João Alves e Céu Lourenço
NC/Urbi et Orbi



Para Jorge Patrão, mudar as regras de construção da Auto-Estrada pode ser dramático para o turismo

Portagens, não. É esta, em suma, a posição de algumas destacadas personalidades da política regional, autarquias, instituições e empresas quanto à possibilidade da Auto-Estrada da Beira Interior se vir a transformar numa estrada com portagens reais.
Recorde-se que quando se deu início à reconversão do IP2 numa Auto-Estrada, o Governo socialista liderado por António Guterres optou então por adoptar o sistema de SCUT (Sem Custos para o Utilizador) para aquela via, como acontece noutros locais do País, como por exemplo no IP5, que ao ser transformado em Auto-Estrada também passou para a concessão da LUSOSCUT. Na Beira Baixa, a SCUTVIAS passou a explorar e manter este troço, sob o sistema de portagens virtuais. Ou seja, o Estado pagaria à empresa por cada automóvel que ali passasse. E no IP5, o mesmo aconteceria. Só que, agora, o Ministro das Obras Públicas, Valente de Oliveira, mostra a intenção do Governo em acabar com este tipo de portagens virtuais. Segundo o Ministro, não serão construídos novos troços através deste método de financiamento e os actuais poderão vir a ser pagos. Em declarações ao DN, Valente de Oliveira afirma que "quando vemos a avalanche de compromissos financeiros que está para vir, o problema que se levanta é saber se não teremos de passar de auto-estradas sem custos para algum pagamento por parte dos utilizadores".
Esta intenção do Governo, no entanto, parece estar a criar um clima de revolta na Beira Interior. A Região de Turismo da Serra da Estrela (RTSE), no dia 16, escreveu ao Ministro das Obras Públicas contestando tal decisão. O presidente da RTSE, Jorge Patrão, pede a Valente de Oliveira que "não considere como hipótese a transformação da Auto-Estrada da Beira Interior numa via com portagem". É que, segundo Patrão, é muito diferente promover turisticamente regiões do Interior e Litoral. O presidente da RTSE recorda que a Serra da Estrela tem agora em curso investimentos essencialmente privados orçados em 150 milhões de euros, e muitos deles foram equacionados em função de "um eixo rodoviário desde sempre anunciado sem portagens. Mudar agora as regras da sua construção pode tornar-se dramático". Jorge Patrão recorda que a discriminação positiva "sempre foi considerada desde o tempo em que o senhor Ministro Ferreira do Amaral inaugurou os lanços Torres Novas- Abrantes e Castelo Branco-Gardunha". O presidente da Região de Turismo diz que, em breve, haverá entre a Guarda e Lisboa uma acessibilidade "historicamente revolucionária", que abrirá novos horizontes ao Interior. E cita o exemplo da Espanha em que existem dois modelos de auto-estrada, a auto-pista com portagem e autovia, sem portagem. Jorge Patrão lembra "os enormes índices de desigualdade no desenvolvimento económico entre Litoral e o Interior. Mesmo dentro da Região Centro essa dicotomia é tão clara que a partir de 2006 a parte litoral desta região pode fazer arrastar a Interior para fora dos quadros de Apoio Comunitário".

"Uma grande injustiça que não aceitaremos"

Também o presidente da Câmara de Castelo Branco, o socialista Joaquim Morão, já se manifestou contra esta medida. Para o autarca albicastrense, caso se confirme o pagamento de portagens, "não merecemos isso". Morão relembra que esta é uma grande obra para o Interior, que no início não previa qualquer pagamento para os utilizadores. Por isso, considera que se está a cometer "uma grande injustiça, a qual não aceitaremos a ânimo livre. O País pode ter problemas, mas não teremos de ser nós a pagá-los". O autarca salienta que o Interior precisa de continuar a desenvolver-se, pelo que a Auto-Estrada sem portagens é condição indispensável.
Também o presidente do Associação Empresarial da Região de Castelo Branco (NERCAB), Luís Veiga, afirma que "isto é uma infâmia perante todas as expectativas que foram criadas aos empresários da Beira Baixa, relativamente a uma Auto-Estrada que, em princípio, seria um factor de competitividade no Interior do País". Luís Veiga diz que o Governo está a impôr uma medida "sem pensar", pois a Auto-Estrada até está a ser construída em sítios em que "acumula, por vezes, troços antigos da estrada nacional. Portanto, ter-se-ia que fazer sempre uma estrada alternativa em muitos quilómetros para se poder criar portagens reais na Auto-Estrada. Não aceitaremos qualquer tentativa de impôr a portagem" afirma Luís Veiga.
Já o Bloco de Esquerda, em Castelo Branco, manifesta a sua "perplexidade perante as recentes afirmações do Ministro das Obras Públicas". Para o BE tais afirmações não têm outra intenção que não seja "preparar a opinião pública para a inevitabilidade de uma decisão que, a ser tomada, representará um rude golpe para as já desfavorecidas regiões do Interior". Os bloquistas dizem que, caso se confirmem estas decisões, o PSD trairá os seus eleitores e que o pagamento de portagens ainda é mais grave por não existirem alternativas ao nível dos transportes públicos, à utilização da Auto-Estrada. "O agravamento do custo de circulação naquela via terá consequências graves no tecido produtivo regional e na captação de investimento" explica o Bloco, que desafia os deputados do PSD a pronunciarem-se sobre as intenções do Ministro Valente de Oliveira.
Quanto ao presidente da Câmara de Belmonte, Amândio Melo, não há dúvidas: "se o senhor Ministro disse isso, então disse muito mal. Pelos vistos, não há investimentos para a Beira Interior". O autarca belmontense diz que não pode concordar, "de maneira nenhuma", com esta medida, uma vez que este é mais um factor negativo para a região. "Andamos nós a tentar, por todos os meios, a localização de empresas. E nisso, todos os incentivos não são de mais" explica o autarca.
Numa altura em que o concelho de Belmonte vive com a crise nas confecções, com situações de falência que já deixaram alguns trabalhadores no desemprego, Amândio Melo salienta que este pagamento "vai interferir negativamente nas empresas. Queremos incentivos reais. Se não houvesse pagamento de portagens, esse seria um".

