticínios no início da vida de um ser humano pode aumentar o risco de Diabetes Insulino-dependente em crianças geneticamente susceptíveis (2), isto é, com um historial deste tipo de Diabetes na família. Por outro lado, crê-se que os lacticínios possam ser uma causa de anemia: são uma fraca fonte de ferro, inibem a absorção deste importante mineral e podem, no caso de sensibilidade ao leite, baixar o nível proteico do sangue, levando ao aparecimento da doença. Por fim, a questão da osteoporose: é-nos dito constantemente (muitas vezes pela indústria dos lacticínios) que precisamos de leite e/ou dos seus derivados para termos ossos fortes e para prevenir a osteoporose. É verdade que precisamos de cálcio, e é verdade que os lacticínios contém grandes doses deste importante nutriente, mas o que não nos dizem é que a ingestão de leite pode na realidade aumentar a perca de cálcio. Os países onde mais se consomem lacticínios são precisamente aqueles onde existem maiores taxas de doentes de osteoporose. Porque será? Os Estados Unidos são o melhor exemplo que se pode dar: a América têm uma das mais altas taxas de fractura da bacia do mundo, o que está directamente relacionado com a osteoporose e com a dieta. Por outro lado os americanos são um dos povos que consome mais lacticínios e proteínas de origem animal. E é aqui precisamente que se encontra o problema: o excesso destes alimentos aumenta a taxa de excreção de cálcio pela urina e fezes, a verdadeira causa dos problemas de ossos da maior parte dos americanos. Esta relação entre excesso de proteínas (sobretudo de origem animal) e a perca de cálcio está bem marcada. Um estudo, por exemplo, comparou dois grupos de teste: um deles ingeriu 142g de proteína e 1400mg de cálcio por dia (quando a necessidade média de um adulto é, crê-se, de 800mg); o outro ingeriu 500mg de cálcio e 48g de proteína. Ao contrário do que se poderia esperar, o primeiro grupo acusaram um balanço negativo de cálcio enquanto que o segundo acusava um balanço positivo (3). Assim, apesar de serem uma boa fonte de nutrientes essenciais, os lacticínios acabam por demonstrar ser uma aposta pouco atractiva para a nossa alimentação, tendo em conta a factura a pagar. Uma questão coloca-se agora, ao leitor atento: 'onde vou eu então arranjar o cálcio de que necessito?' As melhores fontes de cálcio nos alimentos vegetais são precisamente a fonte de cálcio das vacas: os vegetais de folha verde. No nosso caso, as couves, os espinafres, brócolos, agriões, couve de Bruxelas, nabiças, etc. Por outro lado os figos secos, as leguminosas, os frutos secos, a soja, as sementes de sésamo, algumas algas e melaço são também fontes interessantes de cálcio. Por outro lado, e pensando na questão prática dos nossos hábitos alimentares (pequeno almoço, receitas onde os lacticínios são usados, etc.) as notícias são também boas: existem no mercado uma série de produtos feitos à base de soja (e não só) como sejam 'leite' 'iogurtes', 'gelados', 'natas', margarinas, etc., que substituem os lacticínios a nível prático e, em vários casos, a nível nutricional, tendo em conta que um aporte de cálcio é adicionado a vários destes produtos. Em relação aos recém-nascidos, como vimos, a questão não só se mantém como se agudiza: a maior parte dos humanos nasce intolerante à lactose (4) - o açúcar do leite - e uma série de problemas infantis advém do facto, sendo as alergias, a asma e as congestões nasais crónicas apenas parte delas. As crias humanas, os nossos bebés, necessitam nos primeiros meses do alimento "perfeito" que a natureza nos deu: o leite materno, fonte de nutrientes na dose certa e de defesas para o bebé. Aliás, um leite materno proveniente de uma mãe que evitou os alimentos de origem animal durante a gestação contém doses muito menores de metais pesados, antibióticos e outros 'maus da fita' que são passados ao bebé. Também para a grávida é, assim, uma boa ideia evitar os alimentos de origem animal. Quando o leite da mãe se revela insuficiente (ou inexistente) a ciência entra em auxílio da natureza, e fornece fórmulas não-lácteas que tentam, tal como as lácteas, colmatar as necessidades nutricionais do bebé, sem incluir os problemas associados a estas últimas. Como afirmou o Dr. Michael Kapler, um nutricionista americano, "precisamos tanto de leite de vaca como precisamos de leite de cadela, leite de girafa ou leite de égua".

No princípio deste texto, já por demais extenso, afirmei que temos que ter um sentido crítico apurado e não acreditar em tudo o que lemos. Por outro lado, e em minha defesa, posso afirmar que não represento nem sou apoiado por qualquer instituição com interesses no assunto. Sou uma pessoa como outra qualquer, que apenas quer o melhor para si e para os seus. Por outro lado é verdade que considero que existem razões éticas que nos devem levar a repensar a nossa relação com os animais, para o caso (mas não exclusivamente), a criação intensiva de animais para a nossa alimentação. Contudo, isto não me levaria a adoptar um estilo de vida livre, na medida do possível, de alimentos de origem animal se existisse uma necessidade real da sua utilização, como é o caso dos esquimós, por exemplo. Daí que ao invés de lhe dizer que deve fazer isto ou aquilo, caro leitor (com ou sem problemas relacionados com a alimentação), sugiro que tente uma alteração na sua dieta, e que comprove os resultados. E já que estamos no dia internacional da asma, sugiro a quem sofre esta doença, um mês sem lacticínios (mas com doses adequadas de alimentos alternativos, como os referidos acima): quem sabe se não se sentirá melhor.

Para informações adicionais ou comentários que queira fazer, por favor, contacte: homero@ubi.pt

notas:

(1) - Steve Carper. "Milk is not for Every Body". New York, NY: Facts on File; 1995: 11. [ voltar ao texto ]
(2) - Gerstein, H.C. "Cow's Milk exposure and type I diabetes mellitus". Diabetes Care. 1993; 17:13-19. Isto deve-se ao facto de que os bebés poderão produzir anticorpos à proteína do leite que destrói células pancreáticas responsáveis pela produção de insulina, indispensável à saúde humana. Foi efectuado um estudo a crianças até aos 14 anos no qual se descobriu que o consumo de leite de vaca ao longo da infância estava associado a uma duplicação do risco de diabetes - Fava D, Leslie R.D.G, Pozzilli P., "Relationship between dairy product consumption and incidence of IDDM in childhood in Italy", Diabetes Care. 1994; 17: 1448-1490. [ voltar ao texto ]
(3) - Linkswiler HM, Zemel MB, Hegsed M, Schuette S. "Urinary calcium and calcium balance in young men as affected by level of protein and phosphorous intake". Journal of Nutrition, 1981;111: 553-562. [ voltar ao texto ]
(4) A lactose é desconstruída no nosso corpo por uma enzima chamada lactase. Visto que os nossos corpos, como o de qualquer mamífero, não necessitam do leite materno para lá dos primeiros anos de vida, acabaram, historicamente, por parar de produzir lactase, ou produzi-la em pequena escala. Virtualmente todos os vietnamitas, praticamente todos os índios americanos, mais de metade dos negros e cerca de 20 por cento dos brancos são assim intolerante à lactose, donde decorrem os problemas dos recém-nascidos tomados como 'incontornáveis': cólicas, diarreia, choro prolongado e, nos piores casos, asma, problemas respiratórios e alergias. [ voltar ao texto ]