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                       Urbi@Orbi - Como é que nasceu a paixão 
                        pela representação? 
                        Marcantonio Del-Carlo- A minha paixão pelo 
                        teatro nasceu por acaso. Acabei o liceu e entrei no curso 
                        de Direito, mas como este não me fascinou, optei 
                        por desistir. Mais tarde, tive conhecimento, através 
                        de um amigo, que havia exames para o Conservatório 
                        e então decidi inscrever-me no curso de actores, 
                        mas sem nunca pensar fazer do teatro a minha profissão. 
                        Talvez tenha entrado porque fiz os exames sem a preocupação 
                        de agradar, sem qualquer tipo de pressão. Assim, 
                        foi com grande espanto que recebi a notícia de 
                        que tinha agradado. Como não queria ser actor, 
                        fui ao primeiro dia de aulas com o intuito de anular a 
                        matrícula, mas acabei por não o fazer porque 
                        comecei a gostar do ambiente. No meu tempo o Conservatório, 
                        situado no Bairro Alto, englobava as escolas de Música, 
                        Teatro, Dança e Cinema, o que proporcionava momentos 
                        de boa disposição, nomeadamente na cantina, 
                        onde se viam pessoas a dançar, a recitar, a gravar 
                        e a tocar instrumentos. Por tudo isto optei por ficar 
                        e a paixão foi crescendo cada vez mais. 
                      U@O - Como foi a evolução da sua carreira 
                        profissionalmente? 
                        MDC - A minha actividade começou no Teatro 
                        Experimental de Cascais em 1989. De seguida estive cerca 
                        de seis anos no Teatro da Malaposta, passando depois uma 
                        temporada no Teatro da Cornucópia. Quando o Ricardo 
                        Pais assumiu a direcção do Teatro Nacional 
                        de São João, aceitei o convite para integrar 
                        o elenco, permanecendo aí dois anos. De regresso 
                        a Lisboa, tenho trabalhado em projectos meus e simultaneamente 
                        em várias Companhias.  
                       
                        U@O - Ultimamente tem mostrado uma certa apetência 
                        para escrever e encenar peças. Considera-se também 
                        argumentista e encenador? 
                        MDC - Não me considero nem uma coisa nem outra, 
                        acima de tudo sou actor. Costumo dizer que as minhas coisas 
                        acontecem por acaso, como sucedeu com dois textos que 
                        escrevi há três anos e que acabaram por se 
                        tornar peças teatrais. De uma forma um pouco inesperada 
                        acabei por ser eu a encená-las. Relativamente aos 
                        argumentos que faço, é também por 
                        acaso que surgem as ideias que escrevo quando tenho algum 
                        tempo livre, acabam por se transformar em peças 
                        ou argumentos. Não tenho qualquer tipo de preocupação 
                        em agradar os outros, pois escrevo apenas para mim. Tenho 
                        imensa sorte das pessoas gostarem dos textos que escrevo 
                        e de os utilizarem em peças teatrais, mas daí 
                        a considerar-me argumentista ou encenador vai uma grande 
                        distância. Contudo, admito que nos últimos 
                        projectos que fiz em teatro, exista um grande cunho pessoal, 
                        tanto na produção como na encenação, 
                        nomeadamente no mais recente, "Recitália", 
                        em que contracenei com o André Gago. Porém, 
                        este nunca é o meu primeiro objectivo.  
                      U@O - Escreveu o argumento de "Amor Perdido", 
                        um telefilme que a SIC exibiu recentemente. Como é 
                        que surgiu a ideia? 
                        MDC - A ideia surgiu a partir de um artigo de jornal 
                        que li há uns anos atrás, que contava uma 
                        história de amor entre um homem de alguma idade 
                        e uma adolescente. Como é uma história muito 
                        habitual no meio urbano, decidi escrever algo que tivesse 
                        a ver com isso. Comecei por fazer uma sinopse e depois 
                        três cenas e, mais tarde, terminei a primeira versão 
                        da história com o nome "Até ao fim". 
                        Na mesma altura, participei no primeiro telefilme da SIC, 
                        "Amo-te Teresa", e por mera brincadeira o realizador 
                        Ricardo Espírito Santo, leu a minha história 
                        e aconselhou-me a propô-la para um dos filmes da 
                        SIC. Gostaram do que viram e pediram-me para reescrevê-la 
                        com o intuito de a poderem produzir. Eu e o João 
                        Nunes, que escreveu o argumento comigo, decidimos chamar-lhe 
                        "Amor Perdido". 
                         
