Por Carmen Martins e Laura Sequeira



As Minas da Panasqueira situam-se na Serra do Açor, concelho da Covilhã


A descida às minas iniciou-se ao som dos Queen. No rádio da pick-up tocava a música "we are the champions" e o labirinto foi-se revelando cada vez maior e mais assustador.
Os 11 mil quilómetros de túneis escondem verdadeiras toupeiras vestidas de laranja que se vislumbram somente pelas luzes que trazem na cabeça. Estes homens trabalham a 620 metros abaixo do nível da terra, sem saber se o sol brilha ou não.
Zé Marcelino, um dos "zés" da mina, conta que ali "é mais escuro que a noite. Voltam à superficie depois de um dia de trabalho aqui debaixo é muito doloroso para os olhos, principalmente se estiver um dia de sol bastante forte".
"Sabem nadar?", pergunta um dos Zés. Nadar dentro de uma mina parece ser difícil, mas a explicação é lógica: para se fazer os furos é necessária a injecção de água na rocha. Essa água acumula-se e transforma-se em verdadeiros lagos no interior do labirinto. A água começou a ser utilizada como parte de um processo que travou a doença dos mineiros, a silicose. Esta doença caracterizava-se pela inalação dos pós que resultavam da exploração do minério e das técnicas utilizadas. Nos anos 50, o martelo era utilizado na extracção a seco, o que fazia com que os restos de minério entrassem para os pulmões. "Agora não. Trabalha-se aqui uma vida inteira sem se apanhar essa doença", explica Zé Duarte, outro dos "zés" da mina.
A ventilação é mais uma das formas que facilita o trabalho nas minas. Os túneis de ventilação tornam aquele ar respirável. O " cheiro a Lisboa", na linguagem dos "zés", é o ar saturado após a explosão. Respirar aquele ar chega a ser claustrofóbico.


A única mina da Europa onde é extraído volfrâmio



"O nosso volfrâmio já foi à lua"

"O volfrâmio é um mineral que depois de fundido dá o tumsténio, uma liga que quando acrescentada ao aço o torna mais resistente", ensina Zé Duarte.
Este minério, extraído das Minas da Panasqueira, é utilizado na construção de foguetões. As aeronaves devido à fricção da atmosfera atingem temperaturas muito altas. Para aguentarem essas temperaturas elas são construídas com ligas de tumsténio.
A construção naval também aplica esta liga nos cascos dos navios. Até mesmo os tanques de guerra são constituídos com este derivado do volfrâmio.
Portugal é o único país da Europa onde existe uma mina de extracção desta matéria prima. Em média são produzidas cerca de 120 toneladas por ano, exportadas, conforme a procura, para a Áustria, o Japão e os Estados Unidos.
Esta matéria prima é exportada uma vez que Portugal não dispõe de uma indústria transformadora de volfrâmio. A inexistência de uma lei comunitária faz com que muitos países da Europa vão buscar este minério a outras potências.
Para extrair o volfrâmio são necessários 110 mineiros, número que em tempos atingiu os 11 mil. Dividos em três turnos, estes homens entram "no primeiro turno às 7 horas e saem às 15, no segundo das 15 às 23 e um turno desfazado das 23 à 1 da manhã", salienta Zé Marcelino.

O Couto Mineiro

A Beiralt Tin and Wolfram Portugal, S.A. é a empresa que explora as Minas da Panasqueira, que se situam na Serra de Açor, concelho da Covilhã.
A exploração remonta a finais do século XIX, mais precisamente a 1886, quando Pescão de Casegas, carvoeiro, encontrou, numa das covas onde fazia o carvão, uma pedra negra de invulgar peso para o seu tamanho. Ofereceu este achado a Manuel dos Santos, natural da Barrroca Grande e homem de negócios. E foram estes homens que começaram a história das minas que hoje sustentam uma população.
A primeira localidade do couto mineiro foi a da Panasqueira. Nos últimos anos, a tendência da população é aproximar-se da Barrroca Grande, local da actual exploração. Deste couto fazem ainda parte S. Jorge da Beira, a Aldeia de S, Francisco de Assis e a povoação do Rio.
A Barroca Grande apareceu quando a exploração do minério se desenvolveu até esse local. António Nunes Carvalheira, o mineiro mais antigo das Minas da Panasqueira, demorava cerca de uma hora e meia para chegar ao local de trabalho.
Do Minho vieram outros com uma única ambição, juntar dinheiro para comprar duas vacas. Estes homens viviam em barracas até a empresa construir casas para ceder aos trabalhadores. Manuel Albino, director interino do Centro Comunitário das Minas da Panasqueira, conta que "as pessoas estavam habituadas a que a empresa lhes fornecesse tudo: a casa, a água e o gaz. Até para mudar uma simples lâmpada eles chamavam um funcionário da empresa".
Hoje o apoio da empresa já não é tanto. A Barroca enterra-se no meio do entulho mineiro e dá a sensação de estar afastada do mundo. Para que este cenário mude, José Luis Campos, presidente da Junta de Freguesia da Aldeia de S. Francisco de Assis, apresenta como solução o aproveitamento dos aterros das minas para criar uma empresa de inserção social. "Coisas sem qualquer valor arquitectónico, tais como lancil de passeio e separadores de auto-estrada", seriam o produto final desta empresa, adianta o presidente da junta desta freguesia.