 

 




Para o vice-presidente da Câmara da Covilhã, Alçada Rosa, o PS "é o grande culpado dos problemas que estamos a viver

Câmara diz que irá defender os interesses da Covilhã
"Estamos agora a pagar o clima de festa e irresponsabilidade"
- Afirma Alçada Rosa


João Alves e Carla Loureiro
NC/Urbi et Orbi


Também na sessão de Câmara da Covilhã da passada sexta-feira, 17, o tema "Portagens Reais" dominou as atenções. Para o vereador socialista Miguel Nascimento, esta questão "deve mobilizar toda a região. Todas as pessoas de bom senso devem entender que esta medida, a ser aplicada, vai prejudicar o Interior e cimentar ainda mais as assimetrias". O vereador socialista salienta que acabar com este tipo de discriminação positiva é penalizar o Interior, que "não deve pagar pelos deslizes orçamentais que provavelmente existam a nível nacional. Espero que a Câmara venha a defender a posição no sentido de não se alterarem as regras do jogo que estão instituídas. Acredito que vai defender a região e os covilhanenses" afirma Miguel Nascimento.
Já o vice-presidente da autarquia covilhanense, Alçada Rosa, garante que a Câmara irá defender intransigentemente os interesses da Covilhã e da região, embora refira que é legítimo o Governo querer saber quanto custam as SCUTS. "A hipocrisia das pessoas que lavam as mãos daquilo que fizeram anteriormente é que conduz a esta reflexão obrigatória" salienta o social-democrata, que se mostrou escandalizado com algumas declarações proferidas por Jorge Patrão e Miguel Nascimento, a uma rádio local, porque "tanto quanto li, não há decisão nenhuma. Senti que havia a tentativa de aproveitamento de uma coisa que me parece perfeitamente legítima: saber quanto é que as coisas custam. Estamos agora a pagar o clima de festa e irresponsabilidade".
Alçada Rosa afirma que o Interior merece que não se paguem portagens, pois "para termos condições de igualdade, temos que ter essas pequenas compensações. Mas não alinho nesta desresponsabilização que o PS está a assumir. É o grande culpado de nós estarmos a sofrer os problemas que já estamos a viver"






Sócrates acusa PSD de "fraude eleitoral"

Sócrates garante que "se o Governo quer guerra com o Interior, vai tê-la"


O deputado socialista e ex-ministro do Ambiente, José Sócrates, acusa o PSD, bem como os deputados deste partido eleitos pelo distrito, de terem cometido uma "fraude eleitoral". "Alguém ouviu dizer, durante a campanha eleitoral, falar de tal medida? Isto foi um engano. Fizeram as coisas sem dizer, o que revela cobardia. Nós temos intenção que não levem as coisas por diante" afirma José Sócrates.
O deputado relembra que a intenção do PS, ao não atribuir pagamento de portagens na Auto-Estrada, era contribuir para a coesão social do País. Só que, agora, "O Governo pretende tirar o que o Interior já tinha. É um recuo muito assinalável na política do País e uma péssima estreia do Governo no Interior. A única coisa que revela é que decidiu lutar contra o Interior" afirma Sócrates, que classifica esta medida de injusta e discriminatória. E o deputado deixa ainda a ameaça: "Se querem guerra com o Interior, vão tê-la".
Numa reunião que contou com a presença de autarcas do distrito eleitos pelo PS, o deputado Fernando Serrasqueiro lembrou alguns investimentos que o partido fez no Interior. "Se não tivéssemos avançado com o gás natural, se calhar agora questionava-se. E a Faculdade de Medicina, se calhar, também não vinha para a Covilhã" afirma o deputado. Fernando Serrasqueiro diz que o Governo está a proceder a uma inflexão contra o Interior, que implica mais custos, pois é preciso fazer portagens. E lembra uma norma comunitária que estabelece a obrigatoriedade de haver uma estrada alternativa lado a lado com a Auto-Estrada, o que "implica mais custos, pois é preciso manter a estrada nacional transitável". Para além disso, pergunta se os autarcas do Pinhal estarão dispostos a pagar um IC8 com portagem e reafirma que "o PSD não faz, tira-nos".
Para o dia 3 de Junho está marcada, em Castelo Branco, uma cimeira de deputados e autarcas socialistas dos três distritos que podem ser afectados por tal medida, ou seja, Castelo Branco, Guarda e Santarém. José Sócrates, no entanto, espera que "haja uma reacção dos deputados do PSD, que se oponham a esta medida. Se não o fizerem, estão a violar aquilo a que se comprometeram. Estarão a ser cúmplices de uma fraude".