                       
                      
                         
                           
                             
                               "A arte faz-se pelos 
                              artistas e não em corredores de ministérios" 
                           | 
                           
                             
                              
                               
                               
                              "Cada produção 
                              do ARTEC é uma viagem que fazemos e que só 
                              acaba no último dia de espectáculo" 
                               
                           | 
                         
                       
                        
                      U@O - Dirige o ARTEC, grupo de teatro da Faculdade 
                        de Letras da Universidade de Lisboa, desde 1994. Como 
                        é que surgiu o projecto? 
                        MDC - O ARTEC nasceu após a realização 
                        de um workshop de teatro orientado por mim e pelo João 
                        Lagarto. No seguimento desta experiência e do trabalho 
                        inerente a ela, foi encenado um espectáculo no 
                        ano seguinte, cuja dramaturgia foi criada pelos alunos 
                        seleccionados após esse workshop. A forma alegre 
                        e empenhada como decorreu esse espectáculo resultou 
                        numa enorme vontade para continuar este projecto, que 
                        ao longo dos tempos se foi fortalecendo. O ARTEC é 
                        composto por um conjunto de actores fixos e todos os anos 
                        fazemos um workshop, em que se escolhem mais quatro ou 
                        cinco elementos para integrar o grupo. Este tem uma característica 
                        muito singular que é escrever sempre o que faz, 
                        até porque não tem muito sentido um grupo 
                        de teatro universitário estar a fazer coisas de 
                        outras pessoas. No entanto, sempre que tal acontece, temos 
                        o cuidado de as reescrever e todos os nossos processos 
                        de criação das peças começam 
                        aí, no acto da escrita, das ideias. À medida 
                        que vamos fazendo os nossos espectáculos, vamos 
                        introduzindo pequenas alterações que achamos 
                        relevantes. Cada produção do ARTEC é 
                        uma viagem que fazemos e que só acaba no último 
                        dia de espectáculo.  
                      U@O - Ao olharmos para peças como "As 
                        máscaras da merda ou a explicação 
                        das letras" e "A Branca de Neve e o Anão 
                        Esquizofrénico" constatamos que se tratam 
                        de peças muito divertidas e criativas. É 
                        esse o objectivo do ARTEC? 
                        MDC - Eu no teatro não gosto de máximas. 
                        Dou muita formação ao longo do ano e uma 
                        das coisas que digo sempre aos meus alunos é que 
                        a minha verdade não é absoluta, é 
                        tão válida como a verdade dos outros. Se 
                        pensarmos que pessoas como Van Gogh ou Fernando Pessoa 
                        morreram na miséria e só foram reconhecidos 
                        séculos depois, verificamos que não existem 
                        máximas. Não sei o que o ARTEC deve ou não 
                        fazer, o que sei é o que gostamos de fazer. Os 
                        nossos espectáculos têm um cunho sempre divertido 
                        e criativo, mas nunca queremos dar máximas a ninguém, 
                        porque nestes espectáculos fizemos assim, mas daqui 
                        a dois anos poderemos vir a fazer de outra maneira.  
                      U@O - Qual é a principal diferença entre 
                        os grupos de teatro universitários e os grupos 
                        de teatro profissionais? 
                        MDC- Não conheço assim tantos grupos 
                        de teatro universitário. Acho que se pode distinguir 
                        o teatro amador do teatro profissional de uma única 
                        forma: o teatro profissional é a vida das pessoas 
                        que nele trabalham e elas vivem para isso, enquanto que 
                        no teatro amador, as pessoas disponibilizam algum do seu 
                        tempo livre para fazer teatro. Se tiver que apontar uma 
                        diferença, ela vai no sentido do que se faz dele, 
                        ou seja, uma profissão ou um passatempo. 
                      Urbi@Orbi - A sua mais recente peça, "Recitália", 
                        em que contracena com André Gago, tem conhecido 
                        muito sucesso. Como é que surgiu a ideia? De que 
                        trata a história? 
                        MDC - Nós somos amigos há muitos anos 
                        e queríamos fazer um espectáculo juntos, 
                        jogando com a minha ascendência italiana e com a 
                        ascendência portuguesa dele. Decidimos juntar ideias 
                        que fomos tendo ao longo de três anos e que resultaram 
                        na encenação de "Recitália". 
                        Esta vive de uma série de histórias comuns 
                        aos dois países que são resultado dos cruzamentos 
                        que Itália e Portugal tiveram ao longo da História 
                        e que nós adaptámos ao teatro de uma forma 
                        divertida. O pressuposto são dois cozinheiros, 
                        um português e outro italiano que defendem a superioridade 
                        da cozinha do respectivo país. Além disso 
                        o nosso cenário é completamente biodegradável, 
                        pois é constituído por legumes que compramos 
                        no mercado. O espectáculo estreou em Guimarães, 
                        passou por Santo Tirso e pelo festival do Seixal e só 
                        depois viemos para Lisboa. De início, previmos 
                        actuar durante quinze dias, mas como a receptividade do 
                        público superou as nossas expectativas, esse período 
                        prolongou-se até aos quatro meses, sempre com lotação 
                        esgotada. Um aspecto curioso é o facto de não 
                        termos concorrido a qualquer subsídio e sermos 
                        um dos espectáculos com mais itinerância 
                        por todo o país.  
                      U@O - Há vários actores que dizem que 
                        o Teatro em Portugal não está de boa saúde. 
                        Partilha da mesma opinião? 
                        MDC - Esse tipo de discussões não me 
                        interessa. A arte faz-se pelos artistas e não em 
                        corredores de ministérios. O poder político 
                        gosta de falar em arte mas nunca a faz. Quem faz a arte 
                        são os actores e só quando os criadores 
                        não tiverem nada para dizer ou criar é que 
                        o teatro estará mal. O problema poderá estar 
                        no facto de o poder político não financiar 
                        determinado espectáculo e eu não ter dinheiro 
                        para o realizar, mas se me preocupar com isso, nunca mais 
                        faço teatro. As discussões sobre a situação 
                        do teatro e sobre o dinheiro que o Estado investe no teatro 
                        não me interessa. É uma discussão 
                        para burocratas, ministros e críticos. O que me 
                        chateia é o facto de toda essa panóplia 
                        viver de nós, mas nunca olhar para nós. 
                        Se não fossem os actores, músicos, coreógrafos 
                        e bailarinos, não haveria críticos, IPAE 
                        e Ministério da Cultura.  
                       