A caminho da Barroca Grande

"Estamos aqui duas horas à espera que uma ambulância chegue"

Por entre curvas e desfiladeiros, o caminho até à Barroca Grande é uma aventura. Numa estrada muito estreita e de um só sentido, por onde passam camiões, encontra-se o único acesso capaz de levar novidades áquela aldeia.
Numa situação de emergência, o caminho pode ser causa de morte. Manuel Albino crítica esta situação e diz: "estamos aqui duas horas à espera que uma ambulância chegue". E continua: "quando se dão essas emergências, a única solução é o táxi".
José Luís Campos, apoiado pela Câmara Municipal da Covilhã, espera resolver este problema através da criação de uma nova rede viária.
O isolamento sente-se também na falta de transportes que ligam estas povoação ao exterior. Um único autocarro sai às sete da manhã para voltar às sete da noite. É neste transporte que os jovens da aldeia saem para estudar ou trabalhar.

A vida dos Zés

A conversa entre dois mineiros dá a entender que nas minas todos se chamam Zé. A quantidade de Zés na aldeia obriga a uma distinção pormenorizada de cada um deles. Zé Duarte, Zé Marcelino, Zé Cambra, são exemplos de alguns homens que durante umas horas não vêem a luz do dia.
"O que faz um mineiro é a necessidade de emprego", explica Zé Duarte. Muitos começam a trabalhar com 16 anos, tal como Américo Mendes. Com 47 não tem medo de se perder, mas já ajudou alguns perdidos.
António Nunes Carvalheira tem 84 anos e é o mineiro mais antigo da região. "A minha vida cá dentro da mina era como a dos outros. O suor caía da testa abaixo. Aquele que não fizesse isso no outro dia era mandado embora. Eramos tratados praticamente como escravos. E era assim a vida".
Depois de uma longa e dura vida de trabalho, estes homens não tinham direito a reforma. A única solução era voltar para as suas terras onde tinham o apoio da família. As mulheres na generalidade não trabalhavam. O salário do homem era o único sustento da família. "As viúvas daquele tempo ficavam na miséria", lamenta António Nunes Carvalheira.
Muitas histórias poderiam ser contadas acerca deste local, mas de desgraças ninguém quer falar. Os acidentes ficam enterrados com o passado e para o futuro acumulam-se projectos de requalificação da zona.




"O centro tenta dar resposta a algumas necessidades que existem aqui na terra"


Centro Comunitário das Minas da Panasqueira
Uma luz ao fundo do túnel



Dar à população do couto mineiro aquilo que não têm é o lema da equipa de Manuel Albino, director interino do Centro Comunitário das Minas da Panasqueira.
As instalações funcionam no antigo hospital mineiro e acolhem um lar de idosos, uma creche, um ATL e escolas. Esta instituição presta ainda assistência ao domicílio aos mais idosos. "O centro tenta dar resposta a algumas necessidades que existem aqui na terra", refere Manuel Albino. Já organizaram cursos de informática, aeróbica, jardinagem e secretaria.
O Centro Comunitário funciona também como uma área de lazer, onde aquela gente passa o resto do seu tempo quando não está a trabalhar. "Ali não há muito para fazer. Infelizmente é um couto mineiro onde toda a gente vive com base nas Minas da Panasqueira", salienta José Luís Campos, presidente da Junta de Freguesia da Aldeia de S. Francisco de Assis.
Na opinião do presidente da Junta, este centro veio dar "uma grande ajuda social naquela zona". E continua: "eu estou convencido que as coisas vão melhorar na Barroca Grande".