António Fidalgo

Os póssamos


Podem ser jogadores de futebol, estudantes universitários, políticos em ascensão, e até membros de organismos estatais, os póssamos encontram-se bem disseminados por toda a sociedade, mas sobretudo nas gerações mais novas, depois das magnas conquistas da educação terem banido tabuadas, reguadas e gramática das escolas primárias. Para não se traumatizar as crianças com matérias chatas e aborrecidas, ficaram sem saber conjugar os verbos e a não perceber patavina de conjuntivos, perifrásticas, mais-que-perfeitos compostos, etc. Os póssamos são o produto apurado desse facilitismo educativo, e contam-se hoje até em pessoas de educação superior (!?), em licenciados, mestres e até em doutores.
Os póssamos são os que dizem "póssamos", "para que póssamos fazer isto e aquilo", em vez de "possamos'. São os mesmos que dizem "para que tênhamos" em vez de "tenhamos", "fáçamos" em vez de "façamos" e por aí adiante. Os póssamos também trocam o "veio" por "viu" e nos espetam na cara com um "foi então que o fulano interviu".
Há queixas de que se cometem demasiados erros ortográficos, mas aqui são erros de conjugação e pronúncia, que se apanham quando alguns abrem a boca e não entra mosca. O mais cómico é que por cima a televisão, a televisão das grandes audiências, tem um fraquinho especial pelos póssamos. Entrevista-se uma pessoa no estúdio ou na rua e lá vem um póssamo. Parece que a televisão tem uma queda especial para a asneira. E claro, como não se há-de ficar arrepiado com isto, se é o povo que faz a língua? Qualquer dia passamos todos obrigatoriamente a póssamos e a tênhamos, porque assim o institui a televisão que faz de povo nas nossas sociedades mediatizadas.
Escreve-se mal português e também se fala mal português. O bem estar social nivelou as pessoas nos vestidos, mas infelizmente não debelou a profunda fractura entre quem tem e não tem cultura. O ensino até se democratizou e hoje todos têm acesso à escola e Portugal tem das frequências universitárias mais elevadas. Mas depois apanhamos com os póssamos e os tênhamos. A maior parte deles não têm consciência da enormidade que cometem. Que havemos de fazer com um senhor doutor ou engenheiro, engravatado, montado em carro caro, com gravata de seda, a disparar-nos 'póssamos' e 'tênhamos" para cima e que "interviu" no último congresso do seu partido? O dito senhor não se dá conta de que um "póssamos" é muito mais foleiro do que uma gravata berrante ou umas meias brancas em fato preto. Corrigi-lo não é lá muito bonito, e pode ser pouco caridoso.
O mal tem de ser cortado pela raiz: aprender gramática a tempo e horas, isto é, na escola primária. Tal como a tabuada. Quanto ao método das reguadas, talvez deixasse menos traumas nas criancinhas do que os traumas que nos infligem agora os póssamos, os tênhamos e os fáçamos.