                      
                         
                           
                             
                               
                                 
                               
                              
                              "...não vale 
                              a pena tirar um curso para ir para o desemprego" 
                           | 
                           
                               
                              O actor prefere o teatro ao cinema ou à televisão 
                           | 
                         
                       
                      U@O - Uma vez que também faz cinema, quais 
                        são as principais diferenças que existem 
                        entre o actor de teatro e o de cinema? 
                        MDC - A essência do trabalho do actor é 
                        a mesma, o que varia é a técnica. No caso 
                        do cinema, nunca se sabe se o plano é fechado ou 
                        aberto e o que vai ser aproveitado na edição. 
                        Além disso, o tempo é muito limitado por 
                        questões orçamentais, enquanto que no teatro 
                        dispomos de muito mais tempo para ensaiarmos as peças, 
                      U@O - O que prefere fazer: cinema, teatro ou televisão? 
                        MDC - Eu gosto das três áreas, mas dou 
                        preferência ao teatro porque foi lá que nasci 
                        como actor. Além disso, o teatro é uma arte 
                        nobre onde me reciclo e reencontro como criador. Enquanto 
                        que no cinema e na televisão o trabalho do actor 
                        depende muito da câmara, do microfone e do editor, 
                        no teatro o trabalho depende mais de mim, nomeadamente 
                        nestes últimos quatro anos em que integrei vários 
                        projectos de teatro, onde reescrevo espectáculos. 
                      U@O - A Universidade da Beira Interior vai abrir em 
                        2003 um curso de cinema. Considera fundamental existirem 
                        escolas de formação neste campo?  
                        MDC - Acho que há uma coisa muito importante 
                        e que o Ministério da Educação deveria 
                        pensar, que é o mercado de trabalho. E pensar muito 
                        a sério! A solução não passa 
                        apenas por criar novos cursos, mas por perceber se esses 
                        cursos vão ter saídas profissionais. Neste 
                        caso concreto, a grande questão que se coloca é 
                        a seguinte: que cinema se faz em Portugal? Se se pensar 
                        que em Espanha se fazem 150 filmes por ano, excluindo 
                        as curtas-metragens e as séries em película, 
                        aí sim, faz sentido haver cada vez mais cursos. 
                        Em Portugal, isso não acontece pois fazem-se apenas 
                        três ou quatro filmes, em média, por ano. 
                        Apenas num bom ano se conseguem fazer seis longas-metragens 
                        e actualmente umas sete curtas, mas como é raro 
                        haver bons anos... Volto a frisar que o Ministério 
                        da Educação deveria pensar o mercado de 
                        trabalho e, nesse sentido, arranjar trabalho para os futuros 
                        licenciados nesse curso de cinema, porque não vale 
                        a pena tirar um curso para ir parar ao desemprego. E, 
                        de facto, não há trabalho no cinema em Portugal. 
                        Conheço empresas que sobrevivem, porque fazem filmes 
                        franceses e a equipa é sempre a mesma. Por isso 
                        é que eu digo que o Ensino Superior não 
                        deve ser conduzido apenas em termos ideológicos, 
                        mas sim em termos de mercado de trabalho.  
                      U@O - Pode-se então dizer que a sua perspectiva 
                        acerca do ensino em Portugal é negativa. É 
                        assim? 
                        MDC - Não é negativa porque para o ser, 
                        tinha que generalizar muito e dizer que está tudo 
                        mal. Numa altura em que se discute a reestruturação 
                        do ensino em Portugal, o meu ponto de vista, que pode 
                        estar errado como outro qualquer, é o de que essa 
                        reestruturação não deve passar por 
                        mudar cursos, horários, coisas práticas. 
                        Acho que toda a filosofia do ensino deveria ser modificada 
                        e para isso é necessário ter uma grande 
                        coragem política, coisa que na minha perspectiva, 
                        nunca ninguém terá. 
                      
