Catarina Tomás

Futebol, Tugas e as condicionalismos sócio- históricos


Quando a maioria da população esteve (mais) preocupada com a exibição dos Tugas no Mundial, será certamente esta a melhor altura para fazer referencia à obra de João Nuno Coelho, "Portugal - A Equipa de Todos Nós. Nacionalismo, Futebol e Media". Nas mais de duzentas páginas, o autor aborda o fenómeno da construção da identidade nacional, através dos mecanismos difusos ou banais que quotidianamente reproduzem uma ideia de nação. Pela análise do modo como os jornais desportivos, especificamente quando se referem à selecção nacional, se transformam em agentes efectivos de uma mediação simbólica que solidifica no senso comum uma específica concepção de Portugal. Coelho circunscreve a discussão sobre a nação a um problema de luta pelas representações colectivas. Contudo, terá certamente que se analisar um determinado estilo de jogo não só nos seus processos internos (como a cultura táctica) mas também nas relações do futebol com a evolução da realidade social de um país. As identidades são construções relativamente estáveis num processo contínuo de actividades sociais baseando-se, em grande parte, em padrões arquétipos de comportamento. Estas surgem da necessidade de controlo dos indivíduos e/ou grupos do meio em que se insere(m) e durante períodos de conflitos , divergências e lutas.
É consensual a ideia que no jogo contra os EUA os Tugas tiveram uma má exibição (jogando muito bem contra a selecção polaca e contra a Coreia...onde perdemos, injustamente!). Muitos afirmaram que se deveu "à falta de atitude", convencidos que os outros, neste caso os americanos, eram uma equipa fácil de vencer. A verdade é que ao Tuga as coisas raramente correm como previsto, sobretudo porque nunca tem nada previsto, mas apesar disso não se atrapalha e arranja uma maneira de contornar a situação. Muitas vezes as soluções encontradas não são as melhores, mas certamente serão as mais originais. Segundo o artigo de Frederico Kuhl de Oliveira "Arte e Manha de Ser Português", os portugueses são, de uma maneira geral, um povo desenrascado. Já no século XVI, no livro A Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, o "pobre de mim", que foi um dos maiores Tugas da nossa história, semeava a confusão por terras asiáticas e escapava sempre à última da hora com um esquema imaginado à pressão. Porque seremos assim? Devido à tradição portuguesa; ao facto de que em Portugal, nunca termos tido um Estado-Providência forte (que surgiu como uma estratégia de desenvolvimento que nasceu não como resultado de uma acumulação de capital, mas sim como resultado de um processo político, não havendo uma interiorização dos direitos sociais por parte da sociedade civil), mas uma Sociedade- Providência forte (redes de relação através dos quais os grupos sociais trocam bens e serviços numa base não mercantil); para executar as políticas sociais, o Estado criou várias estruturas administrativas. Contudo, a proliferação burocrática do mesmo teve como resultado uma difícil coordenação central da actividade administrativa do Estado, daí que muitos autores denominem este aspecto de "contingência burocrática" (Handler, 1978), baseado na ideia de que o crescimento da burocracia está associado à ineficácia dos serviços públicos; herança do catolicismo que ajudou a fomentar um espírito despreocupado em relação à vida quando comparado com o calvinismo dos países anglo-saxónicos (tradição weberiana), onde se fazia uma verdadeira apologia ao trabalho; e o atraso com que a modernidade chegou a Portugal, serão alguns dos factores que poderão explicar a nossa identidade, que mesmo que seja abstracta ela é real.