                         
                           
                             
                               "Não sou daquelas 
                              pessoas que sonha com o facto de ser conhecida" 
                           | 
                           
                             
                              
                               
                               
                              "Prefiro viver o dia a dia e pensar sempre 
                              o presente" 
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                      U@O - Que projectos tem para o futuro? 
                        MDC - Tenho tantos... Mas não gosto de pensar 
                        no dia de amanhã. Há pouco tempo participei 
                        num filme francês, de que não estava nada 
                        à espera, vou ser a voz de uma campanha de whisky, 
                        que também não esperava. Vou dobrar um dos 
                        filmes de desenhos animados americanos que saíram 
                        há pouco tempo... Eu gosto de estar em casa e de 
                        me telefonarem, inesperadamente, a perguntarem se eu quero 
                        fazer determinada coisa. Nunca penso como vai ser o dia 
                        de amanhã e não tenho problema nenhum de 
                        um dia deixar este meu trabalho e comprar um monte alentejano 
                        para criar galinhas. Não me assusta nada, porque 
                        a nossa vida é tão efémera... Prefiro 
                        viver o dia a dia e pensar sempre o presente. 
                      U@O - Como é que é conviver com o sucesso? 
                         
                        MDC - Portugal é um país de brandos 
                        costumes. Actualmente, quando eu e o André vamos 
                        para fora de Lisboa fazer espectáculos e há 
                        um grande reconhecimento, eu lido muito bem com isso. 
                        Não sou daquelas pessoas que sonha com o facto 
                        de ser conhecida. Por isso, não deixo de fazer 
                        a minha vida, continuo com a minha casa, com o meu cão... 
                        Mesmo com estes programas que passam na televisão 
                        neste momento, acho que as coisas são pacíficas 
                        e agrada-me que seja assim. Assusta-me muito se isto se 
                        transformar em Hollywood, em que não se pode sair 
                        à rua. Outra coisa que me assusta é a ilusão 
                        que muita gente está a ter com o estrelato, que 
                        é uma coisa relativa num país pequeno como 
                        Portugal. Exemplo disso são as pessoas que fizeram 
                        o primeiro Big Brother, pois toda a gente já se 
                        esqueceu de quem eles são, tal como está 
                        a acontecer com a Academia de Estrelas. De um dia para 
                        o outro, essas pessoas passam de perfeitas desconhecidas 
                        a pessoas famosas, mas o facto é que também 
                        pode acontecer o contrário. Não gosto nada 
                        desta onda do estrelato, porque é tudo muito efémero. 
                      U@O - Como é que gere o seu tempo? 
                        MDC - Tenho uma namorada que me atura muito (risos). 
                        É difícil gerir o meu tempo porque estou 
                        empenhado em várias coisas ao mesmo tempo e ainda 
                        dou formação ao longo do ano. No tempo livre 
                        que me resta nunca deixo de trabalhar, ou seja, chego 
                        a casa, tenho umas ideias sobre o que estou a fazer e 
                        vou escrevê-las. De qualquer forma, arranjo sempre 
                        maneira de fazer férias e se não faço 
                        um mês seguido, faço um fim de semana mais 
                        prolongado. 
                      
                       
                       
                        
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